O frio e o escuro me pareceram agouros de morte quando aos poucos fui recobrando a consciência.
A princípio, meus olhos pesados e minha boca seca eram tudo o que sentia, mas logo fui tomando nota de outras sensações, como uma ardência característica de cortes recém costurados e uma pressão inconveniente em quase todos os músculos de meu corpo.
Com um traço de pânico reconheci onde a ardência estava alojada. Meu rosto despertou dolorido e ofeguei tomada por medo quando meu olho direito não quis abrir. Imediatamente repuxei meus lábios em uma careta e os senti protestar, também.
Uma mão afagou meus cabelos e eu me esforcei um pouco mais para enxergar. Luzes brancas machucaram minhas pupilas e ficou obvio que eu estava deitada em um quarto genérico de hospital.
— Oi querida! — minha Tia Sue me olhava e sua voz estava embargada como se ela estivesse prestes a chorar. Tinha um sorriso tão grande que eu me perguntei, realmente o quão perto eu estive de morrer.
— O que... — eu tentei perguntar sobre como cheguei ali, mas ela me impediu vendo que minha voz não era nada alem de um grunhido de agonia.
— Não tente falar... Em, os machucados ainda são recentes demais e você pode abrir os pontos se fizer muito esforço.
A voz de Tia Sue parecia calma, mas eu detectei a ponta de histeria que guiava seu discurso.
— Você precisa descansar meu bem! — ela continuava dizendo enquanto arrumava meus travesseiros compulsivamente, tentando me acomodar melhor. — Vou avisar Sam que você acordou. O pobre garoto não come e não dorme desde que te trouxe e vai fazer bem a ele ver que você parece bem melhor. — tagarelou.
Quando a Tia disse o nome dele a lembrança do grande mostro negro me atacando na floresta me atingiu como num flash. Senti que algumas lágrimas caiam e pinicavam as feridas em minha carne.
— Ohhh, querida. — minha tia afagou minha bochecha esquerda com cuidado. — Agora está tudo bem, o pior já passou. — ela me afagava repetidamente. — Se não fosse Sam te encontrar a tempo e te trazer pro hospital, talvez aquele urso... — ela parou de falar. – Não quero nem pensar nisso! — exclamou.
Ela falou de um urso... Pareciam já ter arrumado uma explicação para meus machucados e, sinceramente, eu ficava feliz de não precisar inventar eu mesma alguma desculpa.
Não me importava de Sam ter encoberto a si mesmo com a história do urso, mantendo seu segredo sobrenatural. Isso também me indicava que ele estava bem, já que minha tia estava ansiosa em dar noticias a ele me afirmando que ele ficara ali o tempo todo enquanto eu dormia.
Quis ter forças para me levantar e dizer que o perdoava antes de qualquer outra coisa. Dizer que ele tentou me afastar, e eu, enlouquecida pelo medo de perdê-lo me agarrei nele sabendo o perigo que corria. Sabia que meu amor não me apunhalou por que decidiu fazê-lo.
A última coisa de que me lembro claramente antes que a dor me cegasse, foi ouvir aquele uivo humano demais, agoniado e louco pelo que me tinha feito. A dor dele me fazia sofrer e eu precisava encontrá-lo o quanto antes para aliviar esse peso de seus ombros.
Precisava mesmo vê-lo.
— Sam... — eu chamei implorando.
Minha Tia não me entendeu e eu devia ter parecido bem transtornada já que ela chamou imediatamente a enfermeira e eu só a ouvi dizendo que estava preocupada com minha agitação e a mulher mexeu em um dos muitos fios conectados ao meu corpo.
Depois disso, dormi outra vez.
* * *
Na segunda vez que acordei já estava mais calma e menos confusa, me lembrava de tudo. Sabia que não era só um pesadelo e estava lidando bem com a situação, afinal, estar em uma cama de hospital era melhor do que estar a sete palmos da terra e minha Tia mesmo havia deixado claro que eu passara bem perto do pior.
