— Seth, para onde está me levando? Sabe como eu fico nervosa com surpresas... Ah! Seth tome cuidado! Meu dedão bateu em alguma coisa...
— Era só uma pedrinha Emily! Sem frescuras, OK?
— Mas não era o SEU dedão!
Meu amável primo, que me raptou logo após o jantar e me obrigou a usar um pano de procedência duvidosa como venda, estava me conduzindo pra fora da casa de meus tios a fim de me fazer uma surpresa como ele mesmo mencionou enquanto me convencia a ir com ele.
— Quero tirar essa coisa Seth! Ainda demora?
— Só mais um pouco... — ele me virou espetando as minhas costelas, fazendo-me encolher com as cócegas. Ele riu de mim: — Pronto! Tire a venda. — ele falou, quando paramos em um terreno plano e não muito distante de casa.
Encostada em uma grande e frondosa arvore de aparência antiga, estava uma delicada bicicleta de mulher, do tempo em que as bicicletas tinham cestinhas de metal com flores esculpidas e guidom em forma de U.
Alguém ainda tivera o cuidado de apanhar margaridas e encher a cestinha com elas deixando a cena parecida com um filme dos anos 50. Com certeza, Seth.
Virei-me para ele e o abracei jogando-o no chão com o impulso enquanto ele se debatia para que eu o largasse e eu o beijava como se ele fosse novamente o garotinho de sete anos a quem eu costumava servir de babá.
— Ai priminho! Ela é linda. Obrigada, obrigada...
— Emily, isso é nojento! Pare com isso, Emily!
Eu o soltei e ele fechou a cara para mim.
— Se eu soubesse que seria molestado, não teria restaurado ela! — Ele fez uma cara de traído que só aumentou a minha vontade de apertar-lhe as bochechas.
— Venha! Me de um abraço decente. Prometo-lhe não te derrubar dessa vez! — eu cruzei os dedos em frente da boca em sinal de jura. Ele veio até mim e se deixou abraçar. — Obrigada Seth. De verdade!
— Você merecia mais em... Que bom que gostou! — ele falou, se permitindo ser doce como alias sempre fora de sua natureza.
— Olha o assedio sexual! — Leah vinha saindo pela porta da cozinha que dava para os fundas da casa, onde nós encontrávamos.
Seth me largou fingindo que não concordava com o abraço, eu gargalhei e dei língua para ela. Lee parecia diferente. Mais feliz, eu diria, no mínimo.
Fiquei contente com a perspectiva de que os problemas dela estivessem se resolvendo. Ouvimos uma buzina vinda da frente da casa e eu percebi que Leah estava arrumada demais para tomar um café depois do jantar informal de sábado dos Clearwater.
Dei uma olhada cúmplice pra ela e seu sorriso cresceu enquanto ela balançava a cabeça afirmativamente. Então, ela tinha mesmo se acertado com Uley.
Caminhamos de volta a casa. Leah bem a nossa frente, preocupada em sair logo, de certo ansiosa para estar a sós e as boas com o namorado. Seth ficara ali pelos fundos mesmo, conversados com um garoto mais novo que chegara do terreno vizinho. Collin era seu nome, se eu bem me lembrava.
Ouvi a voz grave do rapaz, cumprimentando meus tios de um jeito amigável. Foi um tanto... Diferente. Não me lembrava de ele ter aquela voz tão firme e tão majestosa quando fui apresentada à ele um ano antes, em ocasião do aniversario de Leah.
Ainda na cozinha, a sensação me preenchia, um desejo de ir até a sala, cumprimentá-lo também, ouvi-lo mais de perto. Juntar a minha memória de um garoto comum com aquele traquejo novo que eu desconhecia. Será que eu acabara de achar Samuel Uley... Sexy? ... Apenas por ouvi-lo falando?
“Tome seus remédios, Emily Young, tome seus remédios!” - eu pensei.
Mesmo assim, já passava, instintivamente pelo portal que dava aceso à sala. No mesmo instante, Leah fechava a porta.
Ele se fora.
* * *
Deitei-me cedo para amanhecer o domingo. Numa cama de armar na sala já que minha situação se tornara um tanto permanente e eu não queria privar Leah do espaço de seu quarto que já era pequeno para ela e não nos comportaria as duas, com conforto.
Sei que Lee chegou muito tarde apenas porque acordei com o ranger da porta da frente e o som de suas risadinhas. Parecia que Uley estava fazendo-lhe cócegas antes que ela entrasse em casa, o que indicava que agora estava tudo bem entre eles.
