Singularity - Capítulo 25: O Toque Humano

Foi preciso cada segundo das seis semanas, mas eu voltei para a escola mais curada do que jamais pensei ser possível. As palavras do velho padre haviam lentamente liberado meu pesar e amansado minha culpa. Eu ainda sentia a perda e a solidão paralisante, mas, pelo menos eu fui capaz de aceitar.

Eu também estava começando a aceitar a mim mesma. Eu estava tentando usar minhas visões para controlar minha vida, mas não era esse o propósito delas. Elas eram apenas um olhar a frente. As visões mostravam um futuro possível e podiam mudar rapidamente, mas eu não precisava ser aquela a forçar os acontecimentos que via para dentro ou para fora da sua existência. O futuro iria revelar-se por si só, e as únicas coisas que eu poderia mudar eram aquelas que estavam sob meu controle direto. A compreensão de que eu apenas olhava adiante e não podia realmente controlar o futuro ou mudar o caminho do tempo, libertou-me. Eu não mais sentia a forte compulsão de forçar o futuro a curvar-se perante meus desejos. O que aconteceria, aconteceria. Eu não precisava encontrar a pequena lanchonete, ou forçar meu caminho até o de Jasper. Isso estava decidido, e simplesmente iria acontecer. Algum dia.

Eu odiava “algum dia.”

“Algum dia” não era agora.

Agora eu estava sentada no pequeno restaurante familiar que Emily trabalhava para provar uma Coca de cereja na fonte de refrigerante. Eu estava bastante certa de que eu não gostaria da mistura, mas minha recente visão havia me mostrado o que era o meu “de sempre”: uma Coca de cereja com uma cereja no topo. Emily estava preparando para mim agora.

Dessa vez, quando entrei no restaurante no final de Agosto para dizer oi, Emily me abraçou. Foi muito gentil, mas todos os cidadãos na lanchonete ficaram bem quietos enquanto assistiam ela me agarrar e abraçar forte. Eles sabiam que era de alguma forma errado me abraçar, mas Emily era alegremente inconsciente disso. Na verdade, ela dava um pulinho de alegria quando eu dizia a ela o que eu queria – Eu jamais havia comido em seu pequeno restaurante mesmo que ela me pedisse frequentemente para passar ali – e ela estava agora preparando extasiada a maior bebida que eu já tinha visto.

“Eu simplesmente sei que você vai amar isso, Alice!” Ela estava borbulhando de animação enquanto colocava o enorme copo na mesa.

De repente, eu não estava mais tão certa sobre minhas visões. Eu não estava certa de que queria sentar aqui entre humanos e fazer isso comigo mesma. Eu me forcei e sorri para ela, agarrei o canudo e deu um enorme gole.

Vampiros têm uma sucção incrível.

Drenei metade do copo de uma vez. Claro que foi um pouco demais e os olhos de Emily saltaram de suas órbitas.

“Desculpa,” arfei, enquanto as bolhas estouravam por minha garganta abaixo. ” Eu estava com muita sede hoje.” De alguma forma, consegui sorrir enquanto o troço picante, borbulhante e enjoativamente doce invadiu meu estômago despreparado. Bebidas carbonatadas borbulham ainda mais quando atingem algo gelado, como o estômago de vampiros. Eu me sentiria muito desconfortável até que pudesse colocar aquilo para fora.

Tentei não pensar sobre como seria aquilo voltando e quanto tempo demoraria.

Sorri para Emily e tentei novamente, pensando que talvez o gosto pudesse melhorar para mim, mas o mesmo sabor borbulhante e horrível de cereja continuou.

Nah.

Eu não gostei da minha bebida “de sempre” da visão. Que diabos aconteceu entre agora e o futuro para me convencer de pedir tal bebida?

Tentando não mostrar meu nojo e desconforto ao ter bolhas estourando na barriga, eu sorri para Emily e perguntei como fora o verão dela. Foi como romper uma represa.

“Meu verão foi horrível e incrível. Sabia que alguém pagou pelos meus estudos? Se eu for cuidadosa deve ter o suficiente para ajudar meus irmãos. Todos tem sido tão gentis comigo desde, bem, você sabe… E eu tenho trabalho extra aqui para ocupar meu tempo. Embora eu mal posso esperar para começarem as aulas novamente. Estou esperando que tire um pouco minha cabeça da guerra…”

Comecei a perceber que as bolhas em meu estômago estava virando uma pressão, e a pressão estava crescendo. Rapidamente tornou-se difícil manter o gás lá dentro. A carbonatação estava produzindo tanto gás que eu realmente senti o desconforto. Tentei manter o desconforto longe do meu rosto, mas Emily viu bem de cara.