Uma enfermeira loira e gorducha veio trazendo uma bandeja de comida pouco tempo depois de eu fitar o quarto e encontrá-lo vazio a não ser por mim mesma.
— Bom dia, dorminhoca! — a mulher disse maternalmente. —Vamos tentar comer um pouco hoje? – perguntou enquanto apoiava a bandeja e mexia na cama para me colocar sentada.
Passei as mãos em meu rosto e notei que haviam enfaixado o lado direito. Achei curioso, mas não me foquei nisso.
— Tem um moço muito bonito morando nas cadeiras da recepção desde que você chegou... — a enfermeira gracejou enquanto empurrava a bandeja sobre o suporte da cama de onde eu devia comer. — Ele ficou muito tempo esperando você acordar, mas não quis entrar quando eu falei que poderia... — a mulher franziu um pouco a testa. – Acho que ele é tímido. — concluiu.
As palavras dela surtiram um efeito imediato em mim. Sam não queria me ver. Ele se preocupava e com certeza estava se culpando, mas não queria me ver e aquilo de repente me fez perceber que talvez o pior não tivesse passado como Tia Sue disse antes. Talvez ainda houvesse alguns sustos a tomar. Pensei no rosto enfaixado imediatamente.
— Por que enfaixaram meu rosto? — eu perguntei, falando com clareza mesmo que isso fizesse doer.
A enfermeira ficou branca e desviou o olhar me perguntando se eu preferia gelatina de morango ou limão, pois ela trouxera os dois. Estava desconversando e eu não era burra.
— Por que me enfaixaram? — eu voltei a perguntar mais exigente fitando-a com medo e reprovação.
— Querida, eu não acho que deva...
Mas eu já estava arrancando aquelas faixas com minhas próprias mãos e sentindo a pele arder por baixo dos curativos.
— Não faça isso, criança, não... — a enfermeira tentou me impedir, mas era tarde.
Eu olhei pra baixo no mesmo momento em que ela tentava me desvencilhar de meus propósitos e a bandeja de comida era feita de alumínio.
Aquela não era eu.
No reflexo pouco já era gritante a diferença entre meu rosto de antes e... Aquilo.
Comecei a chorar de desespero enquanto meu novo rosto inchado, roxo e mutilado ficava evidente para mim. Uma onda de pavor me tomando enquanto um redemoinho de diferentes pensamentos se instaurava. Senti raiva, senti inveja e senti dor, mas não era só a dor da carne. Era como uma dor do espírito.
Meu choro crescia e eu soluçava e nada que a pobre enfermeira fizesse me consolaria até que a porta se abriu e ele entrou a passos largos ignorando a mulher e me tomando no abraço quente e seguro, tão familiar.
Ele chorava quase tanto quanto eu.
Sam tinha olheiras muito negras na pele vermelha e parecia mais magro também. Como um homem que havia sofrido dias sem água em pleno deserto. Mas nada era pior do que o horror em seus olhos quando ele me tomou nos braços e chorou no meu ouvido um lamento de desculpas mal pronunciadas.
Nem percebi quando a enfermeira se retirou e me deixou com ele e, de repente, eu não estava mais sofrendo por minha face arruinada. Eu estava consolando aquele homem enorme que se entregava como um garotinho nos braços de sua mãe e me clamava perdão como o maior dos pecadores.
— Shi... — eu disse tomando seus cabelos em um carinho. – Shiii, meu amor. Eu te perdôo... È claro que eu perdôo... Esqueça isso!
Mas ele não esqueceu. E eu duvidei de que um dia ele fosse esquecer.
Naquele momento, ao menos, ele cedeu aos meus afagos e se acalmou e quando eu perguntei por que não me visitara antes ele escondeu seu rosto nas mãos envergonhado e disse que não teve coragem de me olhar cara a cara porque acreditou que eu fosse repudiar ele pra sempre, coisa que eu prometi que nunca faria e isso não era nada mais que a verdade.