Talvez bons tempos estivessem chegando, com o próximo ciclo da lua, já que essa era a ultima noite da minguante. Voltei para o meu sono. Não era um colchão cinco estrelas, mas estava bastante quentinho embaixo das cobertas que Tia Sue me cedera e eu nunca fui muito de frescuras mesmo.
Foi um sono turbulento. Dessa vez não tive meus pesadelos de sempre, mas não foi uma noite em branco, tão pouco. Não sabia se agradecia pelo novo padrão, ou se mais me preocupava com o sonho novo que me tomava a memória ainda fresco como se eu tivesse vivido ele, realmente.
Era um sonho com a casa que encontrei no fim da trilhazinha. Em sua maioria, não era nada como um pesadelo e parecia tudo tão certo que até senti paz, finalmente.
Nele, eu pintava a casa e um homem que não tinha rosto, mas que eu conhecia e amava, estava a me ajudar. Ele pedia para que eu cantasse para ele e eu o fazia e nós pintávamos. Tudo era tão cintilante e mágico.
Lee chegava até mim e eu sorria pra ela e estendia uma mão para que ela me ajudasse com a pintura, mas era aí que a coisa mudava; Ela se negava a me ajudar, ela só chorava baixinho, agoniada, e quando eu a abracei ela gritou comigo e tentou correr e ai explodiu, mas não desapareceu.
Em seu lugar um lobo cinzento surgiu com olhos sentidos e humanos que me acusavam. Era definitivamente o sonho mais inacreditável que já me acometeu.
Acordei tremendo, um barulho invadia meus ouvidos semi-bloqueados pelo sono e os gritos de pânico de meu pesadelo. Só depois de alguns segundos percebi que batiam à porta e que ninguém veio atender, o que certamente indicava que eu estava sozinha ali e teria que ir até a porta.
Como as batidas eram urgentes, não deu tempo pra lavar o rosto ou colocar algo mais apresentável do que o moletom velho e a blusinha rendada que eu usava pra dormir. Passei as mãos pelos cabelos os prendendo no elástico que deixava embaixo do travesseiro.
— Um segundo! — falei com voz rouca e macabra de recém acordada. As batidas pararam. Abri a porta olhando para frente com os olhos ainda cerrados pela claridade, enxergando percamente.
E então meus olhos se abriram assustados acompanhando os olhos do estranho que também saltaram de susto. Foi como uma descarga elétrica por meu corpo. Eu tremia.
Quem era aquele homem? E por que ele me olhava daquela forma?
Parecia um Deus, esguio e másculo, postado a minha frente com uma imponência arrasadora. Perdi-me em seus olhos pretos e ele se perdeu nos meus. Como se finalmente algo a muito perdido fosse encontrado, como se o tempo parasse e teias me ligassem a ele. Meu, só meu, familiar demais.
E ao mesmo tempo, como isso era possível se nem ao menos o conhecia?
Porque naquele momento eu jamais o reconheceria como Samuel Uley, o quase-noivo da minha prima e melhor amiga.
Ele era meu, meu estranho misterioso e perfeito.
Um sorriso se estendeu por meus lábios, pois foi o que aconteceu aos lábios dele. Nem ao pior dava conta do que fazia.
Devia estar uma montra com aquelas roupas e cara amassada, mas ele me deixava tão confiante, me olhava como se visse o sol pela primeira vez, como se visse o que havia por dentro do meu corpo, que era só uma casca inútil diante de todo aquele momento.
Nunca sustentei um olhar daqueles. Estava louca ou estava perdida? Eu estava apaixonada, a primeira vista. Mais clichê impossível!
Meu homem! Isso não parava de girar em minha mente me fazendo acreditar que realmente enlouquecera de vez. Seu homem nada, desequilibrado, é só um cara que bateu a porta da casa de sua tia. Controle-se e o receba com educação. Pergunte o que ele deseja.
Abri minha boca na maior dificuldade, tendo calafrios só em imaginar como seria sua voz.
— Você ME deseja? — Mais que droga era essa? Eu tinha perguntado se ele ME desejava?
— Sim. — Ele respondeu imediatamente, a voz firme com o peito musculoso arfando. Definitivamente um sonho.
E então, eu reconheci sua voz. A voz que eu já havia admirado. Uma voz que me atirou para o mundo real. Aquele ali em minha frente por quem eu estava nutrindo sentimentos estranhos e sem sentido não era MEU e nunca seria. Ele tinha dona, ele era da minha prima Leah. Uma das pessoas que mais amava na vida.
