Singularity - Capítulo 02: Do Próprio Diabo

Robert Giles se moveu rápido o bastante para não ser mais que uma sombra descendo os longos e mal iluminados corredores. Não era hora de ele começar a trabalhar ainda. Isso iria demorar apenas alguns minutos, e ele teria uma hora completa antes que alguém esperasse que ele fosse iniciar seu turno no hospício. Ele ia de quarto em quarto, ouvindo os balbucios, gritos e sons guturais que emanavam por trás das pesadas e trancadas portas. Ele tinha que ouvir, porque era difícil encontrar o aroma certo aqui. Corpos sujos e o forte cheiro de dejetos humanos encobriam os mais sutis cheiros que indicavam doença e morte iminente.

Ele tinha aprendido a encontrar os fracos e mortos durante as pragas da Europa e tinha retomado o seu caminho durante o surto de gripe espanhola em 1918. Ninguém notava quando ele tirava os ainda não mortos das enfermarias. Esse estilo de se alimentar tinha se tornado um hábito fácil, mas os moribundos que não eram vigiados agora eram difíceis de encontrar. Aqui em um hospício, no entanto, ninguém via ou se importava. Ironicamente, as famílias de suas vítimas agora ficavam frequentemente aliviadas por suas ações, e ele adorava a idéia de si mesmo como o doador de misericórdia final. Ela se encaixava bem com o complexo de Deus que ele havia adquirido com o seu renascimento.

Ele parou em uma porta sinistramente silenciosa. O silêncio era um sinal de fraqueza em um lugar como este. Silêncio significava que não havia energia restante o suficiente para liberar as torturas que estas mentes suportavam a cada minuto do dia. O silêncio significava que seus serviços como o coveiro daqui em breve seriam necessários. Silêncio significava que ele poderia trazer descanso final a mentes perturbadas, ele poderia trazer o seu próprio tipo de misericórdia. Em seis meses, ninguém havia sequer notado quando Robert levava os corpos para fora para serem devolvidos aos seus familiares, se havia algum parente que os buscavam. Mais frequentemente, ele próprio simplesmente enterrava suas vítimas indesejadas. Eles o pagavam e até mesmo o agradeciam por fazer isso. Sim, ele era uma benção neste lugar escuro. Ele riu para si mesmo quando destrancou a porta do quarto do homem.

O homem magro estava deitado em sua maca respirando rapidamente, suspiros curtos. Este homem era contido com correntes por seus surtos de violência. Robert sentia o cheiro da pneumonia na respiração dele, e sabia que eram as correntes que o levaram a isso, as correntes e as drogas que o impediam de se mover o suficiente para esvaziar os pulmões.

Em doze séculos, nunca havia sido tão fácil. Ele tinha sido um Viking antes de se tornar imortal, Asvald, filho de Advund. Ele tinha matado centenas de vezes como humano e milhares de centenas de vezes como vampiro. Aqui, ele matava para viver na presença de outros, sem a preocupação de ser descoberto. Ele trabalhava à noite. Ele usava óculos escuros devido a uma ‘doença ocular’. Ele era encarregado de lidar com os mortos. Ninguém queria estar perto dele, mas apreciavam a sua ética de trabalho e sua disposição para livrá-los dos corpos indesejáveis. Era perfeito e tão irônico ao mesmo tempo. Ele quase riu para si mesmo quando se inclinou sobre o magro homem. Os olhos do homem se abriram rapidamente e então se fecharam. Era tão fácil, ele suspirou enquanto afundava os dentes no pescoço do senhor. Este não tinha família, então não havia nenhuma razão nem mesmo para esconder a ferida.

Robert ainda tinha trinta minutos restantes depois de ter levado o agora corpo para o necrotério. Ele iria relatar a morte e enterrar o cadáver durante a primeira hora de trabalho. Ele novamente se dirigiu aos corredores. Normalmente, ele se alimentava não mais do que duas vezes por semana no hospício, e então ele só tirava uma vida por noite. Ele não queria levantar qualquer alarme aqui. Ele tinha cinco ou seis anos ainda neste hospital, antes que alguém começasse a ficar desconfiado, e ele não queria estragar os anos por ser um guloso. No entanto, o moribundo era pequeno e magro, e seu sangue tinha um gosto ruim por causa das drogas e da morte vindoura. Contra seu melhor julgamento, Robert estava movendo-se através dos corredores novamente em sua caçada rápida. O lugar era enorme, e havia tantas portas para escolher.

