Nascer do Sol - Capítulo 1: Doce Alabama

- Vem Alice, vamos brincar. – minha irmã caçula me chamou. Era verão e fazia um dia lindo. Vovó não tinha a maior casa da cidade, mas com certeza era a mais linda de todas, pelo menos para mim. Eu adorava visitá-la nas férias do internato, era o meu grito de liberdade. Era uma grande casa branca e ficava à beira de um lago limpo e cristalino. Vovó sempre cuidou muito bem da sua casa e seu pomar rendia boas tortas de maçã para seus convidados. Não éramos tão ricos quanto algumas das famílias vizinhas, mas eu e minha irmã estávamos nos preparando para sermos verdadeiras damas. Minha irmã e eu agora estávamos seguindo os passos da minha mãe, Adélia. Meu pai nos colocou no mesmo internato que minha mãe estudou. Mamãe viera de família rica, mas foi excluída do círculo familiar quando decidiu casar-se com papai, um simples fazendeiro, com algumas terras, mas sem tanta instrução. Por isso, minha família era apenas conhecida nas proximidades do Lago Pickwick, Alabama, mas não pelas posses. A simpatia dos homens da família, principalmente a de meu pai e meu pai, Peter Brandon, conquistou os habitantes da região. Eu e minha irmãzinha estudávamos em Saint John, uma escola religiosa e muito rígida. Por isso Cynthia ficava desesperada para brincarmos.

Eu estava deitada em baixo de uma macieira, sonhando acordada. Às vezes eu sonhava com um cavalheiro, um soldado, um homem de cabelos dourados como o sol, montado em seu cavalo, vindo me encontrar. Mamãe não gostava que eu alimentasse essas fantasias, tão pouco nos lia contos de fada. Despertei do meu transe com a voz de minha irmã.

– Sabe, se fosse pra ficar deitada o dia inteiro, você podia ter feito isso em Saint John. – ela murmurou.

- Desculpe. – eu disse enquanto levantava. – Mas estava cansada. Tive sonhos à noite que não me deixaram dormir direito.

- Pesadelos? – ela me perguntou.

- Não sei dizer. – Eu respondi. – Tinha um velho. Um senhor. Ele estava sentado em frente a uma lojinha de sapatos. De repente ele estava gritando. Havia acontecido uma coisa horrível. Um assassinato. Era noite e havia um homem. Um homem alto de cabelos loiros e olhos negros. Ele havia matado uma garota.

- Cruzes. Que terrível sonho, minha irmã. – ela sentou ao meu lado, tentando me consolar. – Mas foi apenas um sonho, você não tem com o que se preocupar.

Sorri para ela. Minha irmã caçula era totalmente o oposto do que eu era. Nunca deixei que a descrença de nossa mãe a afetasse. Como sua irmã mais velha eu a colocava para dormir, sempre. Contava histórias de ninar, cantigas da região. Algumas vezes eu contava sobre meus sonhos. Ela sempre gostou de ouvi-los, especialmente sobre meu príncipe de cabelos dourados. Cynthia era a criaturinha mais doce e linda que eu já havia visto. Seus longos cabelos escuros caiam em ondas sobre seus ombros. Seus grandes olhos cor-de-chocolate e seu lindo rosto em formato de coração encantavam as visitas que iam à casa da minha avó nos verões. Eu parecia mais com o nosso pai. Meus cabelos escuros e lisos, porém compridos, e meus olhos azuis. Sempre fui muito baixa, isso eu herdei da minha avó Madeleine, mãe do meu pai. Mas éramos novas. Quer dizer, Cynthia era. Cynthia tinha oito anos e eu já era uma jovem, com meus dezessete anos. Por ser mais velha, tinha a necessidade de protegê-la. Mas, quando tinha esses sonhos, olhar para o rosto de boneca da minha irmã me fazia bem.

- Vamos minha irmãzinha. – eu beijei o alto de sua cabeça e levantei, estendendo a mão para ela. – Vamos chegar atrasadas para o chá na casa da senhora Franklin.

- Não gosto quando vovó nos leva lá. – ela confessou. – Não gosto de suas filhas. Elas são esnobes.

- Também não gosto de Louise e Margareth, Cynthia. – eu falei. – Elas se parecem com as bruxas do pântano de Eastside. – eu sorri. Sabia que se contasse alguma história ela cederia.

- Bruxas do pântano de Eastside? – seus olhinhos brilharam. – Nunca ouvi falar.