“Alice? Alice, você está bem?”

Esbocei um pequeno sorriso e então me levantei para sair do restaurante antes que eu explodisse.

Tentei segurar o que eu sabia que estava vindo com toda minha força, mas quando eu pulei de pé, a explosão escapou.

Eu soltei um arroto tamanho vampiro que durou quase 30 segundos.

E todos ao meu redor congelaram. Os olhos de Emily ficaram tão grandes quanto pires e ela se afastou um pouco enquanto cobria a boca aberta. Eu consegui, finalmente a havia assustado — com um arroto.

Ela então explodiu na risada mais alta que eu já tinha visto. Ela estava se contorcendo de deleite e rindo tanto que se dobrou para sentar no chão. Risos começaram a sair das cabines ao meu redor e o resto do restaurante começou a reagir da mesma forma. Os risos viraram risadas e as risadas viraram gargalhadas.

“Eu…nunca…ouvi…um…arroto…tão…grande….sair…de…uma…garota…tão…pequena,” arfou um homem.

“Ah…queria…que…Frank…estivesse…aqui,” tossiu uma mulher de uma mesa distante entre ataques de riso.

“Alice… Alice… isso foi a… coisa… mais engraçada… e… sua… cara… você…você nunca…você…parecia que estava…tão…chocada…” Emily estava rolando para frente e para trás agora.

Eu queria rosnar e fugir desse lugar, mas, ao invés disso, um riso de alguma forma saiu por entre meus dentes.

Acho que provavelmente eu fui o único vampiro da história a arrotar.

Comecei a rir com os outros. Agora não eu não estava com dor, era realmente um tanto engraçado. Eu estava bastante contente que nenhum outro vampiro estivesse aqui, eles não esqueceriam disso por um milênio.

Depois de cerca de cinco minutos, as risadas acabaram e eu tentei salvar minha dignidade despedaçada. Emily apenas balançava a cabeça com contentamento.

“Eu te disse para não beber tão depressa. Meus irmãos fazem isso de propósito, sabe? Bobby consegue arrotar todo o hino quando bebe refrigerante. todos seus amigos têm inveja dele. Mas, espere até eu contar o que você fez, ele vai ficar tão impressionado…”

Ela continuou por quase quarenta minutos direto enquanto de alguma forma conseguia ser garçonete de várias mesas e continuar a falar comigo ao mesmo tempo. Ela não era a mesma garota infantil que eu havia conhecido, mas ela estava se curando. O tempo havia começado seu trabalho.

Eu estava com inveja da humanidade frágil dela que a permitia sofrer tal dor e tal cura, tudo na mesma vida. Tudo que eu podia fazer era esconder minha dor restante por trás da minha fachada vampírica perfeita. Claro, Emily viu através de minha muito bem colocada fachada depois de uma hora.

“…e então todo o jardim inundou, acredita? Alice, o que foi? Você parece meio distante hoje.”

A pergunta e a presunção caíram de suas palavras tão rápido que eu mal tive tempo de captá-las. Comecei a me perguntar sobre seu dom e como ela seria se fosse vampira, mas então bani o pensamento com um tremor. Ela merecia essa maravilhosa vida humana que lhe havia sido dada. Ela era tão boa nisso.

“Descobri que alguns amigos morreram em um bombardeio na Europa,” afirmei categoricamente, Não havia necessidade de mentir mesmo. Ela provavelmente veria através da minha mentira instantaneamente.

“Ah, Alice, ah não.” Ela colocou as mãos sobre a boca, em choque, e então colocou suas mãos mornas sobre as minhas frias. “Sinto muito mesmo. Sei como deve se sentir. Porque não me disse antes de me deixar sair contando sobre minha vida?”

Sua compaixão genuína e preocupação fizeram minhas entranhas frias, borbulhantes e com sabor de cereja parecerem de alguma forma mais quentes.

“Você passou por perdas suficientes, não precisa da minha ainda por cima.” Eu fui gentil mas firme. Eu tinha para sempre para lidar com minha dor, ela precisava continuar com a sua breve vida.”

“Mas, quero ajudar. Ah, não! Não foi Jasper, foi?” Ela perguntou enquanto sua voz tornava-se estridente.