Ele finalmente escolheu uma porta que tinha uma mulher com uma pequena voz humana, que frequentemente gritava por sua mãe quando não estava tendo uma conversa com os fantasmas trancados em sua cabeça. O quarto ficou em silêncio. Era estranho, esta era muito jovem. Ele abriu a porta e olhou para dentro. Os jovens geralmente não morriam sem a tosse reveladora. A jovem deveria estar com 18 ou 19 anos ou no início dos 20, mas parecia-lhe uma mera criança de uns doze anos, sentada olhando para ele com olhos turvos. “Ela deve estar usando medicamentos”, ele pensou, “mas não consigo sentir o cheiro de nenhum”. Ela se virou, e seus olhos o focalizaram. Estranho, ela pareceu reconhecê-lo. Seu aroma era incrivelmente forte e agradável e fez a sua boca se encher de veneno. Ah, depois de tantos seres humanos drogados, seu sangue seria tão doce em sua boca. Ele investiu contra ela, mas algo em seu rosto o fez parar a poucos centímetros de seu corpo. Ele não tinha nenhuma dúvida de que o sangue dela seria seu, mas ele parou por um momento enquanto tentava descobrir o motivo da sua inquietação.

Se ele fosse mais jovem, ou estivesse com mais sede, ele a teria esmagado imediatamente. Sua garganta doía e seu corpo ficou tenso enquanto ele olhava nos olhos estranhamente fora de foco dela. Algo naquele rosto e naqueles olhos o refreou por aqueles poucos momentos até que ele decidiu não tirar a sua vida, ainda. Além disso, o sangue teria gosto melhor quando ele estivesse realmente com sede. Não havia necessidade de desperdiçá-lo esta noite, com o sangue de outro ainda em sua respiração. Ele se aproximou, sua sede quase esquecida na estranha expressão dela, que o estava deixando realmente curioso.

“Eu sabia que você não iria fazer isso”, ela sorriu para si mesma, mas sua voz era tão fraca que mesmo ele mal ouviu.”Estou feliz que você mudou de idéia”, ela continuou e, em seguida, caiu sobre a sua cama como se as palavras de repente a tivessem deixado exausta. Ele aproximou-se ainda mais, mais próximo do que ele já esteve de uma não-vítima. Ele moveu a massa escura de cabelo curto que agora cobria o rosto dela, e segurou sua cabeça. Seu cabelo estava crescendo além do padrão curto da instituição que era destinado aos piores pacientes. Logo eles iriam cortar novamente. Os olhos dele, perfeitamente adequados à completa escuridão da cela, percebeu que inúmeras marcas de queimadura deixadas pela terapia de eletro choque cobriam sua cabeça. Ele sentiu uma estranha raiva disso. Por que essa pequena menina recebia um tratamento tão radical? Como ela poderia eventualmente ser uma ameaça para a sociedade a ponto de ter de ser eletrocutada em um torpor para o resto da sua vida?

Ela se mexeu um pouco e colocou seu rosto contra as mãos frias dele, e suspirou, como se suas mãos trouxessem alívio para ela de alguma forma. Ele agachou-se ali, observando a criatura frágil enquanto ela oscilava entre um estupor consciente e sono profundo. Ela parecia não encontrar nenhuma maneira de descansar do funcionamento de sua mente. Enquanto ele a observava, percebeu que ela era magra demais, pálida, e totalmente não saudável. Sua pele pálida já alguma vez havia visto o sol? Ela era pálida como ele. Suas veias saltavam azuis contra sua pele, e os círculos pretos sob seus olhos pareciam quase tão escuros como borra de carvão. Sua pele fina parecia estender-se sobre as maçãs do rosto e ombros como se sua pele estivesse muito apertada, mesmo para o seu corpo minúsculo.

Assim que pôde, ele a deitou novamente na cama, na qual seu pé estava acorrentado. Ele correu rapidamente pelo corredor até a cozinha vazia e pegou pão branco e caldo de carne e os trouxe de volta para ela. Ele tentou acordar a criança, mas ela parecia ser capaz apenas de abrir seus olhos pela metade. Ele colocou a comida em sua boca, e para seu alívio, viu quando ela começou a comer lentamente. Ele só tinha alguns minutos agora. Ele levou o copo de caldo frio até os lábios dela e com alguma dificuldade foi capaz de fazê-la beber um pouco.

“Obrigada”, ela murmurou enquanto ele saia da porta.

