O mundo parou de rodar, de repente. Morta... Louise Franklin, a doninha desagradável que uma vez por ano eu deveria aturar estava morta.
- Mas, como...? – eu perguntei, mas vovó se antecipou.
- Foi encontrada sem vida em seu quarto, sem uma gota de sangue no corpo. – ela me disse. Ela sabia que eu tinha visto esta cena, estava viva na memória. O ser parecido com um humano, de longos cabelos loiros e olhos agora num tom púrpura tinha acabado com a vida da jovem Louise. Vovó se atirou em meus braços, ainda imóveis. – Não se culpe, minha querida, você não pôde fazer nada.
- Claro que ela sabe que não é culpa dela mamãe, não seja tola. – papai disse. – Alice, você ficará bem com a sua avó? Preciso providenciar os quartos para abrigar a família Franklin.
- Claro papai, pode ir. – eu disse, quase num sussurro.
Papai saiu do meu quarto, chamando por Naná e Eliza. Eu permanecia imóvel, sentada em minha cama com vovó ao meu lado. Sua face era ainda de puro horror. Deitou ao meu lado e pela primeira vez eu fiz carinhos em suas costas para poder consola-la. Ela sabia que teria que ser forte. Sua amiga precisava dela nesse momento. Eu também teria que ser forte pois consolaria um amigo, um irmão que perdeu a sua irmã numa trágica interferência do destino.
Ouvi os passos apressados pelo corredor. Os conhecia bem, eram os da minha mãe.
- Não comente com sua mãe que você pôde ver o que aconteceu com Louise, ela não compreenderia. – aconselhou-me vovó.
Mamãe entrou aflita em meu quarto. Sua expressão séria, pela primeira vez, estava abalada. Cynthia entrou logo em seguida. Seus olhos castanhos estavam cheios de lágrimas que transbordavam e rolavam por sua face. Ela correu em minha direção e se jogou em cima da minha cama, ao lado da vovó, para que eu também pudesse afagá-la. Mamãe ficou parada como uma estátua à beira da cama. Ficamos neste silêncio por longos minutos até que Eliza entrou por nossa porta.
- Está na hora da refeição. – ela disse a nós.
- Não tenho fome. – Cynthia confessou.
Mamãe a olhou de forma severa. Em casa tínhamos regras. Regras tolas que mamãe exigia serem cumpridas. Papai não ligava tanto para certos detalhes, como “hora de jantar”, “hora do banho”, “hora da leitura”... Mas mamãe, devido à sua criação, fazia questão de que nós cumpríssemos o que nos era estabelecido.
- Você vai comer Cynthia. Já é a hora de comer.
- Mas mamãe, eu... – ela começava a contestar, mas mamãe a interrompeu.
- Não interessa. Desçam, nós vamos comer. – ela disse, saindo pela porta. Nós levantamos. Cynthia por último. Eu peguei a sua pequena mão e saímos do meu quarto, descendo escada abaixo. Fizemos nossa refeição em silêncio. Papai parecia preocupado. Mamãe parecia indiferente, como sempre. Vovó aparentava angústia em seus olhos.
Após o jantar, fui para o meu quarto onde permaneci o resto do dia.
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Às doze horas do dia seguinte pudemos avistar o veículo dos Franklin se aproximando de nossa residência. Meu coração palpitou aceleradamente por medo de ter que consolar a família. Nunca havia encarado a morte tão de perto. Meu avô e meus tios morreram antes de eu nascer, e quando tia Alice morreu, eu era muito pequena, então eu não sabia o que era este sentimento de perda, mas eu estava ciente que era uma dor que não podia ser igualada. Nada devia doer tanto quanto a morte.
A viúva Franklin estava usando vestes pretas, assim como Louise, Taylor e sua empregada, Meredith. Eles saíram do carro e vieram se confortar nos abraços da minha família.
- Sinto muito, Melinda, minha querida. – vovó disse, sinceramente.
- E pensar que isso poderia ter sido evitado. – ela dizia entre longos suspiros e lágrimas. – Alice disse...
- Entendo sua dor, minha amiga.. – Vovó se apressou antes que a viúva revelasse o que eu havia previsto. – Sei como é a dor de perder um filho. Eu enterrei dois e um marido.
- Ela estava seca, Madeleine. Sem uma gota de sangue em seu corpo. Estava pálida... e tão gelada. Que tipo de monstro é este homem? – ela questionou.
Taylor estava ajudando o cocheiro a retirar as malas. Eu me ofereci para ajudar. Mamãe, é claro, estava prestes a me repreender por não ter uma atitude de dama, mas eu disse, friamente.
- Meu amigo precisa de ajuda, mamãe. Não só com as malas, por favor.
- Está bem. Mas não pense que estou feliz com esta idéia. Você deve se portar como uma dama. Que homem irá querer desposa-la se você ficar brincando de carregadora, amarrotando suas vestes, Alice?
- Neste momento consolar os Franklin é mais importante do que pensar em amarrotar meu vestido. – eu disse, indo em direção ao automóvel. Uma grande carcaça de ferro era o carro dos Franklin. Já havia visto modelos mais novos pelas ruas de Biloxi, mas vovó também insistia em usar coisas menos perigosas. Por isso, em sua fazenda, usávamos ainda carruagens e charretes.
Pus-me ao lado de Taylor. Ao notar minha presença, ele soltou a mala no chão e me abraçou. Suas lágrimas desceram por sua bochecha e eu senti uma onda de pena enquanto afagava as suas costas.
