Singularity - Capítulo 04: Escolha

Eu tentei me esconder na floresta. Eu queria fugir dos humanos dos quais eu tinha me alimentado e longe do monstro de mim mesma. Eu odiava o que eu era, quem eu era, e o que tinha me colocado no caminho desses seres humanos.

Como eu poderia fazer essas coisas horríveis?

Não estava certo. Eu não estava certa. Eu poderia vê-los em minha mente e matá-los facilmente, mas eles não puderam defender-se de mim de forma alguma.

Fora minha memória, o conhecimento aleatório que me deu meu nome e os nomes mais simples das coisas que eu vi também me disse que outros não podiam ver o futuro. Eu não sabia se esse conhecimento estava correto, eu realmente não sabia de nada, exceto que eu mataria qualquer ser humano que cruzasse o meu caminho.

Eu me odiava.

Cheguei a uma pedra de um penhasco, e bati nela com todas as minhas forças.

Eu queria me machucar. Eu queria sentir a contrapartida física da dor emocional que estava me rasgando inteira. Eu queria destruir o que eu era, mas a pedra só desmoronou debaixo de mim.

De novo e de novo, eu bati nas rochas e nas árvores em minha volta, mas elas não podiam ficar de pé contra a fúria das minhas mãos. Eu fiz cicatrizes na terra, mas isso não me machucou em nada.

Eu só podia destruir. Eu não podia sequer me redimir através de penitência dolorosa. Havia uma coisa do mal que eu conhecia um diabo, e ele viveu em sua prisão atormentada chamada Inferno. Eu sabia disso como eu sabia as árvores, e eu também sabia que de alguma forma, eu era agora uma coisa enviada dos infernos, imparável e condenada.

A floresta terminou abruptamente em um longo trecho de estrada negra. As pessoas viajariam por essa estrada, e cedi ao alegre monstro que na verdade não tinha sede, mas nunca estava satisfeito. Caminhei lentamente pela estrada, esperando o inevitável porque não havia mais nada para eu fazer. Eu desisti de tentar.

Lentamente, fiquei consciente de que o dia estava ficando anormalmente escuro. Meus olhos notaram que o céu estava preto e verde com as nuvens se formando. Chuva. Isso significava que haveria chuva. Parei no meu caminho e dei as boas vindas a ela.

Ela veio de repente e feroz, uma torrente de chuva impulsionada por um vento forte. Fiquei com meu rosto virado para ela, palmas para fora, esperando lavar o sangue culpado do meu corpo. Eu podia sentir o cheiro do sangue enquanto ele ficava molhado e então era lavado por minhas pernas e se tornava perdido na estrada escura. Eu cheirava estranhamente limpa, embora eu não me sentisse assim.

De repente, sem aviso, toda a extensão escura iluminou-se com um raio dilacerante que explodiu uma árvore, há poucos metros de onde eu estava. O som do raio e a explosão varreram meu corpo com uma força que eu nunca tinha experimentado. Foi incrivelmente doloroso para meus ouvidos. Eu pulei, apavorada com o som e com a crença de que algo estava usando esse raio me matar. Eu gritava, mas eu não podia ouvir a minha voz sobre o barulho do raio que veio em seguida, raio que rasgou o céu em mil pedaços. Comecei a correr ao longo da estrada, em pânico, eu estava correndo do vingativo criador da tempestade.

Enquanto eu corria por ela, eu vi um grande prédio de tijolos à distância. Eu não parei para me preocupar onde os humanos estavam, eu só queria sair da chuva cheia de trovões. Pouco antes de entrar, a chuva se tornou fria, com pedras brancas. Quem havia enviado a tempestade, estava agora tentando me atingir com gelo.

“Pare com isso!” Eu gritava para o ar. “Pare!”

Eu corri através de uma grande janela no piso inferior do edifício escuro para me esconder da fúria da tempestade. Vi-me cercada por cacos de vidro no meio de um quarto brilhantemente decorado com cadeiras e mesas pequenas. O quarto tinha um cheiro de humanos tão forte que minha mente ficou nublada e de novo me agachei para caçar mesmo com meus outros sentidos me dizendo que o prédio estava vazio.

Eu andei silenciosamente pelos corredores do edifício, ouvindo e cheirando por qualquer sinal de outros, mas os únicos sons e cheiros vinham da tempestade lá fora. Cada quarto estava cheio de cadeiras ou mesas, e tinha fotos estranhas nas paredes. Muitas das fotos eram feitas simplesmente de linhas curvas que estranhamente giravam em torno do papel. De repente, minha mente sabia que essas eram letras e palavras, mas o conhecimento não me ajudava a compreender as frases.