Porque quando você ama alguém... Quando você realmente AMA, há muita pouca coisa que você não possa perdoar.
* * *
Dias depois eu já estava agoniada de permanecer naquele hospital e evitava qualquer superfície plana e reflexiva que me pudesse trazer imagens que, por enquanto, estavam melhores, soterradas no meu inconsciente.
Sam continuou muito deprimido e era difícil convencê-lo de que eu estava bem. Tão difícil que eu me acostumei realmente a me sentir melhor com tudo aquilo para que ele visse verdade suficiente em meus olhos. Ao ajudar ele eu me ajudei. Tudo o que eu realmente queria agora era ir pra casa.
Encostei a cabeça no travesseiro e fechei os olhos sentindo aquele cheiro de limpeza e medicação, típicos de hospital.
Ouvi a porta bater, mas continuei de olhos fechados. Alguém se aproximou e eu pensei que era alguma das enfermeiras então resolvi fingir que cochilava, mas a pessoa soltou um gritinho de pânico e começou a chorar baixinho e eu reconheci aquele choro abrindo meus olhos instantaneamente.
Minha prima Leah me olhava aturdida e quando viu que eu a fitava, desperta, sua face se contorceu ainda mais.
— Lee... — eu tentei falar com ela, mas não adiantou nada.
Num segundo Leah estava ali contemplando meus machucados grotescos e parecendo sentir uma enorme pena e no outro já havia corrido como se houvesse alguém em seu encalço.
Sam passou pela porta como quem acabou de levar um encontrão e eu acreditei que esbarrara nela, no corredor do hospital.
— Aquela era Leah! – não foi uma pergunta.
—Acho que ela veio ver com os próprios olhos o que eu recebi por fazê-la sofrer tanto. — eu falei sem pensar.
E imediatamente me arrependi quando vi meu Sam perder a cor e me lançar um olhar morto, o mesmo que me lançara quando pediu perdão pela primeira vez.
— Você sabe que falei por falar... — tentei remediar.
— Eu nunca vou me perdoar, Emily. — disse. — Acho justo sofrer um terço do que você deve estar passando. — completou taciturno.
— Quem disse que estou sofrendo? — falei tentando ao máximo sorrir de forma natural mesmo que um lado de minha boca se recusasse a fazê-lo. — Vou ter de aprender a pentear o cabelo de lado, nada de mais. — dei de ombros.
E mesmo assim eu sabia que não o convenci, mas fiquei verdadeiramente alegre quando soube que Sam viera para me dizer que eu recebera alta e nós estávamos indo embora, não se esquecendo de mencionar que ele tinha uma surpresa para mim.
* * *
— Sam, onde é que você está me levando? — eu perguntei curiosa enquanto ele me carregava no colo. Pelas minhas contas já estávamos bem distantes do carro a essa altura.
— Se eu disser não seria uma surpresa Emily. Agüente só mais um pouco. — pediu.
Eu bufei como uma criança mimada e ele apenas riu.
Minha chegada à casa do velho Sr. Quil Ateara foi bem movimentada já que o conselho todo estava a minha espera, bem como meu primo Seth que ainda acreditava na historia do urso e o amigo de Sam, Jared, que junto com a minha Tia Sue compunham o núcleo de pessoas sensibilizadas pelo meu infortunado ataque por animal selvagem. Eu não vi Leah e não acreditei que a veria desde sua saída repentina do hospital. Talvez estivesse se culpando por ter me desejado mal, ou talvez estivesse comemorando a minha desgraça. Eu realmente, não fazia idéia.
Em todo o tempo eu evitei pensar no meu rosto e no meu novo reflexo no espelho porque isso me deprimia e transtornava Sam de tal forma que me corroia o coração bem mais vê-lo daquela forma do que assumir que eu me parecia agora muito mais com uma vilã de desenho animado.
— Vamos lá Em, abra os olhos! — ele sussurrou no meu ouvido mandando um caloroso arrepio por minha espinha.
