Segundo Maria, acordei três dias depois. Durante esses três dias, simplesmente queimei. Era uma dor tão grande que queria que me matassem. Mas eu não podia gritar. Acho que nem mesmo podia me mexer...
Logo que acordei, não abri os olhos. Não conseguia. Fiquei apenas escutando tudo. Realmente tudo.
Podia escutar as charretes carregando mais desabrigados para longe da guerra. Podia escutar uma criança dentro de uma delas falando com a mãe que estava com medo de seu pai morrer na guerra. Podia escutar até mesmo uma respiração bem leve, mas parecendo forçada, ao meu lado. Novamente escutei a criança, mas desta vez ela estava chorando.
Foi aí então que eu a senti pela primeira vez. A sede. Um desejo incontrolável de correr até aquela criança e silencia-la de uma vez por todas. E o que mais me assustou era que eu desejava seu sangue.
Mudei logo de pensamento, tentando me concentrar nos cheiros. Podia sentir um perfume na pessoa ao meu lado que eu não teria sentido dias antes. Podia sentir o cheiro das flores bem ao longe. E podia sentir um cheiro muito bom, o melhor aroma que eu já havia inalado. E se fosse o que eu estava pensando, isso era ruim. Isso me fazia ruim. Estava começando a escutar agora batidas de dois corações dentro da charrete. Na verdade três. Havia me esquecido do homem que estava conduzindo os cavalos... Ele tinha cheiro de animal, e talvez isso tenha me confundido.
Então não consegui mais me segurar.
Abri os olhos e logo vi que ainda era noite. Mas não era a noite em que eu havia sido transformado nisso. Era outra noite. A lua não estava dourada. Ela estava pálida, como se tudo de ruim que pudesse acontecer já tivesse acontecido. Isso era uma mentira. Disso eu tinha certeza. Olhei para a carroça, e não havia como me conter.
Levantei em uma velocidade sobre humana e saí correndo em direção a charrete. Eu estava muito veloz. Já não conseguia mais pensar. O cheiro de sangue já ocupava todos os meus pensamentos.
Cheguei a charrete em uma fração de segundo. Logo que vi a criança e a mãe senti pena. Pena pelo que eu teria que fazer. A criança chorava. Eu podia ver todos os detalhes. Usava uma blusa rasgada, e tinha os cabelos crespos bem pretos. Mas os olhos, de um verde tão profundo que me fez hesitar. Um segundo depois, ataquei a criança.
A mulher gritou. Logo a criança já estava sem sangue algum, e minha sede se retardara apenas um pouco. Virei-me para a mãe, e após me alimentar dela me dirigi ao condutor dos cavalos.
O cheiro dos animais que ele cuidava não mais mascarava o cheiro do seu sangue. Quando acabei com ele, incrivelmente não sentia mais sede. Os cavalos logo fugiram, mas não os persegui pois eles não me apeteciam.
Logo que saí da charrete abandonada lembrei-me da pessoa que estava ao meu lado. Era Maria, a “anja” que me atacara algumas noites atrás. Eu podia sentir que ela estava com orgulho. E quando digo sentir, eu sentia mesmo seus sentimentos. Mas, orgulho do quê?
Orgulho de ter me transformado nessa fera que precisa matar pessoas inocentes para se alimentar? Não, ninguém poderia sentir orgulho disso. Logo seu orgulho se esvaiu e foi substituído por curiosidade. Ela me perguntou:
- Como se sente, Major Jasper Withlock? – Sua voz agora me parecia mais delicada ainda do que eu me recordava. Eu devia estar enganado, pois as lembranças estavam borradas e sem nitidez alguma. Ela prosseguiu: - Gostando de seus novos poderes, soldado? – Ela me perguntou.
- No que você me transformou? – perguntei a Maria, que me olhou com uma cara de dúvida. Minha voz agora também estava diferente, talvez mais “angelical”, se é que isso fosse possível. Mas depois de tudo o que fiz com essas pessoas na charrete, nada parecia impossível para mim.
Eu queria que Maria estivesse calma, e ela estava calma. Parecia que eu podia manipular as emoções dela. Será que isso era outro dos poderes que ela havia me concebido?
- Você ainda não sabe, querido Jasper? – ela me questionou, tão calma quanto eu queria que ela estivesse. – Pense um pouco...
O pior era que eu sabia. Eu sabia que ela havia me transformado em uma coisa que eu nunca havia imaginado que existisse. Sabia também o que ela era. Sabia o que suas “amigas” da outra noite estavam querendo dizer em “matar duas vezes mais do que cria-los”. Depois de ter matado três pessoas inocentes sem terem feito nada contra mim, e depois ter sugado seu sangue, eu sabia.
Eu tentava enganar a mim mesmo que não sabia, mas eu já tinha uma certeza do que eu era.
Um vampiro.
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