Até o momento que eu tinha procurado em todos os três pisos do edifício, eu estava quase louca com o desejo de sangue. A única coisa que me impediu de caçar foi outro desejo crescente, um estranho. O rabiscado e as linhas onduladas prenderam minha atenção, minha mente tentou reconhecê-los. Era tão difícil, mas sabia que aquele triângulo era um “a”, porque o meu nome começava com ele.

Fui até uma grande parede negra, e peguei um pedaço de pedra branca, e a transformei em pó.

Giz.

Tentei novamente pegar o pequeno material empoeirado, mas mais uma vez virou pó em meus dedos.

Virando para o outro lado, vi um longo tubo e um pedaço de papel sobre uma mesa.

Lápis.

Eu o peguei e tentei escrever no papel, mas o lápis estilhaçou em mil pedaços enquanto cavava um buraco na mesa.

“Oh”, eu chorei em sinal de protesto,” pare! Pare de quebrar!”. Eu joguei a mesa na parede.

Muito delicadamente, eu levantei outro lápis, e, usando o mais leve toque, comecei a desenhar um perfeito “A” em outro pedaço de papel. Então, a minha mão passou a formar outras letras. A-L-I-C-E.

Esse era o meu nome. De repente, eu estava ancorada a este lugar. Eu tinha escrito uma vez o meu nome, e eu ainda sabia como.

Olhei para cima. As linhas na parede começaram a se formar em palavras. “A nossa classe”, e “Lista da Classe”, saltaram da parede. Então eu vi os nomes que de alguma maneira eu sabia: Jane, Eric, Mary, George, e Kate. Outros estavam lá, mas eu não os reconheci.

Corri ao primeiro andar, onde havia mais fotos, cadeiras menores, e palavras maiores. Ao longo do topo da sala, a parede inteira era forrada com letras. Comecei a dizê-las em ordem, pelo menos as que eu conhecia. Enquanto fazia isso, outra melodia tocou em minha cabeça, e de repente, eu estava cantando todas as letras da parede.

Perto da janela havia uma longa estante com vários livros muito bem colocados nela. Corri por eles e despedacei o primeiro livro que tentei abrir.

Suspirei pesadamente e com cuidado peguei outro frágil livro da prateleira e virei com cuidado cada fina página. As imagens mostravam claramente o que as palavras diziam. Isso me levou até o raiar do dia, mas eu era capaz de ler cada um dos livros na primeira sala de aula, e então fui para o segundo andar. A maioria destes livros não continha imagem nenhuma, mas eu pude entender a maioria das palavras. Um livro contava da vida na fazenda, e outro de uma grande guerra. Era difícil entender o que os livros estavam me dizendo, porque eu não compreendia a maioria das palavras, mas foi revigorante de ler, mesmo que eu não entendesse. Era um link maravilhoso para um mundo que eu tinha perdido.

Eu agora estava vivendo num mundo em que minha mente não me deixaria escapar. Eu estava recebendo imagens do que eu faria aqui. Não hoje, ou amanhã, mas em breve, as crianças estariam vindo. Talvez mais de centenas de crianças viriam a este lugar e eu iria assassiná-los. Eu queria fugir, para não matar, mas eu não tinha uma escolha. Este lugar estava carregado com o cheiro delas, e minha garganta estava queimando descontroladamente. A única coisa que me impedia de encontrar comida era o conhecimento que elas estavam vindo para mim.

Pelo meio da manhã, eu estava esperando pelas crianças e andando pelas salas do terceiro andar. Estas salas eram para as crianças mais velhas neste edifício que agora sabia que era uma escola. Em uma das paredes, havia grandes e escuras letras dizendo: “Nossas citações favoritas”, e trinta e dois pedaços pequenos de papel foram pregadas na parede abaixo delas. Estas crianças devem ser extremamente brilhantes, porque tinham muitos dizeres maravilhosos.

Uma das meninas, Emily Dickinson, escreveu: “Comportamento é o que um homem faz, não o que ele pensa, sente ou acredita. ”

Um menino, Ben Franklin, escreveu: “Um homem envolto em si mesmo se torna um pacote muito pequeno. ”

Eu ri. Eles eram deliciosos pacotes, mas realmente muito pequenos. Um nunca era o suficiente.

Um anônimo escreveu que,” Uma consciência culpada não precisa de acusador. “

Dois dos trinta e dois chamaram a minha atenção e queimaram meu coração.

“Sabemos o que somos, mas nós não sabemos o que possamos ser”, de William Shakespeare, e “O que está em nosso passado e o que está à nossa frente são coisas pequenas comparadas ao que está dentro de nós”, por Ralph Waldo Emerson prenderam minha completa atenção.