“Não, não, ele está bem,” acalmei-a rapidamente. Ele estava bem. Eu o vi ontem mesmo assistindo a um jogo noturno de beisebol do topo de um poste de luz. “Eu ficarei bem. A morte deles apenas me pegou despreparada. A escola vai ajudar a me destrair também.” Pelo menos eu esperava que fosse.

“Eu vou pegar outro refrigerante para você, por conta da casa! Espere aqui, vou fazer do meu jeito, com mais gás. Você vai adorar a sensação!” Ela saiu correndo tão rápido que não pode ver o medo óbvio que espalhou-se no meu rosto.

A família de Emily acolheu-me de volta de braços abertos. Bem, não tão abertos, mas tampouco de forma hostil, então já era uma melhora. O cachorro arrebentou a barra da minha saia xadrez.

Agora que eu estava de volta a Pittsburgh, constantemente lutava contra a vontade de tentar achar a lanchonete em que Jasper e eu nos encontraríamos, mas eu me recusava a interferir novamente. Aconteceria, eu tinha certeza, e eu deixaria acontecer a seu próprio tempo.

Talvez.

Sem as viagens constantes, eu fui capaz de ler e focar em minha apresentação artística iminente e aulas do último ano. Também me lancei no design de roupas só por diversão. O outono e o inverno de 1943 pareceram voar mesmo para minha mente vampírica, e antes que eu percebesse, era época de Natal. Eu não voltei para Nova Iorque para o Natal desse ano. Eu simplesmente não podia. Então decidi tentar minha destreza em dar uma festa novamente. Dessa vez, seria para convidados humanos.

Com o preço do combustível aumentando tanto nesse inverno, eu sabia que muitos estudantes e a maioria dos universitários jamais teria condições de viajar nesse Natal, então decidi dar uma festa no salão de dança dos Veteranos de Guerras estrangeiras.

Eu sabia que provavelmente era a única vampira que já deu uma festa de Natal para humanos na qual humanos não estavam no cardápio, e a possibilidade de fazer algo tão único e incomum me animou. Eu também sabia que havia a possibilidade de ninguém aparecer, mas era apenas uma pequena possibilidade. Na faculdade, se você der uma festa, pessoas virão independente de quem ou o que você é. Dado o típico amor dos estudantes por comida de graça, eu podia saudar os convidados de dentro de um caixão e eles provavelmente ainda entrariam.

Mesmo assim, enquanto fazia as inspeções finais nas decorações, feitas por mim, e a comida, preparada pelo restaurante da Emily, eu estava inacreditavelmente nervosa. O salão estava com camadas de decorações verde e vermelha e brilhando com tanto ouropel que a cor original da parede era meramente visível depois de meu trabalho duro. A banda era uma que tinha feito propaganda no campus da faculdade e que eu havia ouvido em outros lugares. Eu sabia que eles seriam um sucesso, embora para meus ouvidos eram meio que terríveis.

Mesmo se a noite fosse uma furada, não importava muito. Eu só precisava dar uma festa, não precisava que muitas pessoas aparecessem. Além do mais, celebrar a vida, mesmo com humanos, foi a maior lição que Annette me ensinou, e eu simplesmente não podia desperdiçá-la. Então, em memória a ela e por simples diversão, eu abri as portas do salão dos veteranos brilhante, cheio de comida e uma banda ao vivo e esperei para ver o que acontecia.

Eu realmente não devia ter me preocupado.

Emily e todos os estudantes de arte espalharam a notícia, e quando fui abrir as portas, uma pequena multidão já havia se reunido. Eles pareciam um pouco tensos enquanto eu os guiava para dentro do salão decorado, o qual eu admito ter exagerado um pouco, mas eles relaxaram imediatamente quando viram a comida e ouviram a banda.

Dentro de meia hora o prédio estava completamente cheio. Na verdade, estava transbordando e havia uma pequena multidão perto das portas ainda tentando entrar. Parecia que o campus todo e a maioria dos funcionários estavam presentes, bem como alguns penetras que eu já esperava. Foi como nos velhos tempos.

Eu fiquei nas sombras perto das paredes para falar com as pessoas e me gabar do sucesso da minha festa. Todos por quem passei me parabenizaram. Não importava que eu não era permitida nos grupinhos de estudantes falantes ou que ninguém me convidou para dançar. Eles estavam se divertindo muito.