Abaixei minha cabeça. A vergonha e o horror me dominando. Mãos muito quentes e grandes acariciaram minha bochecha e me fizeram erguer novamente a cabeça, fitando-o nos olhos imprevisíveis e tão familiares que até doía.
— Por que ficou triste minha linda? — Havia tanta doçura que eu não pude me desvencilhar mesmo sabendo de quem se tratava. Continuava não entendo nada.
Leah, Leah... Minha mente gritava.
— Qual é o seu nome? — ele perguntou me encarando ainda sem descanso, parecia hipnotizado, sob o efeito de algum feitiço. Acreditei que ainda estava sonhando e resolvi não lutar contra todas aquelas forças que me lançavam para ele. Apenas não era real.
— Emily! — falei com uma determinação que não era minha. — Emily Young!
— Emily! — ele repetiu com adoração, o som de sua voz dizendo meu nome fez maravilhas comigo. Percebi que ele ainda mantinha uma mão em minha bochecha. Moveu seu polegar me acarinhando ali. Meneei minha cabeça para o lado, me aninhando perfeitamente em suas mãos. Tão perfeito. Nada mais me importava ou parecia fora de lugar.
E de repente tudo mudou. O homem balançou sua cabeça negativamente como se quisesse expulsar algo que lhe tomava. Seus olhos entraram em foco. Os cabelos que aparentavam estar crescendo de um corte irregular e severo se balançavam atormentados. Sua tez era lívida, suas mãos começaram a tremer.
— Emily Young, Emily... — ele repetia murmurando desconexo. Suas mãos se afastaram de mim com muita pressa. Ele se afastou de mim com muita pressa. A realidade me enchia na proporção em que parecia desperta-lo também – Você é a prima da Lee! – ele falou como se engasgasse violentamente.
Meu peito se comprimiu de tal forma que fui obrigada, pelo espasmo, a colocar minhas duas mãos ali. Sabia que estava fazendo uma sena na frente de Uley, mas isso não impediu as minhas lagrimas de travarem uma batalha ferrenha contra o meu ato-controle. Eu não chorava, eu simplesmente não chorava há muito tempo. Não poderia acontecer agora. Inaceitável. Os olhos dele se encheram de água também, parecia tão desolado quanto eu. Como era possível?
Enquanto eu poderia ouvir o “POR QUÊ?” e o “COMO?” que nossas mentes gritavam em conjunto, Lee apareceu toda descontraída com um saco de pão numa das mãos, logo atrás de seu... Doeu muito pensar na palavra namorado.
— Amor. — ela puxou pelo braço. Ele continuava imóvel, as mãos ainda tremiam regularmente.
— Ei Sam! — ela tentou de novo vindo parar a frente dele. Nem parecia ter me notado ali, grudada ao batente tentando não desmaiar e forçando ar nos meus pulmões espremidos com a angustia.
— Eu preciso ir! — ele ladrou seco e autoritário e virou-se em velocidade para passar pela pequena escadinha que dava na varanda.
Eu vi minha prima congelar com o tom de voz dele e franzir a testa em completa confusão enquanto eu experimentava um misto de alivio e desespero ao vê-lo partir.
— O que foi isso? — Ela perguntou com muita magoa, parecia estar pensando alto, já que se virou em seguida e disse. - Ahhh, que susto... Em, você estava aí?
Eu ainda não conseguia falar e estava perto demais do choro, então resolvi fazer mais ou menos como ele fizera e me afastei bem depressa me trancando no banheiro. Não acabou assim, Leah veio atrás. Bateu na porta.
— Emily, o que aconteceu aqui? — ela perguntava tentando ser gentil enquanto eu tentava chorar em silencio.
Fiquei muito tempo lá dentro até que ela desistiu de mim. Eu conversaria com ela depois, ou não conversaria nunca. Na verdade, precisava era sair dali nem que fosse para o inferno. O que deu em mim pra cobiçar o namorado de minha prima? O que deu nele para agir daquele jeito como se também me quisesse? E só em pensar que o certo era nunca mais olhá-lo nos olhos, meu peito voltava a se incendiar, como se eu me afogasse com oxigênio.
Tomei um banho frio já que só lavar o meu rosto não me deixou esquecer o toque ardente dele. Tão quente que ele deveria estar doente. Ninguém saudável tinha uma temperatura daquelas. Comecei a me preocupar com sua saúde e me penitenciei por isso. Eu ia esquecê-lo. Era só esquecer ele e evitá-lo. Eu não precisava abrir mão da quase paz que conseguira aqui. Evitá-lo e me desculpar com a Lee por ter dado uma de louca psicótica e corrido para o banheiro.