William estava errado, eu não sabia quem ou o que eu era. Talvez embora ainda não soubesse o que eu poderia ser também. Gostaria de saber sobre o que eu poderia ser, as escolhas que eu realmente tinha, e fiquei maravilhada com o que disse Ralph. Tudo que eu sabia do meu passado era o medo e a morte, mas o que estava dentro de mim? Eu tinha deixado uma família viver, mas matei todos os outros que eu tinha visto. Eu poderia me tornar algo melhor?

Eu poderia deixar este lugar?

De repente, minha visão de morte rodou e colidiu com outra visão, esta continha crianças felizes e professores sorrindo. Enquanto eu vacilava entre tentar sair e o desejo de ficar, eu fui de crianças felizes a corpos pálidos e pais destruídos. Eu podia ver os pais e mães lamentando sobre os corpos de seus filhos, e depois ver as crianças jogando bola em um campo.

Eu não faria isso.

Eu não sabia quem ou o que eu era, mas isso não importava.

Eu não sabia por que eu precisava matar, ou como parar a mim mesmo, mas isso não importava.

O que importava era que eu não seria um voraz e assassino monstro. O que importava é que eu era forte o suficiente para ser algo mais do que a morte.

O monstro gritou em protesto, e todo o meu corpo queimou com o desejo, mas guardei as duas visões definidas na minha cabeça enquanto eu caminhava para fora do edifício. Eu daria a estas crianças as suas vidas, eu era mais do que eu tenho sido. Isso tomou cada pedaço de força, e uma eternidade de força de vontade, mas finalmente saí do edifício assim que o sol se pôs. A visão da morte diminuiu, e eu fugi do que eu tinha sido.

Eu era Alice, e eu podia escolher.

O que estava dentro de mim era forte o suficiente para manter as crianças vivas, mas eu ainda precisava comer, e logo. Corri até que me deparei com um grupo de três homens cambaleando em um beco. Eu não queria matá-los, mas eu tinha que comer, e eles são melhores do que crianças. Assim que eu agachei para caçar, não houve visão de família ou de tristeza. Estes homens estavam sozinhos. Eu pulei sobre eles por trás de modo que eles não experimentassem tanto medo.

Os próximos quatro meses foram um experimento. Eu fiquei longe de qualquer lugar que iluminava o céu à noite, porque luz significa pessoas – muitas delas. Eu tentei ver o que o futuro poderia reserver. Tentei usar a visão para caçar quando eu precisava e manter tantas vidas quanto eu pudesse.

Funcionou bem para caçar, mas manter as pessoas vivas era difícil, porque uma vez que eu sentia o cheiro deles, era quase impossível parar a mim mesma. De qualquer jeito, eu gradualmente me tornei melhor em escolher as presas que estavam longe de qualquer outra pessoa.

Eu também tentei desesperadamente ver mais sobre o homem loiro de olhos tristes. Eu precisava ver o anônimo rapaz que tinha minha vida toda em suas mãos, mas imagens dele nunca vieram.

Eu tentei até ver o passado, mas sem sucesso. Minha memória limitada era como um grande abismo que me seguia em qualquer lugar que eu fosse.

Eu agora era melhor em usar as estranhas imagens para conseguir o que eu queria e ficar longe do que eu não queria. Descobri que se precisasse de alguma coisa, eu podia com freqüência ter uma visão que me ajudasse a encontrar o que fosse. A única necessidade que eu parecia ter era sede. Eu nunca estava fria ou quente, ou cansada, ou com dor – a não ser que eu estivesse com sede.

A única outra coisa em que minha visão tinha me ajudado foi a encontrar foram varais de roupas secando – a camisa simples de algodão e a calça que eu estava vestindo quando acordei eram nada mais do que trapos ensanguentados ao final da primeira semana de minha nova vida. Eu precisei de quase dezessete tentativas antes que pudesse me vestir com sucesso sem rasgar o fino material em pedaços, mas finalmente consegui me vestir em roupas feias e que não me serviam bem.

O que eu precisava eram respostas. O que eu precisava era saber quem, e o que eu era. O que eu precisava era um misterioso triste rapaz, cujo rosto eu não conseguia nem ver. O que eu precisava era de alguém que pudesse me reivindicar como sendo um deles, para que então eu não estivesse mais perdida.

Minhas visões não podiam me ajudar com isso.

1 comentários:

Miriam_vilela disse...

maravilhoso adorei esse capitulo Alice não sabe nada do seu passado; oque é ate bom porque sua vida humana foi horripilante; mas mesmo assim já sabia que Jasper é seu verdadeiro amor!

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