- Eu sinto muito. – eu disse a ele. Ele permaneceu calado, apenas recebendo o meu consolo. Papai se aproximou para consola-lo também. Ele gostava muito de Taylor. Como não tinha filhos homens e o jovem Franklin não tinha pai, eles ficaram extremamente próximos nos verões, quando papai queria pescar e mamãe me proibia de ir com ele.
Levamos as bagagens para dentro e acomodamos os Franklin nos quartos. Margareth dormiria no quarto com Cynthia. Eu cederia o meu quarto para a viúva e dormiria do quarto com a vovó. Taylor dormiria no quarto de hóspedes. Naquela noite os Franklin não quiseram se juntar a nós na hora do jantar. Vovó pediu para que eu levasse algo para Taylor e Cynthia para Margareth. Ela iria até o quarto da viúva para se certificar que ela estava bem. Ouvi murmúrios da minha mãe dizendo que uma jovem não deveria ir sozinha ao quarto de um homem, por mais jovem que ele também fosse.
- Por Deus, Adélia. Alice não tem interesses em Taylor e isso é uma coisa que ela faz questão de deixar claro a ele. – papai disse. – Pode ir, Alice, mas qualquer coisa, pode nos chamar.
Que inversão de papéis, eu pensei. Subi com uma grande bandeja que continha a janta. Uma sopa de legumes, pão caseiro, um pedaço da torta de chocolate com morangos e doce de batata-doce. Bati na porta e ouvi a permissão para entrar.
- Taylor? – eu perguntei.
- Alice? – ele pareceu surpreso. – O... O... que você está fazendo aqui? – ele gaguejou.
- Não acha que eu o deixaria com fome, não é? – eu dei um leve sorriso. – E não importa o que diga, eu só sairei daqui quando comer tudo.
- Não tenho fome. – ele disse.
- Não interessa. Nem que eu o amarre, pise em seu pé para que grite e eu coloque comida em sua boca, mas você vai comer tudo.
- Sempre teimosa. Sua teimosia é inversamente proporcional à sua altura. – ele brincou e deu um sorriso tímido. Eu mostrei-lhe a língua como Cynthia provavelmente o faria.
- Precisa comer. Precisa ficar forte. – eu disse, colocando a bandeja em sua cama. – Por favor.
- Está bem. Já que é o único jeito de me livrar de você. – ele sorriu. Sabia que estava brincando, então, sabia que ele estava melhor.
- Podíamos fazer alguma coisa amanhã... Andar a cavalo, se minha mãe for até a cidade.
- Sua mãe ainda implica com seu “espírito de liberdade”? – ele me perguntou. Ele apelidara assim a minha personalidade. Ele sempre brincou, dizendo que sempre estive à frente da minha época e que eu não era como as outras moças que ele conhecia.
- Sim. Ela quer que eu seja uma perfeita dama, uma perfeita esposa. – eu disse, enquanto rodopiava e reverenciava, imitando aquelas senhoritas francesas que eu via nos filmes quando ia às salas de projeção. Ele sorriu mais uma vez. – Será que ela não entende que uma moça pode gostar de se arrumar, a ter bons costumes e fazer outras coisas?
- Como o que, por exemplo? – ele me perguntou.
- Andar a cavalo. Deus, eu adoro velocidade. Adoro correr. Sinto como se pudesse voar. – eu disse, sentando em sua cama. – Também gosto da idéia de poder ser amiga de um rapaz, mas mamãe não concorda.
- Estou feliz que a desobedeça, então. – ele disse. – Se bem que eu preferia não ser seu amigo.
- Taylor, por favor, não comece. – eu bati em sua perna.
- Ai, isso doeu. – ele disse, passando a mão onde tinha batido, e rindo.
- Eu não sou tão fraca quanto pensa que eu sou, Taylor Franklin.
- Estou certo disso. – ele disse. – Então, aceito o convite. Amanhã nós cavalgaremos.
Ele terminou o seu jantar e então fiquei satisfeita por ter feito ele comer tudo e se sentir melhor. Dei-lhe boa noite e sai do quarto. Deixei as coisas na cozinha, sob a supervisão de Eliza, Naná e Meredith, que jogavam cartas.
- Sabe, Alice, - Naná disse. – eu acho que você poderia dar uma chance ao menino Taylor. Ele é um menino bonito e se interessa por você. – ela me falou. Eliza e Meredith concordaram.
- Vocês três estão me saindo ótimas casamenteiras. – eu brinquei, dando um beijo na testa de cada uma. – Mas arranjem outra moça para juntar a Taylor. Estou indisponível. – eu sorri, dando boa noite e deixando o ar da dúvida. Porque diabos eu estaria indisponível? Por causa do meu cavaleiro desconhecido? Aquele ser tão bonito, de cabelos dourados, estava por aí em algum lugar. Eu tinha certeza. Subi as escadas em direção ao quarto da vovó para dormir. Entrei, deitei na minha cama improvisada e dormi embalada por sonhos com meu cavaleiro dourado.
4 comentários:
adorei,nunca pensei que a vida da Alice poderia ser assim!
Estou amando!!!
Queria saber como Jasper reagiria se soubesse que ela o via como 'o cavaleiro dourado', rsrs, que lindo!!
bjs.
- Mary Alice.
Tem um erro aí... bem na parte de "A viúva Franklin estava usando vestes pretas, assim como Louise, Taylor e sua empregada, Maredith. [...]" => A Louise não estava morta? Como ela chegou ao lado da mãe e do irmão? E a Margareth, onde está? Ficou lá para ser morta por James?
Foi um erro que me confundiu um pouco... mesmo assim estou amando!!
bjs.
- Mary Alice.
E o pior é q seu cavaleiro já era um VAMPIRO!
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