De repente, Emily saiu de um grupo de garotas falantes, agarrou-me pelo cotovelo e me puxou para seu grupo de amigos. Eu estava tão surpresa que quase não a permiti me guiar. Como ela via tanto e ainda assim não sentia meu braço duro como pedra debaixo do vestido de seda dourado?

“Viu? Essa é Alice. Ela não é maravilhosa? Ela não é nem um pouco assustadora.” Ela estava radiante enquanto me mantinha em seu grupo para a inspeção deles. Meu próprio sorriso estava travado em meu rosto enquanto eu estremecia internamente.

Claro que eu era assustadora para eles. Os amigos dela estavam paralisados de medo enquanto olhavam para mim. Nenhum deles queria ficar perto de mim, e alguns deles se afastaram, mas a maioria deles era muito educada para ir para longe da anfitriã. Vários tentaram sorrir para mim com pequenas caretas.

“Eu estou tão feliz que vocês decidiram vir para minha festa,” eu disse rapidamente. Eu precisava fazer com que se sentissem de alguma forma confortáveis, mas tinha pouco que eu podia fazer para acalmá-los até que eu fosse embora.

“Obrigado por nos convidar,” disse uma das garotas, rapidamente.

“É mesmo uma festa e tanto,” juntou-se outra. Emily deve os ter encorajado.

“Hmm foi legal da sua parte pensar em dar essa festa,” começou outra, “porque eu não posso, hmm, ir para casa. Então, hmm, obrigado!”

Eu sorri novamente, mas dessa vez da situação toda. Eu podia ver o reflexo da Emily em seus olhos arregalados enquanto ela tentava direcioná-los. Seus braços se mexendo rápido e ela estava mimicando as palavras para eles dizerem. Cada garota me cumprimentou obedientemente enquanto Emily as indicou. Foi difícil não rir alto.

Eu finalmente me retirei, muito para o alívio das garotas, e comecei a casualmente me misturar aos meus convidados de novo, mas com certa distância dessa vez. Uma mulher adorável, as apreensiva, cujo nome eu não sabia, aproximou-se de mim com cuidado.

“Você é a Alice, não é?” ela disse, um pouco nervosa.

“Sim,” sorri agradavelmente de volta. Sem necessidade de assustá-la também.

“Essa festa está incrível! Eu nunca vi decorações tão maravilhosas. Você fez isso sozinha?”

“Sim, com um pouco de ajuda e alguns fornecedores. Eu adoro dar festas e todos pareciam precisar de uma agora.”

“Você consideraria ajudar meu comitê com as decorações de nosso baile de formatura? Eu sei que você é uma formanda, então quando vi o que fez com esse lugar, pensei que poderia ficar encarregada de decorar para nós. Nenhum de nós tem muita experiência nisso,” ela adicionou, mexendo os ombros nervosamente.

Eu quase pulei de alegria. Estava sendo requisitada por uma colega de classe para ajudar a dar uma festa. A vida não ficaria muito melhor que isso para mim.

“Eu adoraria ajudar,” murmurei enquanto fiz uma pequena pirueta ao invés de um grande pulo. Eu estava tendo dificuldade de conter meu entusiasmo, mas eu não queria mesmo assustá-la. O baile de formatura! Meu sorriso cresceu um pouco demais.

Ela ficou ali parada, puxando seu suéter nervosamente.

“Tem mais alguma coisa?” Perguntei, ainda radiante.

“Bem, sabe como aq época é difícil… E, bem, nenhuma de nós tem vestidos novos. Eu sei que você faz suas próprias roupas. Elas são tão estilosas, e, hmm, bem, você poderia nos ajudar a fazer nossos vestidos um pouco melhor?” A última pergunta veio um tom acima e rápida, e ela estava olhando ao redor, medo preenchendo seus olhos.

Eu quase pulei nela de alegria. Elas gostavam do que eu vestia. Elas queria que eu ajudasse a refazer seus vestidos. Elas queriam a minha ajuda. Acho que teria chorado se pudesse.

“Vamos nos encontrar na terça à noite, sete horas. Você pode ir?” Ela perguntou e começou a se afastar, tremendo um pouco.

“Estarei lá. Tragam todos os seus vestidos e kits de costura,” ordenei.

“Ótimo. Até lá, então,” ela falou já indo embora.

Foi o melhor presente de natal que qualquer humano poderia me dar.