Quando saiu, ele verificou o papel amassado na porta, papel que o informou o que ele precisava saber. Mary Alice Brandon, 19 anos. Ele iria descobrir o que aconteceu com essa mulher que parecia uma criança.

Não foi até quase de madrugada que ele teve tempo para verificar os registros de Mary, ou Alice, como sua família a chamava. Seus registros eram volumosos e cheios de implacável desesperança. Sua família tinha trazido-a para cá por sugestão do seu médico. Ela estava, na melhor das hipóteses, delirante, porém mais provavelmente severamente esquizofrênica, e este foi o diagnóstico de vários dos psicólogos que tentaram ajudá-la. Eles haviam tentado ajudá-la a parar de ver e ouvir as coisas que assombrava cada minuto seu acordada e também dormindo. Não era o normal objeto estranho ou vozes que atormentavam sua mente, ela tinha visões que eram tão reais que ela era transportada para dentro delas. Mesmo antes das drogas e da eletricidade começarem a destruir o que restava de sua mente, ela estava totalmente incapaz de viver na sociedade. Quando criança, ela dizia aos pais que as pessoas iam morrer ou que o tempo ia mudar. À medida que ela crescia, tornou-se claro que as visões eram um constante perigo para sua saúde e segurança. As “birras”, como seus pais as chamavam, poderiam ocorrer a qualquer momento e em qualquer lugar e deixá-la totalmente incapaz de agir. Ela não podia nem sair de casa. Ele achou estranho que ninguém tenha prestado atenção às diversas entradas provando que isso não era loucura, mas um dom. Mesmo sua família, sem instrução e supersticiosos, admitia que o que ela via muitas vezes se tornava realidade. Eles queriam que os médicos não apenas consertassem sua mente, mas também removessem as visões que a estavam destruindo. Eles não a queriam de volta.

Ele decidiu descobrir mais coisas de um dos funcionários da equipe da noite. Ele foi procurar o alto e jovem médico com o cabelo ensebado, que raramente deixava o escritório principal a noite toda.

“Doutor Keller, posso falar com o senhor?” Ele achou graça quando o bom médico deu um pulo. Ele nunca tinha falado com esse jovem e o conhecia apenas como o que mais parecia um vampiro que ele próprio. Dr. Keller olhou para ele em choque, e Robert sorriu presunçosamente de volta. Dr. Keller estava esperando um coveiro, mas o homem diante dele mais parecia um anjo loiro, e do bom médico ficou impressionado com isso. Tão previsíveis, esses seres míseros e fracos humanos, ele pensou.

“Ah… Desculpe… É Bill?”, ele perguntou.

“Não senhor, é Robert, Robert Giles. Eu trabalho no prédio e terrenos e cuido do necrotério.” Doutor Keller vacilou quando ele mencionou o necrotério. Essa era a reação normal.

“Eu estava verificando os enfermos, e encontrei Mary Alice Brandon doente em sua cela, ou pelo menos eu acho que ela poderia estar doente. O senhor poderia me dizer mais sobre ela?”

“Eu não sei muito mais do que está em seu arquivo. Este é um caso muito triste. Ela tem um dos piores casos de esquizofrenia que eu já vi. Uma pena, também. Ela é tão bonita. Um desperdício, realmente.” O médico de cabelo oleoso suspirou e sorriu levemente. Ele obviamente tinha algum conhecimento da garota de quem disse não saber nada. Nojento. Ele não se importava com a saúde mental da paciente, apenas com o quão linda ela era.

“Sim, mas o que vai acontecer com ela?”

“Bem, vamos fazer tudo o que pudermos por ela, é claro”, ele disse bruscamente.”Acho que não há nenhuma esperança de ela jamais sair daqui, todavia. Ela não vê o mundo fora daqui há seis anos. Infelizmente, as nossas únicas opções até agora incluem os calmantes e terapia de choque. Sua mente agora já quase se foi, então realmente não importa muito o que fazemos com ela.” O médico disse isso de tal forma que Robert sabia exatamente o que este homem poderia fazer com ela, se ele já não o tivesse feito. Robert não gostava deste humano que parecia tão ansioso por encontrar meninas bonitas nos corredores escuros deste lugar. Ele decidiu que este precisava morrer. Este mero humano o tinha ofendido, e a pena por ofender um ser tão poderoso tinha sido sempre a morte, na mente de Robert.

