Dizem que esperar pela morte é pior do que morrer.
Concordo com quem quer que tenha dito isso porque é verdade.
Eu estava sentada no chão da nossa pequena cela (uma péssima idéia considerando a sujeira e ainda pior que havia nele) encarando a parede de pedra na minha frente e tentando contar os tijolos. Antes de morrer, meu pai tentou ensinar a mim e Alec alguns números e letras. Contudo, eu não era muito boa e podia somente contar até vinte e três e escrever “meu nome é Jane” em uma letra de mão vacilante.
Eu tinha um nome Bíblico, que era estranho e incomum na nossa região. Meu pai disse que eu herdei esse nome de sua avó, que era Inglesa. Ele explicou que ela se mudou para nossa cidade quando ela tinha 7 anos e se casou com um rapaz local. Eu fico pensando o que ela acharia de mim, e se ela era parecida em algo comigo.
Estava frio na cela e meu bumbum doía de ficar sentada nesses tijolos imundos por tanto tempo. Eu também estava com uma dor de cabeça insistente onde um daqueles soldados estúpidos tinha me batido com uma garrafa. Eu acordei nesse quarto com Alec debruçado sobre mim e chacoalhando meu ombro. Ele parecia como se esteve chorando. Eu perguntei o que tinha de errado e ele respondeu,
“Eu pensei que você estava morta”.
Isso foi há 4 horas e ele não falou comigo desde então.
O quarto era pequeno e quadrado com teto alto de quase 3 vezes a minha altura. Havia apenas uma janela com grades no alto de uma das paredes por onde a chuva, a luz e o ar úmido entravam na nossa cela. Ocasionalmente eu via os pés das pessoas ou patas de cavalos passando por ali então eu presumia que estávamos logo abaixo do primeiro nível.
Havia uma porta do lado oposto da sala, e a menos que você serrasse as barras de ferro da janela, esse era o único jeito de sair. Eu sabia com certeza de que ela estava trancada e obstruída no outro lado, e que as barras que haviam eram tão grossas quanto o comprimento do meu dedo. Um guarda apareceu assim que Alec me acordou para nos dar pães secos e nos dizer que eles voltariam para nos buscar ao amanhecer. Eu suspirei e estremeci, e embora a noite estivesse quente, o quarto tinha uma brisa gelada assoprando por ele. Esfreguei meus braços com toda minha força, tentando não deixar que minha mente vagasse para o dia que inevitavelmente estava diante de nós. Ao invés disso eu tentei pensar nos tempos felizes antes de mamãe e papãe morrerem. Talvez se eles estivessem vivos, eu estaria nesse momento dormindo na minha cama, apenas com as preocupações normais que qualquer menina de 11 anos deveria ter.
Levantei e fui na ponta dos pés dar uma olhada no mundo do lado de fora de nossa prisão.
Estava agora quase amanhecendo. Do que eu podia ver da manhã pela janela, o dia estava nublado e o céu tingido de rosa. Se cheirava mais fresco e o ar era muito mais frio do que estava quando eles chegaram na nossa casa. A tempestade tinha limpado o ar e eu podia ouvir os primeiros pássaros cantando nas primeiras luzes do dia.
Sem aviso houve uma respiração algum lugar sobre meu ombro. Pulei assustada, girando no lugar. Era Alec, parado atrás de mim. Olhei pra ele surpresa já que eu não havia pensado muito nele desde que ele me despertou do meu sono. Olhando pra ele nessa nova luz, ele parecia despenteado, seu cabelo curto e castanho escuro estava bagunçado e seu rosto manchado de lágrimas. Por alguma razão eu evitei olhar diretamente pra ele no começo, esperando que ele baixasse o olhar que estava fixado em meu rosto. Contudo, ele não abaixou, e depois de algum mtempo eu tive que olhar pra cima.
Seus profundos olhos castanhos normalmente calmos estavam cheios de raiva, sua pele pálida estava corada e quente.