Eu certamente não estava preparada para isso, bem mais do que não estava preparada para tudo que me aconteceu desde que cheguei em La Push.
À minha frente, a casinha que descobri nas minhas primeiras andanças por aqui, estava completamente mudada e reformada. Fora pintada de amarelo e branco, com as tabuas de madeira avermelhada cheias de um verniz brilhante. Havia agora um enorme portal que conduzia para o seu interior, diretamente da varanda que ganhara altura e largura tornando-se um recanto ideal, cheio de flores em pequenos vasos.
Meus olhos se encheram de lagrimas de alegria e admiração e eu nem podia acreditar que aquela ali era a minha casa. Tão cuidadosamente planejada, parecia ter saído diretamente de dentro de um dos meus sonhos.
— Sam, você... — eu nem tinha palavras, mas precisava agradecê-lo por se lembrar de cada mínima coisa que eu tinha lhe contado que faria ali e das quais ele não esqueceu, obviamente.
— Todos ajudaram... Sua Tia trouxe as flores e cortinas. Praticamente todos os caras da reserva fizeram um mutirão para terminar os cômodos que faltavam. – ele explicou sem jeito perante a minha inércia. – Billy Black e o filho lhe fizeram armários entalhados, ficou muito bonito, vamos entrar! – ele me segurou pelo braço me guiando porque eu estava com as pernas definitivamente bambas e isso já não tinha nada haver com meu acidente.
Os móveis eram simples e eu reconheci a mesa que minha Tia mantinha na garagem com uma perna quebrada e que agora estava de pé outra vez, mas nada teria pagado o cuidado com que eles eram dispostos e eu vi os armários de que Sam falara com os olhos ainda mais arregalados do que vira a fachada de minha casa. - “MINHA CASA” - essa verdade reverberava em minha mente fazendo-me tão feliz que não havia lugar pra mais nada.
Enquanto Sam me levava para conhecer o resto, já que muita coisa havia mudado, eu ficava olhando seu rosto leve e despreocupado a cada vez que eu pirava com um novo aspecto da reforma, ele parecia ganhar ainda mais vida.
E foi no seu sorriso, sempre em sincronia com o meu, que entendi onde realmente eu chegara em minha vida. Eu estava definindo as linhas do meu “pra sempre”.
Acredito que todos, somos capazes de perceber quando chegamos a esse nível: Quando conhecemos um oficio que vai nos acompanhar até o final, ou quando conhecemos um amigo que nos será caro pelos anos a fio e mesmo nas raras e maravilhosas ocasiões onde encontramos o homem a quem pertenceremos até que nossa ultima respiração seja ouvida.
Meu coração e minha mente, em conjunto, aceitavam o meu destino. Eles reconheciam Samuel Uley como à outra metade do meu todo e eu percebi que magoas poderiam ser transpostas e que dificuldades serviram para nos unir ainda mais, e, quando ele parou de frente ao maior dos três quartos ,e ele ficou sem graça ao dizer que aquele era o “nosso” quarto, eu realmente não me importei com meus machucados ainda recentes e com minha nova aparência de vilã e me joguei nele com tudo, agarrando sua nuca e fazendo com que me beijasse com tanta vontade quanto eu o beijava.
Separamo-nos ofegantes, e, Sam me olhou com olhos negros profundos e compenetrados.
—Eu lhe juro Emily, que eu vou amar você, viver por você e cuidar de você até as minhas ultimas forças se esvaírem e eu nunca mais irei machucá-la seja aqui – e ele colocou a palma da mão onde batia o meu frenético coração. – ou em qualquer outro lugar! – ele segurou minhas bochechas com carinho e plantou um beijo tímido em minhas cicatrizes.
Eu olhei pra ele com a mesma devoção apaixonada e também prometi.
— Eu lhe juro Samuel, que vou amar você, vou viver por você e vou cuidar de você até as minhas últimas forças se esvaírem e eu prometo nuca mais te esconder nada e nunca mais duvidar de que nós somos certos, juntos!