Robert estava começando a formar um plano n hora que substituiu o prontuário dela e deixou os escritórios para voltar a seus afazeres macabros. O que eles tinham feito a Alice o fez rosnar em fúria. Ela não tinha visto o sol em seis anos, e não tinha estado sem medicamentos constantes pelo mesmo período. Ela foi submetida a choques elétricos há três anos e agora esse era um tratamento constante. Só Deus sabia o que acontecia quando as cabeças dos bons médicos estavam viradas. Ela havia sido torturada por esses médicos bem-intencionados mas totalmente imbecis.

Robert entrava em sua cela todas as noites depois daquilo, para tentar desvendar o mistério de sua mente e alimentá-la. Ele tinha que tomar precauções extras antes de chegar para vê-la, porque seu sangue incrivelmente aromático era uma tentação constante. Ele se alimentou mais de três vezes em sete dias. Se ele não tivesse feito isso, ele sabia absolutamente que não seria capaz de resistir ao sangue dela.

Sua mente tinha voado com as possibilidades do que o dom dela poderia significar para ele. Ela poderia ser útil para ele como uma vampira? Ele tinha visto em primeira mão o que o veneno poderia fazer para um corpo quebrado, mas o que dizer de uma mente danificada? Se ele pudesse de alguma forma dar um jeito de transformá-la sem matá-la, ela seria tão louca como estava neste hospício? Seria ela o que ele queria quando o veneno tivesse ido embora? Mais importante ainda, ele poderia deixá-la aqui não transformada? Ele poderia deixá-la afinal? O rosto dela era seu companheiro constante agora, e ele ansiava estar perto dela, mesmo insana e acorrentada a este lugar, ele desejava a sua companhia.

Ela estava se recuperando do tratamento de choque, mas isso significava que os tranquilizantes em breve seria administrados. Agora que ele a tinha visto sem medicamentos, ele poderia compreender a vontade da equipe de drogá-la. Ela estava constantemente dentro e fora do lugar, pois via coisas que não tinham acontecido ainda. Ela reagia a cada visão de uma forma visceral, e seus gritos e berros podiam ser ouvidos até no corredor. Suas emoções eram absolutamente entrelaçadas a seus transes. As visões a tinham tornado realmente louca e incapaz de diferenciar a realidade da cela da realidade que ela via em sua cabeça. Isso era por causa da loucura ou por causa deste lugar e do que os médicos tinham feito com ela?

Toda noite ela saia de seu torpor para tentar olhar para ele, seus olhos vasculhavam o rosto dele como se estivessem tentando ver alguma coisa. Era sempre escuro em sua cela, mesmo quando ele trazia uma lanterna. Demorou duas semanas antes que ela pudesse falar, e nas primeiras noites, ela continuava dizendo a mesma coisa.

“É você Jasper?” Ela perguntava.

“Não, eu sou Robert. Você se lembra de mim?”

“Não, eu acho não. Estou à procura de Jasper, mas não consigo encontrá-lo. É muito importante, mas eu não sei porquê,” dizia ela ofegante.

“Eu não conheço nenhum Jasper, me desculpe.”

“Que pena, eu realmente preciso encontrá-lo. É tão importante…” e sua voz sumiu. Muitas vezes, eram apenas alguns instantes até que a próxima visão tivesse controle absoluto sobre ela.

Na quarta noite ela estava lúcida o suficiente para esperar por ele. Ele chegou bem alimentado de um obeso alcoólatra que estava morrendo de cirrose hepática. Esta noite, porém, Alice olhou para ele com olhos assustados.

“Por que você está com medo, Alice?”, ele perguntou em um tom tão suave quanto possível.

“Por que você fez isso? Por que você matou ela? O que você estava fazendo?” Ela estava apavorada, e sua voz frágil estremeceu.

“Eu não percebi que você viu aquilo”, disse ele em uma voz que apenas ligeiramente traiu seu choque.”Eu me alimento de forma diferente do que você. Isso te assusta, mas é necessário. Eu prometo, nunca farei isso com você.” Ele estava mentindo, mas isso não importava.”Eu te trouxe algo.” Ele estendeu duas metades de uma maçã.

Alice olhou para elas com olhos espantados. Ela estava obviamente confusa, e perguntou:”O que é isso? É comida?”

“Sim, é uma maçã? Você se lembra de maçãs?” Ela balançou a cabeça e estendeu uma mão pequena. Ela pegou a maçã e a virou ao redor de sua mão.”É linda. Olhe a cor”, ela murmurou enquanto a maçã se virava diante de seus olhos. Ele ficou se questionando novamente sobre quanto dano havia sido feito a esta doce e torturada alma.