* * *
Respirei mais aliviada na segunda feira quando fui para a loja com a Tia Sue e tudo parecia estar indo bem. Leah pareceu aceitar bem a minha desculpa de que tivera um pesadelo e acordara perturbada e então atendera a porta e foi ai que ela chegou.
Estava indo de bicicleta, para fazer o almoço de Seth, quando Samuel Uley surgiu em minha frente, onde há um instante atrás eu só via mato e eu brequei desajeitada, quase despencando com a bicicleta por cima de mim.
Ele veio e me amparou para que eu não caísse. Em movimentos muito fluidos para sua altura e com uma agilidade atlética. Eu devo ter ficado roxa de vergonha enquanto pregava meus olhos no abdômen todo definido dele, que estava só com uma ínfima bermuda rasgada.
— Olá — ele me cumprimentou co um sorriso enquanto eu fazia um grande esforço para não dar bandeira de como ele me afetava.
— AH, oi. — eu disse embaraçada.
— Eu posso te acompanhar? — ele perguntou olhando fundo nos meus olhos, de onde não desviara o olhar desde que me abordou. Queria que ele não me olhasse daquele jeito. Já ia falando um “Sim” todo bobo e alegrinho quando a imagem de Leah me veio à cabeça. Isso seria estranho, no mínimo.
— Acho melhor não. — Disse de cabeça baixa, sem coragem de negá-lo e olhá-lo nos olhos ao mesmo tempo.
— Claro. —sua voz era desolada, eu não agüentei e voltei a fita-lo.
— É que... Eu estou indo fazer o almoço, sabe. Já to quase chegando e ficarei ocupada, não seria nada divertido pra você... Ir comigo. – tentei remediar, emendando uma coisa na outra. Ele olhou pra mim de um jeito doce e parecia muito feliz por eu ter tentado me justificar.
— Eu a vejo numa outra hora então. — Ele parecia relutante em se afastar de mim. — Até logo, Emily. — Falou com tanta convicção que soou mais como um decreto ou uma promessa. Segurei-me para não demonstrar o quanto fiquei feliz com a possibilidade de vê-lo de novo.
Ele entrou na floresta, o que não era muito lógico, já que havia apenas um caminho naquela trilha e era a mesma em que eu estava.
Cheguei a tempo de encontrar minha prima de saída.
— Vou à Port Angels, Emily, avise minha mãe se ela perguntar. — Ela disse toda seca e distante e eu me preocupei se estava tudo bem com ela.
A imagem de Samuel me veio à cabeça e o pânico de eles estarem brigando de novo me invadiu. E se fosse eu a culpada dessa vez? Então percebi a loucura que me acometia de imaginar que ele estivesse realmente interessado em mim quando tinha Leah, muito mais interessante e bonita e sua namorada, há tantos anos.
— Boa viagem. — eu disse tentando sorrir para ela, sem muito sucesso. Ela não respondeu e entrou no carro.
Seth estava no sofá jogando vídeo game sozinho.
— E aí, Em, vai uma partida? — ele ofereceu sorrindo pra mim, convincente.
— Não posso, eu preciso te alimentar. —falei enquanto bagunçava seus cabelos.
—Se é por isso então retiro o convite, sua comida é muito boa prima e eu estou faminto. — ele disse todo serio.
Dei um peteleco na cabeça dele que resmungou um pouco e fui para a cozinha, me focando no trabalho para não devanear a respeito do turbilhão de novas coisas que me abatiam. Como uma vida pode mudar em um fim de semana? Eu realmente achava que não encontraria nada por aqui quando entrei naquele ônibus?
Estava tão enganada.
5 comentários:
"... me olhava como se visse o sol pela primeira vez..." Que bonito... poético, a autora escreve muito bem!
Realmente compreender um imprinting não deve ser fácil para nenhum dos envolvidos... para Leah então... uma dor enorme!
Coitada da Leah.
deve ser uma sensação horrivel saber que a prima e melhor amiga esta apaixona pelo o seu noivo.
Coitada da Leah.
deve ser uma sensação horrivel saber que a prima e melhor amiga esta apaixona pelo o seu noivo.
MUITO LINDO!
Poético... P.E.R.F.E.I.T.O!
Coitada da Leah ... a autora escreve bem.
Parabéns!
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