- Não são bruxas más, mas extremamente feias e chatas quando querem. Diz a lenda que uma fada passou por Eastside, certa vez. Pediu um pouco de comida, mas elas negaram. A fada então castigou as bruxas e hoje elas vivem como sapos no pântano de Eastside.

- E como a fada se chamava? – ela perguntou deslumbrada com o conto.

- Alice, é claro. – eu sorri e ela também.

Seguimos em direção à casa de vovó. A pequena senhora com cabelos grisalhos presos em um coque e de longo vestido azul escuro estava sentada em sua cadeira preferida na varanda de sua casa. Esperava-nos com uma expressão séria, completamente normal. Vovó não sorria com freqüência, mas não era uma pessoa fria como sua nora Adélia. A senhora Brandon, como era conhecida na região, tinha sofrido muito com a perda de seu marido e de seu filho caçula. Meu avô e meu tio Antony morreram em uma caçada, uma matilha de lobos havia encurralado os dois. Tia Alice, sua filha do meio estava noiva, mas morreu de desgosto quando o seu noivo morreu em campo de combate. Antes disso, vovó Brandon era uma mulher cheia de vida, alegre e que adorava dar festas. Lembro-me de quando eu era pequena e Cynthia ainda um bebê, que vovó sempre fazia questão de comemorar meu aniversário. Chamava as crianças da cidade, inclusive os irmãos Franklin, duas meninas desagradáveis e invejosas e seu irmão sempre gentil. Sempre ganhei vários vestidos da vovó, mas nunca bonecas. Sempre quis, mas ela sempre me preparou para ser uma mulher, e não uma criança. Por isso eu me divertia penteando Cynthia e arrumando-a. Chegando aos degraus da varanda da residência dos Brandon, vovó nos aguardava para tomar o chá com sua amiga Melinda Franklin, viúva do coronel Franklin que morreu em combate.

- Meninas, será que terei que prendê-las em casa toda vez que tivermos que sair? – ela perguntou. – Francamente, olhem o estado em que vocês se encontram. Vão se lavar, por favor. Estamos deselegantemente atrasadas para o chá na residência dos Franklin. Acredito que estão com vontade de ver Louise e Margareth, estou certa disso?

- Sim, vovó. – eu respondi. Cynthia deu uma risadinha abafada. – É claro que estamos.

- Acredito que Taylor, o filho mais velho de Melinda, também ficará feliz em vê-la, Alice. – ela sorriu. Como esquecer de Taylor? Era um bom rapaz, diferente das irmãs. Era agradável aos olhos, não era feio como suas irmãs, mas mesmo assim não sentia mais do que carinho fraterno por ele. - Por favor, - ela pediu. – Não se demorem. O cocheiro nos aguarda.

Subimos até os nossos quartos para nos lavarmos. Vesti Cynthia com um lindo vestido azul claro. Era verão e a cor ficava muito bonita nela. Eu vesti um vestido amarelo. Amarelo sempre foi a minha cor preferida, me lembra o sol. Em Saint Jones, nosso internato em Water Valley, Mississipi, era sempre muito cinzento. Quando vinha à casa da vovó, no Alabama, eu aproveitava os dias ensolarados.

Estava ajeitando os cabelos de Cynthia quando aquele pesadelo me veio à tona. Mais uma vez, o misterioso homem loiro estava matando uma outra garota. Ouvi os gritos, a garota clamava por sua vida. Ele, impiedoso, gargalhava. Pulou em cima da jovem e, enfim, a atacou. Era terrível o modo como ele a matava. Parecia um lobo, um animal selvagem. Ele a mordia e bebia o seu sangue. Eu nunca tinha visto tamanha atrocidade em toda a minha vida. Que espécie de monstro faria algo tão sinistro como matar uma jovem e saciar-se de seu sangue? Desabei em lágrimas e quando percebi, estava de volta a meu quarto com Cynthia me consolando.

- Eu vi, Cynthia. – eu disse, enquanto as lágrimas escorriam em minha face. - Eu o vi. O mesmo homem de meus pesadelos. Ele matava mais uma jovem. Era terrível. Ele a matava para se alimentar.

- Não, minha irmã, ninguém jamais faria tal coisa com um ser humano. – ela me consolava. – Por favor, se controle.

- Está tudo bem aí? – Vovó bateu na porta. – Vocês estão demorando demais.

- Sim, vovó, está tudo bem. – Cynthia respondeu. – Estamos quase prontas.

- Espero vocês na charrete. Por favor, não demorem.

- Está mais calma, Alice? – ela disse enquanto acariciava meus cabelos.