Ele a olhava atentamente enquanto ela dava uma mordida muito pequena e parecia deliciar-se com o ruído crocante que fazia em sua boca. Seus olhos ficaram repentinamente brilhantes e alertas. Ela comeu lentamente, nunca parando, e saboreando cada mordida. Ela até sorriu um pouco, e isso fez seu jovem rosto brilhar. Enquanto ele a observava, ele se decidiu a ajudá-la de alguma forma.

“Alice, o que você se lembra de sua vida fora do hospício?”, ele perguntou lentamente.

Ela pareceu confusa com a pergunta, mas, em seguida, iluminou-se.”Lembro-me de uma pessoa chamada Mamãe. Ela cheirava bem, e acho que eu gostava de estar com ela. Havia muita gente. Havia tanto azul e as salas eram grandes. Havia árvores, eu acho, e as coisas não eram tão escuras.” Ela pausou e franziu o rosto.”Isso é tudo.”

“Você se lembra do seu nome?”

“Eu sou Alice”.

“Alice de quê?”

“Alice de quê, o quê? Eu não entendo”, ela inclinou sua cabeça para o lado.

“A maioria das pessoas têm mais de um nome. Eles têm dois ou três, e sabem sua idade e de onde vieram”, ele respondeu calmamente.

“Qual é seu nome? Quantos anos você tem? E de onde você veio?” ela disparou de volta para ele. Ele sorriu de seu espírito. Pelo menos ela manteve um pouco de seu antigo caráter. Por que não lhe dizer a verdade? Ninguém na terra poderia acreditar nela de qualquer maneira.

“Meu nome original era Asvald, filho de Advund. Eu uso Robert Giles agora. Nasci mil e duzentos anos atrás na Escandinávia, como o filho de um líder do clã Viking. Me tornei o que sou agora na Escócia em tempo medieval. Foi onde dois vampiros nos atacaram enquanto comercializávamos produtos com os escoceses. As pessoas da cidade afugentaram os vampiros com o fogo. Eu fui o único a sobreviver, mas fui transformado em um vampiro. É por isso que eu bebo o sangue das pessoas aqui. É a minha maneira de sobrevivência, e é um presente que eu posso dar a eles. Você entende, eu posso dar-lhes a paz”.

“Oh.” Isso foi tudo que ela disse. Ela não ficou chocada ou medo.”Você poderia me dar paz também?”, ela perguntou. Ele olhou nos olhos dela e viu apenas inocência e desejo. Ela queria ficar livre desta vida.

Ela merecia mais do que isso, e ele poderia salvá-la, mas ele precisava de informações primeiro.

Ele se assegurou de que ela estava bem alimentada, e que nenhuma outra terapia de choque estava planejada antes que ele saísse para encontrar um velho conhecido no Texas. Carlos foi um dos poucos sobreviventes do ataque dos Volturi aos bandos do sul. Ele sabia tudo sobre dons, e quais eram dignos de salvar. Eles se conheceram durante uma das epidemias de febre amarela em New Orleans. Robert tinha ido se alimentar, e Carlos tinha ido para encontrar recrutas para as guerras que acabariam por trazer os Volturi. Eles sempre tiveram um bom relacionamento, e Robert havia escondido Carlos após os ataques dos Volturi, então Carlos lhe devia.

Em dois dias, ele tinha encontrado Carlos em uma casa na Costa do Golfo. Eles recordaram os velhos tempos e foram vistoriar a área recém-adquirida por Carlos. Robert lhe contou de sua rara descoberta, e ele ouviu com enorme interesse.

“Você diz que sua mente está quase perdida e que as visões são totalmente descontroladas?”, questionou.

“Sim, ela não tem controle nenhum. Ela não consegue se lembrar mais de sua vida fora do hospício. Quero aproveitar o talento dela, mas não quero criar uma insana recém-nascida. Eles são difíceis o suficiente de controlar como são.”

Carlos balançou a cabeça em concordância.”Esta é uma situação única. Eu nunca encontrei um humano tão talentoso. Talvez nós devêssemos começar a verificar nossos hospícios mais cuidadosamente. Eu não posso dizer o que ela vai ser já que o núcleo de sua mente se foi ou foi radicalmente alterado. Ela pode muito bem levar sua loucura para a nova vida. Um recém-criado louco seria impossível de controlar e pode trazer os Volturi em cima você. É um grande problema, meu amigo.”