E foi a vez dele ignorar tudo e me beijar com carinho e com cuidado, mas apertando a minha cintura com a mesma fome que sempre marcou os nossos beijos.
* * *
Três meses depois de eu me mudar para o fim da trilha, na pequena casa que agora era conhecida em toda a reserva como a casa de Emily Young, tudo parecia estar, não igual, mas melhor.
Sam me confidenciara que, assim que soube que eu estava fora de perigo, foi até Julian e cuidou dele assegurando-se de que nunca mais esse fantasma voltaria a nos assombrar.
Ele me jurou que não fez nada realmente grave e nem de perto tão grave quanto teria gostado de fazer e eu fiquei mesmo agradecida por ter me livrado desse horror que me perseguira por tanto tempo.
As pessoas que antes me apontavam na rua e falavam mal de mim por ter roubado o noivo de minha prima, não mais tinham coragem de julgar a pobre garota que fora atacada pelo urso e agora tinha metade do rosto desfigurado.
E eu não me importava tanto assim com a pena alheia quando eles estavam finalmente me deixando em paz. Claro, uma pessoa ainda não me perdoara.
Leah não mais me envergonhava em publico e não mais me intimidava, contudo, fingia agora que eu simplesmente não existia e não sei se preferia sua total indiferença à sua raiva.
Não podia tirar-lhe a razão mesmo que eu já estivesse em paz com minha escolha e eu escolhera Sam, definitivamente.
Minha mãe e minha irmã me visitaram algumas vezes e também acreditaram facilmente na história do acidente com o urso. Elas ficaram totalmente encantadas com Sam, com a casa e com a minha nova popularidade entre os conselheiros Quileute.
Tirei as batatas do forno e acrescentei um pouco de azeite de oliva. O cheiro parecia confirmar que a receita fora feita com sucesso.
Sam passou pela porta da cozinha no mesmo instante em que eu colocava seu prato a mesa. Ele parecia ter desenvolvido um radar especial para a hora do almoço e sua mãe já queria minha cabeça em uma lança por eu manter o filho dela longe de casa em cada uma das refeições e na maioria das noites, também.
— A minha mulher é a melhor! — ele falou enquanto comia a quinta batata recheada e olha que eu tinha comprado só as maiores.
— Namorada Sam, namorada... — eu corrigi. — Não estamos no tempo das cavernas! — disse.
Sam gargalhou e comeu mais um pouco. Eu ficava feliz que ele gostasse tanto da minha comida já que cozinhar, pra mim, era um roby e um gosto.
—Sabe que me caso com você assim que você me aceitar! — ele retrucou. — Não é como se eu já não tivesse pedido.
Eu fiz careta porque ele realmente já me aparecera com um lindo anel trançado cuidadosamente à mão como mandava a tradição Quileute. Eu disse sim, é claro, mas fiz ele prometer que não iríamos nos precipitar porque Leah ainda me preocupava.
Ainda estava em minha mente o sofrimento que vi em seus olhos quando ele terminou com ela, na noite em que a ouvi chorar agoniada enquanto eu ainda me corroia em culpa por amá-lo.
E foi nesse compasso que levávamos nossa vida. Os meses viraram bimestres, semestres, anos...
O bando cresceu. Primeiro com Jared e depois Paul. Sam estava sempre preocupado com os garotos tentando dar a eles toda a ajuda que ele não teve no início de sua transformação.
Eu tentava ajudá-lo como podia. Sempre com uma comida quentinha a mão, alguns pontos em uma bermuda puída, ou mesmo um lugar pra eles tirarem uma soneca entre uma ronda e outra.
Era magnífico cuidar de todos eles, como se fossem meus filhos grandes demais e sempre que meu Sam passava pela porta da cozinha, mesmo que estivesse cansado e com seus olhos caídos eu via o meu sol brilhar acima das nuvens da Olympic e eu tinha certeza de que sentia muito por Leah e sentia muito pelo jeito que o destino nos guiou, mas não conseguia sentir muito por tudo o que eu tinha. Eu era agradecida.
