Como Eu Me Tornei... - Capítulo 10: Correndo

Bem longe

Esse navio me levou para bem longe

Pra bem longe das memórias

Das pessoas que se importam se eu vivo ou morro

Starlight - Muse

Continuei correndo. Os meus pés não me deixariam parar. Eles zumbiram através da terra me levando para mais e mais longe da minha cidade natal, e de Anna. A corrida e a contanto constante dos meus pés pareciam me acalmar, de algum modo aliviar de qualquer maneira a culpa e tristeza que rasgavam meu coração. Eu não sabia para onde eu estava correndo, ou me importava.

Terra e cidades passaram por mim, tão insignificante e irrelevantes quanto os seus ocupantes. A brilhante lua se suspendia no céu aveludado. Ela não era mais um símbolo de esperança, mas de morte e destruição, me torturando desde dentro para fora. Corri por colônias, algumas pequenas cidades que vagamente reconheci de algum lugar que eu não sabia, uma vida que não foi minha. Não parei para olhar para trás, apenas deixei os meus pequenos, nus, e delicados pés me levarem para longe, muito longe.

Não foi muito tempo; talvez nem três minutos, até que eu notasse uma modificação no ar. O vento estava mais áspero, chicoteando em minha pele como agulhas. Mas isso não me incomodou; eu nunca sentiria nada novamente. O que realmente chamou a minha atenção contudo, foi o cheiro no ar. Sal, fresco e forte. Acelerei, repentinamente ansiosa para chegar ao meu destino, uma idéia brincando e se desenvolvendo em minha mente. Poderia ser isso; eu seria capaz de me libertar desta vida suja de culpa e dor que eu havia começado. Cheguei na costa em questão de segundos, a grande expansão de água, batendo e virando, revelando um lado diferente da noite clara e quente que eu tinha conhecido.

Escorreguei perto da ponta, inconscientemente sentindo perigo. Balancei na borda antes de recuperar o meu equilíbrio, precariamente recuando do penhasco. Eu nunca tinha vindo ao mar, pelo menos não que me lembre. Do que eu podia lembrar de minha vida humana, eu nunca realmente tinha sido de Volterra. Olhei para o mar, capturada por sua beleza selvagem. À primeira vista, as ondas de diamante pareciam ser calmas, as suas superfícies lisas brilhando na pura, e ainda sim terrível luz da lua. Mas eu sabia melhor, a minha inumana vista viu a corrente, a aspereza das ondas em que ninguém com sua mente sã se arriscaria. Embora eu não sentisse nenhum frio, um tremor correu por minhas costas, a brisa fresca brincando com meus cachos, atirando-os através de meu rosto. Tamanha paz não podia ser para mim. Pensei mais uma vez na cidade e a vida terrível que eu tinha deixado para trás e pulei, me jogando para o escuro esquecimento.

* * *

Eu estava caindo, os meus membros se debatendo em todas as direções, desesperadamente procurando por algo para me segurar. Mas não existia nada além do ar salgado, assoviando em meus ouvidos, quase me ensurdecendo. Então bati em algo duro, um solavanco súbito de dor física passando por mim, me sacudindo. Gritei, a minha voz alta e cortante, enquanto meu corpo e rosto se chocaram contra as rochas, suas pontas afiadas se enfiando em minha pele dura como pedra, parecendo me rasgar quase tão forçadamente quanto meu pesar. Se eu fosse humana, eu teria sido morta instantaneamente, mas eu não fui, sobrevivi, viva o bastante para aturar a dor intensa que pulsava pelo meu pequeno corpo.

Então veio a água, um choque de gelo e um pequeno alívio das rochas. Respirei, os meus braços e pernas automaticamente procurando por ar acima de mim. Eu estava afundando, a luz brilhante da lua se formando rapidamente em uma sombra acima de mim, cambaleante e apagada embaixo da água. Tentei gritar, a minha boca abrindo, água entrando. Tentei conter o pouco ar que tinha, forçando os meus olhos a abrir. Repentinamente parei. Deixando meus membros ficarem dormentes. Os meus pulmões não pararam, não estavam buscando por ar. Eu estava segurando minha respiração. Flutuei alí embaixo da superfície da água, o agitado do mar me arrastando para longe das rochas. Nesse momento foi quando percebi.

Eu não precisava ter mantido a minha respiração antes. Ficar sem cheiros é demasiado irritante.

Eu não precisava respirar.

O fracasso bateu em mim como pedra sobre pedra, a realidade disso quase pior do que meu pesar por Anna.

Eu tinha que morrer.

Eu tinha.

Lentamente afundei mais e mais no escuro vazio, rapidamente pensando que nunca terminaria. Eu estava errada, meu corpo ferido repentinamente batendo no chão oceânico.

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