“Você acha que vale a pena o risco?”

“Não. Não para você. Talvez aqui, com vários outros que podem mantê-la sob controle ou destruí-la se necessário, mas sozinho, não há maneira segura de tentar”, ele disse com desdém. Robert sabia que Carlos poderia muito bem tentar manter Alice para si próprio. Um vampiro com dons sempre foi uma adição bem-vinda aos violentos bandos do sul, mas a dívida que ele tinha para com Robert era grande, e Carlos não era o tipo de homem que gostava de dever nada a ninguém.

“Vou manter a sua proposta em mente. Eu certamente não quero começar nenhum problema que não pode ser controlado.”

“Você tem alguma idéia de como fazer isso, Robert? É muito mais difícil de parar a si mesmo do que você pensa. Talvez você devesse praticar em alguns dos camponeses aqui primeiro”, sugeriu Carlos.

“Obrigado, eu gostaria de ver como se faz e praticar em alguns, se você não se importa.” Carlos estava, obviamente, tentando pagar a dívida indesejada, e aquilo servia muito bem para Robert.

Robert ficou na vila por cerca de dois dias aprendendo a criar um recém-nascido. Infelizmente, após seis tentativas, e seis óbitos, não muito progresso foi feito. Carlos foi muito útil para lhe dar dicas sobre como não matar Alice, mas Robert ainda não estava certo de que ele poderia fazê-lo. Se ele não conseguia parar com esses camponeses nada apetitosos, como ele poderia se controlar com Alice? O sangue dela tinha um cheiro tão doce. Mesmo agora, a lembrança trouxe veneno à sua boca. Talvez ele a traria aqui. Seria maravilhoso vê-la ao sol. Ele tinha muito no que pensar enquanto correia no escuro da noite rumo ao norte para o hospício.

“Senti sua falta”, disse Alice pesadamente através da neblina das drogas. Sua fala estava lenta e difícil.”Você viu Jasper… quando foi lá… para o Sul? Ele estava lá?”

“Não, eu não o vi, mas vou continuar a procurar por ele.” Ele se perguntou novamente quem seria esse Jasper.

“Obrigada”, ela respirou e se afundou novamente em seu sono.

Ele tinha que tirá-la daqui logo. Ele não aguentava vê-la assim, então ele decidiu levá-la para fora na chuva da noite. Ele simplesmente quebrou a corrente em seu tornozelo e pegou seu pequeno corpo. Ela era tão frágil. Ele a levou para a próxima porta e correu para a chuva. O vento e a chuva pareciam acordá-la, e ela olhou para o céu escuro. A chuva em cabelos não lavados e em seu rosto fez seu aroma ainda mais forte, e o rosto dele estava tão perto de seu pescoço que ele quase perdeu o controle. Ele teve que colocá-la no chão e se afastar para respirar um pouco de ar limpo. Ela se sentou sobre a grama, de pernas cruzadas, e olhando diretamente para o céu para capturar a chuva e a prová-la em seus lábios. Ele a deixou sentada na chuva morna até que o sol estava quase nascendo. As nuvens estavam sumindo e ele NÃO poderia ficar lá fora à luz do sol. Ela parecia maravilhada pela luz crescente, e seu rosto estava perdido em inocente maravilha. Até onde ela sabia, aquele era seu primeiro nascer do sol. Ele relutantemente levou-a de volta e recolocou a corrente do tornozelo.

Na noite seguinte, ele se alimentou mais uma vez antes de vir para o trabalho. Ele tinha decidido o destino do jovem médico de cabelo oleoso enquanto estava no Texas, e seus dias estavam agora terminados. Algo em relação ao rapaz o havia incomodado, e as coisas que o incomodavam precisavam ser resolvidas, então ele tirou a vida do médico, sem tanto o que pensar.

Ele levou Alice para fora outra vez e correu com ela pela floresta que cercava o hospício. Ela ria enquanto o vento passava rapidamente por seu rosto. Ele tentou deixá-la andar um pouco em um campo aberto, mas ela só deu uns poucos passos até cair. Ela estendeu sua mão ,tocando os tufos de grama, e começou a rir. Parecia uma criança feliz com um brinquedo. O som fez o coração dele cantar. Ele decidiu bem ali naquele momento levá-la a Carlos para que ela fosse transformada. Ele não podia correr o risco de matá-la, e ele não podia deixá-la permanecer humana. Ele a deixou ficar sentada ali por tanto tempo quanto ele ousasse, em seguida ele a levantou e a levou de volta para o hospício. Ela riu durante todo o caminho até a cerca em torno do hospício, e seu riso fez o coração dele se iluminar. Ela o lembrava tanto de uma criança que ele começou a girá-la no meio da noite. Ela ria com alegria e ele se pegou rindo com ela. Foi nesse momento que ele sentiu o cheiro do predador escondido em algum lugar na floresta escura. No mesmo instante, Alice estava no chão a seus pés, e ele assumiu uma postura defensiva, rosnando alto.