Nesse meio tempo eu compunha e cuidava de casa. Depois de lutar muito contra Sam eu acabei desistindo e deixando com que ele arcasse com as despesas, afinal, meu pouco dinheiro de economia já havia acabado há muito tempo e eu não tocara no bar em Port Angels desde o acidente.
Já fazia dois anos que estávamos juntos, era uma tarde bonita, tranqüila até, quando Sam passou pela porta parecendo outro homem. Branco como papel e completamente concentrado.
Fiquei com medo do que poderia acontecer já que eles estavam caçando uma fria ruiva que matara em Olympic e que já lhes fugira varias vezes.
Comecei a formar quadros mentais horríveis enquanto considerava cada um dos garotos e o que poderia ter lhes acontecido de tão ruim, mas Sam olhou na minha direção e entendendo meu pânico mexeu a cabeça negativamente como se pudesse ler o que eu estava pensando e quisesse me tranqüilizar.
Pensei então em Jacob Black, que havia entrado para o bando mais recentemente trazendo alguns problemas quando revelara o segredo à Bella, filha do Chefe Swan e ex-namorada de um daqueles frios que não tomavam sangue humano, os Cullen, com quem nós tínhamos um pacto de não-agressão mutua.
Mas isso já estava remediado e a garota se provou de confiança. Os lobos não eram a única coisa sobrenatural que ela conhecia.
Perdi-me em um mar de curiosidade e esperei que ele se recuperasse para me contar, o que levou um bom tempo. Sentei-me a seu lado no sofá onde ele tinha as mãos na cabeça e olhava pra baixo.
— Leah sabe de tudo! — foi o que ele disse apático, sem introduzir o assunto. Fiquei calada esperando o resto. Eu acreditava que seria algo como: “Um dos garotos conseguiu burlar a injunção e contou a ela” ou no máximo, “ Ela descobriu sozinha”.
Porque desde a morte recente de meu Tio Harry, devido a um enfarto, Leah tinha estado mais arredia e desconfiada do que nunca e fazia cada vez muitas perguntas sobre “A turma de Sam Uley” alegando que seu pai vivia de conversa com Sam antes de morrer e ele sempre parecia mais preocupado e mais tenso depois dessas reuniões.
O que, claro, se devia ao fato de os lobos estarem saindo em missão atrás da tal fria perigosa, que acabaram descobrindo, queria a cabeça de Bella Swan em uma bandeja por uma vingança contra o Cullen, ex-namorado da garota que nem estava morando mais por aqui. Uma confusão total.
E tudo aquilo me arrepiava de pavor, mas eu tentava não dar nenhum escândalo e não fazer nenhum piti porque sabia que Sam cuidaria de mim antes mesmo de cuidar de seu bando e não era justo com os meninos, já que ele tinha responsabilidades como alfa.
Mas ele não confirmou nenhuma das minhas duas pobres suposições quando em uma respiração só disse:
— Ela se transformou, Emily! Leah agora é um de nós.
E eu abri tanto a minha boca que fiquei com medo de que ela não se fechasse mais.
Leah fala...
Não eram só os meus músculos, meus sentimentos e minha cabeça que doíam. Era meu orgulho, minha feminilidade e toda a minha esperança no futuro.
Eu era um monstro, uma aberração. E ainda por cima eu era rara, a única na historia. A primeira loba Quileute, como se eu quisesse essa grande honra.
Sam podia ficar com ela, meu inocente e impressionável irmão podia ficar com ela e todos aqueles garotos idiotas da reserva que agora me olhavam em pânico enquanto eu voltava ao normal, nua em pelo sem poder me esconder, me defender dos olhares curiosos. Naquele chão cheio de folhas com toda aquela informação invadindo minha consciência. Toda a verdade por traz da traição de Sam, dos estranhos fenômenos ligados à sua turma e ainda, mesmo que indiretamente, os problemas por traz do enfarte de meu pai.