“O que?” Perguntei confusa, sua raiva me assustou. Eu era a mais velha somente por algumas horas, mas sempre fui a líder, sempre a que estava no comando. Agora eu encarava esse garoto desconhecido, me sentindo mais inferior do que jamais havia sentido em minha vida antes.
“Você mentiu pra mim”.
As palavras saíram de sua boca quase como um rosnado, com tal força e ressentimento que eu estava chocada.
“E-e-eu” Eu tentei gaguejar mas minha língua não funcionava, as palavras que eu pretendia dizer se enrolaram em minha boca. .
“Eu achei que não haviam segredos. ”
“Alec eu…”
Ele me cortou.
“Você sabia todo o tempo, não sabia?”
Cada silaba me cortava como uma faca, me ferindo. Eu não podia entender porque ele estava tão nervoso. Fiquei ali aturdida sem poder falar ou me mover. Ele continuou.
“Você sabia o tempo todo que chegaria a isso, desde aquele dia no mercado, você sabia. ”
As duas últimas palavras foram um grande contraste com o resto do seu discurso. Cheias de tristeza e dor. Ele vacilou, e em seguida disse em uma voz que não era mais do que um sussurro;
“Jane, nós vamos morrer”.
Eu pude ver lágrimas se formando novamente em seus olhos enquanto ele lembrava um dia no qual não pensei por anos;
Estou parada lá olhando para os restos no mercado. O dia está quase no fim e a maioria dos feirantes estão empacotando suas coisas. Alec está ao meu lado. Temos cerca de 7 anos, estamos a poucas semanas da praga começar. Eu vejo as pessoas cuidando de seus negócios, ignorando nós crianças, como sempre o haviam feito.
De repente houve um grito virando a esquina. Alec e eu olhamos um ao outro e começamos a correr para a direção da fonte do barulho. Então vimos. Uma multidão está cercando um lugar em particular. O de venda de escravos.
Nós abrimos caminho na multidão de gente, querendo ver a ação. O comerciante, um grande homem barbudo com uma cicatriz correndo todo o lado esquerdo de seu rosto, está elevando-se sobre uma pequena menina africana, não muito mais nova do que nós mesmos. Ele tem um chicote em sua mão e está gritando com ela. Ninguém gosta do comerciante de escravos. Ele é um péssimo inimigo. Às vezes as crianças desaparecem e então são reportadas como vistas em um de seus barcos. Embora isso nunca possa ser provado. Ele é grande e feroz, e ninguém se atreveria a passar por seu caminho. Ele está gritando com a pobre menina e golpeando-a no rosto. Sinto Alec ao meu lado tremendo pela raiva, seus punhos cerrados com força.
De repente o comerciante pára no meio do golpe e deixa cair o chicote, caindo de joelhos. Seu rosto está completamente branco. A multidão está silenciosa, você poderia ter ouvido um alfinete cair.
O homem parece estar se sufocando; não, ele está tentando falar. Ele ergue uma mão trêmula embora tome todo o esforço do mundo e aponta. Por sobre a multidão, procurando. Em seguida a multidão se separa como partes do Mar Vermelho e é óbvio quem ele está apontando.
Alec.
Eu olho pra ele em choque. Não pode ser Alec fazendo aquilo!
Ele está ali mais pálido do que ele é normalmete, quase branco como a neve. Ele parece calmo, mas seus olhos aterrorizados contam uma história diferente.
O atrito de chaves na porta me trouxe abruptamente de volta à terra. De repente, percebi que eu estava segurando com força meu pingente de novo. As bordas eram afiadas e me cortaram.
Olhei da porta no lado oposto mais distante da cela para Alec e de volta. Seus olhos estavam exatamente como naquele dia muitos anos atrás.
Petrificados e aterrorizados de medo.
1 comentários:
que dohh aiai o quew sera que vai acontecer?
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