“Você sempre brinca tanto com a sua comida?” A voz da escuridão à sua esquerda perguntou. Era uma voz fácil, muito suave e segura de si mesmo.”Ela cheira tão bem. Segui o cheiro por uma milha ou mais antes de encontrar você. Mal posso esperar para prová-la, você vai compartilhar?” Com isso, o jovem vampiro caminhou despreocupadamente para fora da floresta.

“Ela é minha”, Robert rosnou. Ele não gostou da audácia desse jovem. Ele estava confiante demais, e isso o fez se preocupar.

“Não seja egoísta, velhote. Eu só quero provar. Gosto de uma caçada, mas esta não será um grande desafio para mim. Apenas me deixe provar para ver se ela tem o gosto tão bom quanto seu cheiro”.

“Não. Não vou compartilhá-la. Eu não vou me alimentar dela, eu vou transformá-la. Escolhi esta jovem para ser minha companheira, e você NÃO IRÁ TOCÁ-LA.” Os gritos ecoaram nas paredes do hospício. O vampiro de fala calma apenas sorriu como se tivesse ganho um pequeno prêmio. Sem aviso, o mais jovem saltou em direção ao vampiro mais velho, e o encontro estrondoso soou como o disparo de um canhão. De novo e de novo o vampiro mais jovem saltava em direção à garota, mas Robert tinha lutado vezes demais antes. O jovem não conseguia passar por ele e ele rugiu em frustrada derrota. Robert olhou-o com cautela enquanto ele os circulou. De repente, o vampiro mais jovem relaxou e se endireitou.

“Relaxe, velhote. Não fique chateado. Vou deixar você em paz então”, e com isso, o jovem vampiro correu para a floresta. Não foi até depois que Robert ouviu os gritos dos homens se aproximando. Ele agarrou Alice, pulou sobre a cerca, e a colocou em sua cama dentro de um minuto.

Alice estava chorando em silêncio, mas os soluços foram rapidamente se transformando em gritos. Ela tinha visto demais, e Robert sabia que ele estava ficando sem tempo de ajudá-la. A noite estava quase no fim e um dia de sol estava prestes a começar. Ele sabia sem dúvida que o vampiro jovem nunca iria desistir de sua busca por ela. Ele queria o sangue dela, mas mais do que isso, ele queria que Robert perdesse. A única maneira de proteger a Alice era transformá-la ele próprio. Robert saiu correndo do prédio com os primeiros raios do sol, mas ficou perto do hospício para observar o jovem caçador que queria tanto a garota.

Naquela noite, Alice estava quase em estado de coma. Ele a havia encontrado em sua cela com várias novas e profundas queimaduras elétricas na cabeça. Ela havia sido muito perturbada pela luta, e os médicos em sua misericórdia distorcida decidiram que aquilo seria melhor do que seus gritos constantes.

Ele arrancou a corrente de seu tornozelo, acomodou-a em seus braços e saiu correndo do prédio tão rápido que ele teria sido um borrão se algum olho normal o tivesse visto. Ele correu por várias horas em um caminho evasivo, até que ele sabia que estava sem tempo, e então ele a colocou no chão quando estavam em uma floresta e a vários quilômetros de distância de qualquer ser humano. Ele havia pego o cheiro do outro vampiro várias vezes durante sua corrida, e ele sabia que não poderia ser mais veloz do que ele.

Ele havia matado quatro dos pacientes de modo que ele estava cheio de sangue, porque Carlos parecia pensar que este era um ponto-chave e ele esperava que isso fosse ajudar. Ele olhou para a menina que estava agora em uma posição fetal no chão.

Ela conseguiu abrir os olhos e olhar para ele. Ela estava apavorada. Mesmo com tudo o que os médicos tinham feito, o terror não a tinha deixado.

“Não, por favor, ” ela sussurrou. “Você disse que não iria. ” Ela viu isso? Era esse o terror dos seus gritos?