Acho que preferia não saber, preferia não existir e não conseguia pensar nada com clareza. IMPRINTING... Foi onde meus pensamentos me levaram assim que adquiri uma mínima coerência. No fim, parece que Sam não teve realmente uma escolha ao me deixar. Ele precisou fazê-lo assim como agora precisamos perseguir essa fria que está na mente de todos eles, que está matando em nossas terras. Mas, espera aí... Eu disse PRECISAMOS? Precisamos coisa nenhuma. ELES precisam e eu tenho é que arrumar uma maneira de sumir, fugir disso e retomar a minha dignidade que era tudo o que eu tinha antes, e que além de todo resto, me foi tirado à força. Uma imagem tinha ficado gravada em mim assim que consegui me por de pé. Era um anel de noivado, trançado a mão como mandava a mais antiga tradição Quileute. E aquele anel nunca seria meu. Sam tentou me emprestar uma bermuda, mas eu recusei e me neguei a chorar na frente de todos aqueles idiotas, que tentavam sem sucesso não me secar enquanto eu abraçava os seios e espremia as pernas. Emily, ela fora a escolhida. A ela foi dada toda a vida que eu queria para mim. Uma vida que eu tinha até ela me tomar e agora descubro que ela realmente não planejou nada. Não seduziu meu namorado em minhas costas. Não flertou com ele enquanto me consolava. Ela apenas não resistiu a um homem que lhe jurou amor eterno... Não interessa, eu a odiava mesmo assim. E nunca iria perdoá-la por me fazer sentir assim tão pequena e incapaz e tão errada. Por querer ser como ela para não ser assim como eu. Mas havia uma coisa que eu faria para meu próprio bem e isso era ter uma conversa bem franca com minha prima para mandá-la enfiar sua pena onde o sol não bate e se casar logo com aquele estrupício do Uley, já que ficou bem obvio pelos pensamentos dele que apenas a pobre Leah os detinha.
Passado o choque inicial ao saber que minha prima agora era uma mulher-lobo, eu tive outras coisas bem mais banais com que me preocupar. Afinal, Leah era linda e tinha aquele corpo esguio e magnífico que só manequins de passarela conseguiam manter enquanto eu ficava com meus quadris largos e minha altura medíocre. Ela não iria envelhecer enquanto eu já achava que meus vinte anos me fazia parecer bem mais velha do que deveriam.
Era óbvio para mim que nenhum homem ficaria imune ao charme de minha prima se ela decidisse investir duro nisso e toda aquela coisa de bando, nenhuma roupa e pensamentos em comum me tirou o sono varias vezes enquanto eu questionava o quanto o imprinting teria sido crucial para meu amor acontecer e o quanto Sam de fato me pertencia, por mim mesma e não por aquela velha injunção de lobos.
Eu estava sentada na varanda dedilhando meu violão quando vi uma sombra se aproximar e percebi ser um dos garotos. Já ia me levantando e oferecendo alguma coisa para o recém chegado quando a voz de Leah soou clara e provocativa.
— Oi priminha! —ela estava muito diferente com aquele cabelo curto e as roupas largas de homem, sem nenhuma maquiagem e nada parecida com a Leah que eu sempre conheci.
— Leah. — eu cumprimentei me controlando para não abaixar minha cabeça. Dizendo a mim mesma que aquela ali era minha casa e fora ela quem me procurara.
— Eu não vou me demorar aqui, bem porque eu estou aqui escondida do seu querido noivo... — eu percebi a palavra que ela usou para definir meu relacionamento com Sam e já ia abrindo a boca pra contestar quando ela me fulminou com os olhos e eu me calei. – Não adianta mais mentir quando eu posso ver cada uma das coisas que ele pensa sobre você. – ela argumentou falsamente entediada. — Continuando... — ela retomou. – Vim aqui em paz e pra falar justamente que você pode começar a costurar o seu vestidinho de casamento e fazer os seus preparativos que a Leah não vai amaldiçoar ninguém nem estragar seu casamento, bem porque isso não mais me interessa! — e então ela sorriu falsamente. – Não é como se fosse uma escolha dele, não é mesmo? Um imprinting... — senti meu corpo gelar e minhas mãos tremerem com a verdade dura. Ela parece ter percebido porque seu sorriso cresceu.