- Sim... Creio que sim. – eu respondi. Ainda estava em choque, mas não queria assustar Cynthia. Terminei de arrumar seus cabelos e fomos ao encontro de nossa avó. Em silêncio, fomos até a mansão dos Franklin. Era uma pequena viagem, a mansão era aos arredores na cidade, como a nossa, e não no centro da vila. Não era tão bonita quando a casa da vovó Brandon, mas era grande, espaçosa e havia uma área externa muito agradável, onde tomávamos chá.

A senhora Melinda Franklin era uma senhora robusta de cabelos encaracolados e vermelhos. Estava a nossa espera junto com suas filhas, Margareth e Louise. Louise era dois anos mais velha que Margareth, e esta tinha a minha idade. Ambas tinham longos cabelos vermelhos encaracolados, iguais aos da viúva. A pele pálida e com pequenas sardas em seus rostos. Olhos pequenos e azuis. Lembravam-me as duas doninhas empalhadas que pertenciam ao meu avô e adornavam o escritório da casa da vovó. Acredito que a companhia das duas doninhas empalhadas era mais agradável do que as irmãs Franklin. Ao menos, os animais nunca se dirigiam a mim com grosserias e asneiras. Talvez se elas também estivessem empalhadas, sua presença seria mais agradável.

- Madeleine, querida. – ela disse, levantando os braços para um longo abraço apertado em nossa avó. Ela estava longe de ser uma delicada e discreta dama. Mas ainda assim conseguia ser agradável e alegre. Pena que suas filhas não herdaram sua simpatia. – Mary Alice, você está uma bela jovem. E logo a pequena Cynthia também será.

- Como vai, senhora Franklin? – eu a cumprimentei. Cynthia fez o mesmo e, nos imitando, as irmãs Franklin cumprimentaram a vovó.

- Bem, meninas. Já havia algum tempo que não as via. Porque não vão brincar um pouco? Louise, Margareth, levem as meninas para ver o pomar, mostrem como está bonito.

Então, elas nos conduziram para o pomar. Uma vasta plantação de macieiras e cerejeiras, bem maior que a nossa, tomava conta da propriedade dos Franklin. Alguns arbustos com frutas silvestres as quais sempre rendiam boas tortas para nós. Morangos, amoras, framboesas. Era a única coisa realmente boa em visitar a família Franklin. Odiava passar as tardes na companhia das meninas. E ainda por cima havia o Taylor. Não que Taylor fosse desagradável, mas falava tanta asneira quanto suas irmãs no que diz respeito a seus sentimentos por mim. Bendito seja, estava fora de vista. Talvez tivesse fora com alguns amigos aproveitando o verão nas montanhas.

- Então, Mary Alice... – Margareth me dirigiu a palavra.

- Alice, - eu corrigi. – Apenas Alice. - Mary Alice havia sido um nome dado em homenagem a minha avó materna, Mary, apesar de que esta nunca quis me conhecer. Papai homenageou tia Alice, sua irmã preferida, convencendo mamãe a colocar o segundo nome. Afinal, a mãe da minha mãe não falava com ela desde antes do meu nascimento e por isso eu gostava de ser chamada pelo meu segundo nome. Alice.

- Que seja. – ela resmungou. – Como está a vida com as freiras de Saint Jones?

- Muito bem, obrigada. – eu respondi, educadamente. – Mas é bom poder voltar ao Lago Pickwick no verão.

- É claro. – Margareth respondeu. – E você, pequena Cynthia?

- O que tenho eu? – ela perguntou.

- Quero saber o que acha do Alabama. – ela perguntou, secamente, diante da grosseria da minha irmã. Eu poderia corrigi-la se não estivéssemos diante de tais companhias.

- Bom, visto que a companhia poderia ser mais agradável... – ela sorriu com desdém.

- Cynthia, vamos, não fomos isso que aprendemos em Saint Jones. – eu disse a ela enquanto me aproximava e cochichava em seu ouvido. – Lembre-se, não podemos irritar as bruxas. Elas podem nos transformar em borboletas. – e sorri. Então, escutei o barulho de galhos secos sendo pisoteados. Bem silenciosamente, como se alguém estivesse tentando ser o mais cauteloso possível. Como um leão se esgueirando na savana atrás de sua presa. Eu podia sentir. Alguém estava se aproximando.

2 comentários:

Jaami disse...

aii to amando essa fic, a Alice é linda

Amy Lee disse...

Alice tinha cabelos longos??

Seria melhor longos que curtos '

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