Isso não importa, ele disse a si mesmo.

O caçador estaria lá logo. Ele inclinou a cabeça dela para trás e enfiou seus dentes no pescoço dela. O gosto de seu sangue doce quase o derrubou. Em dois curtos segundos, ele bebeu várias longas porções. Ele percebeu que seu coração estava ficando fraco, e ele sabia que ele a estava matando. Ele sabia que naquela fração de momento que ele não fosse forte o bastante para se conter, ele seria a causa da morte dela, mas o gosto do sangue fez a morte dela valer à pena. Foi apenas o som e o cheiro do caçador que o fizeram parar. Ele olhou para cima, o sangue dela pingando de seus lábios, mas o coração dela ainda batendo fracamente. A outra figura parou a alguns metros de distância, com fúria negra nos olhos.

“Isso é irônico, ” Robert disse enquanto virava seu rosto para o caçador, “que você foi a pessoa que a salvou. ” Ele riu impiedosamente. “Eu na verdade não tinha a força para parar.” Ele podia vagamente ouvir o coração dela batendo, mas ele sabia que dentro de alguns minutos, seu coração iria fortalecer e a mudança seria irreversível. Tudo o que ele precisava era manter o outro longe até que a mudança estivesse muito avançada para ser impedida. O caçador teria que ir embora quando ele não pudesse mais matar sua vítima.

Robert sabia que isso era uma luta por sua vida, mas ele não se importava. Sua mente estava cheia de fúria que igualava à do jovem caçador, e ele iria aproveitar essa briga. Não haviam dúvidas para ele que esse jovem seria quem morreria essa noite. O impetuoso, confiante e convencido vampiro que quase arruinou seus planos iria queimar pelas próprias mãos de Robert.

A luta furiosa durou mais ou menos quarenta minutos. Os dois vampiros eram lutadores habilidosos, e cada um desejava tão ferozmente a morte do outro, que suas mentes não tinham outros pensamentos. Se algum humano estivesse por perto isso iria parecer que as entranhas do inferno tivessem sido abertas, e deixado sair dois dos seus piores demônios. Repetidamente, eles avançavam um ao outro, e o ar era rasgado pelos trovões de seus choques e pela intensidade de seus rosnados. No final, duas rochas foram despedaçadas, várias dúzias de árvores foram derrubadas e a terra foi profundamente marcada pela fúria deles. A luta dos dois deixou uma cicatriz permanente no solo. Cada vampiro, por sua vez, quase matou o outro, mas quando o fogo estava aceso sobre os pedaços de corpo, foi o mais jovem quem o acendeu. O caçador era mais habilidoso em uma briga como essa, e Roberto não podia lutar e proteger ao mesmo tempo. O esforço foi muito grande, e o vampiro jovem foi capaz, no final, de subir nas costas de Robert e arrancar a cabeça dele com seus afiados dentes.

O vampiro mais jovem correu até onde Alice estava deitada imóvel no chão. Ele tinha esperanças de que Robert tivesse ido longe demais, e que a garota estivesse morta. Ela não se moveu desde que Robert parou de se alimentar, então ele ficou surpreso quando ele ouviu uma forte batida de coração e sentiu o cheiro que a mudança tinha começado em seu corpo. O jovem vampiro gritou em fúria e jogou o corpo da garota à vários metros de distância em um amontoado de árvores. Ele então correu até ela e a agarrou para mexê-la. Ela não respondeu, ainda que seus olhos estivessem abertos.

O que está errado com ela? Ela deveria estar gritando e se contorcendo de dor. Como ela pode não sentir a queimação? Que tipo de aberração é ela? Ele se perguntou.

Ele a observou por várias horas enquanto o corpo de Robert queimava. Ela simplesmente olhava para as árvores com seus olhos que nada viam. Era como se ninguém estivesse no corpo para sentir qualquer dor.

Finalmente, quando a fúria diminuiu e o fogo se tornou frio, ele novamente agarrou a garota e a forçou a olhar para ele. “Eu sou James!” ele gritou várias e várias vezes, “Eu sou James, e você vai se lembrar de mim! Você está entendendo? Você vai se lembrar de mim!” Então ele a pegou e caminhou para dentro da floresta. Ele a deitou mais ou menos a uma milha de distância de onde a luta aconteceu e se escondeu para assistir em silêncio enquanto a recém-criada acordava sozinha.

1 comentários:

Bree Tanner disse...

JAMES? SABIA!

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