— Seja muito feliz. — disse com desaso e então foi embora sem me deixar dizer nada.
E quer saber? Isso já era um começo.
Mesmo que eu não reconhecesse aquela figura sarcástica e quebrada como minha melhor amiga e minha irmã eu já podia divisar um pouco de reação em suas feições e eu acreditei que Leah iria superar seu próprio infortúnio. Talvez não por agora, não imediatamente, mas um dia. E pra quem tinha a eternidade já era o bastante.
Se ela precisava me culpar pra ter forças que ela fizesse. Eu definitivamente preferia assim à que ela me ignorasse.
E quer saber mais... Ela estava se divertindo tanto enquanto abria as minhas feridas, que talvez eu a chamasse para ser minha madrinha bem na frente da Tia Sue para que ela não pudesse recusar e então estaríamos quites.
Quando Sam me encontrou naquela tarde, perguntando se estava tudo bem e tentando se certificar de que Leah não me machucara, eu aceitei seu pedido oficialmente e fiz o que ela me mandou fazer.
Coloquei meu anel no dedo e não tiraria mais.
Eu vim pra La Push como uma fugitiva, eu cheguei aqui vazia e sem nada, acreditando que histórias de terror eram só historias de terror e contos de fadas eram lucrativos para a Disney. Eu acreditava no livre arbítrio e achava que casamento não era tão importante, embora desde sempre desejasse uma família grande e secretamente esperasse um homem forte e amoroso que pudesse cuidar de mim.
Eu mudei, eu amadureci, eu vi e vejo coisas que ainda parecem frutos de imaginação. Encontrei meu caminho em um encontro marcado pelo destino com um homem que as estrelas escolheram para mim e pelo qual eu me apaixonei a primeira vista e aos poucos. De quem recebi um amor igualmente verdadeiro e com o qual passei por momentos difíceis e cruciais.
Achei a felicidade dentro de mim e ela se espalhou a minha volta. Como as minhas margaridas, reluzentes e adoráveis durante toda a primavera.
E, sinceramente, não me parece mais tão importante poder escolher nada a essa altura da vida quando vejo que de uma forma ou de outra é sempre a vida quem irá escolher por nós.
Eu sou Emily Young, 20 anos, nativa americana, compositora amadora, residente em La Push – Washington; noiva de Samuel Uley e muito, muito satisfeita com tudo o que eu tenho.
6 comentários:
Oi! Sim, estou viajando, aí dá pra acessar muito pouco a internet... A autora é brasileira sim! ;)
Lindo d+..........eu amei!
Essa autora tem um talendo realmente inquestionavel,a fic foi mto bem escrita!
Gostei mto dessa.
Poxa Hermi ja acabou mesmo??
Eu amei!
Concordo com vc.
Rá, rá... mais uma FIC NACIONAL tão BOA quanto ou MELHOR que outras estrangeiras que a gente lê por aí!
Acabou!!!!!! Ah, que pena!! Put** que linda essa fic... Muito bem escrita, fuguras de linguagem maravilhosas.... adorei, a maneira que a autora escolhe para terminar, o fim que na verdade é o princípio do resto da vida dela!!!! Escolha ousada do tema e dos persongens, as pessoas estão muito acostumadas a ler sobre Edward e Bella, tem maior apelo, por isso gostei tanto dessa... emociona por si só, sem o apelo de ter o casal badalado como protagonistas! PARABÈNS ELIZABETH BEANS seu talento é inquestionável!
Alice Volturi... aproveitando as férias hein... ou será que está muito ocupada com outros projetos???? Bem a dúvida é pura curiosidade: Vc sabe se essa autora é brasileira... ou a fic é traduzida? Bjs. =)
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