Eu me arrisquei a ir de volta para Nova Iorque para as férias de primavera. Eu só planejava ficar alguns dias lá porque precisava terminar todas as preparações para o show de arte da formatura e comprar decorativos adicionais para os vestidos que minhas companheiras de sala trouxeram para eu arrumar. Agora eu estava no comando de preparar tanto a exibição de arte dos formandos quanto decorar o baile de formatura. Eu também tinha cerca de trinta vestidos para tentar consertar. Era difícil para alguém como eu ficar dentro do orçamento apertado que me havia sido dado, mas meu lado criativo adorou o desafio enquanto eu me preparava para ficar dentro dos limites chatos dos humanos. Isso era, afinal, uma escola humana.

A casa não tinha mudado nada, mas o cheiro de meus amigos continuava a ficar mais e mais fraco. Ainda era um lugar confortável para eu estar, mas também parecia me assombrar com memórias de meus companheiros perdidos.

A única outra coisa que mudou foi que a pilha de correspondência agora diminuíra a mesa e caíra por todo o corredor de entrada. Suspirei e comecei a separar tudo na montanha branca.

Enquanto eu separava a correspondência, abrindo tudo, perguntei-me o que acontecia com propriedades de vampiros abandonadas. Eu não me perguntei por muito tempo. Vários pedidos da Lowe e Associados, a firma de advogados trapaceira que os vampiros de Nova Iorque recorriam para assuntos legais chamou minha atenção. Elas estavam originalmente dirigidas para Paul, mas as últimas estavam dirigidas para mim. A firma uso meu último nome adquirido, Alice Stoker.

As cartas direcionadas à Paul Simpson eram pedidos para que ele contactasse um William Trudel sobre certos “assuntos legais”. As que eram para mim simplesmente me notificavam que eu precisava contactá-los imediatamente.

Justo. Eu estava curiosa sobre o que o advogado precisava, mas eu também temia a futura conversa.

Liguei para firma logo cedo na segunda.

“Lowe e Associados, Mary falando, em que posso ajudar?” Zumbiu a recepcionista.

“Olá, sou Alice Stoker e preciso falar com William Trudel, por favor.” Zumbi o pedido tão planamente quanto ela. Não queria que minha curiosidade aparecesse.

“Minha nossa. Senhorita Stoker, estivemos esperando por sua ligação,” ela disse a mulher repentinamente sem ar. “Irei transferi-la imediatamente. Estou tão contente que finalmente tenha nos ligado.”

“Olá, Senhorita Stoker?” disse uma voz masculina quase imediatamente. Ele devia estar parado ali.

“Sim. Suas cartas indicavam que você precisava falar comigo sobre algum assunto urgente. De que se trata?” Perguntei bruscamente.

“Senhorita Stoker, quando Paul e Annette Simpson e Marianne e Gregorio Bonacci partiram para sua viagem global, eles nos deixaram algumas instruções bem específicas e um tanto estranhas. Você estava ciente disso?”

“Não. Que tipo de instruções eles deixaram?” Perguntei ainda mais perplexa.

“Bem, são um tanto complexas, mas seus amigos nos deixaram instruções de que se as cartas deles não chegassem a cada mês deveríamos tentar contactá-la no endereço deles. O Sr. Simpson disse que você sempre saberia o que aconteceu com eles e que deveríamos pedir a você por instruções. Estivemos tentando contactá-la nos últimos seis meses,” ele terminou.

Eu estava aturdida. Paul confiava tanto assim no meu dom? Se sim, por que eles não confiaram o suficiente em mim e ficaram longe dos campos de batalha?

“Senhorita Stoker?”

“Sim, estou aqui. Sinto muito por não estar disponível, eu tenho estado fora estudando e não recebi as notificações até hoje.” A resposta foi automática enquanto a dor fresca e a culpa pelas mortes me varreram, bem como a medida de raiva.

Por que eles não confiaram em mim?

“Você sabe onde podemos contactá-los? Precisamos fazer algumas mudanças nos patrimônios deles,” ele continuou em um tom de negócios.

“Eles estão mortos.”

O silêncio foi absoluto. Depois de um minuto, tive controle suficiente para continuar.

“Uma bomba atingiu o navio em que eles estavam sobre o Pacífico,” menti por entre dentes apertados. Era difícil admitir suas mortes, mas inventar uma mentira apropriada era ainda mais difícil. Como eu diria a ele que eles haviam morrido comendo refugiados na Alemanha?

“Você tem certeza?” ele engasgou parecendo chocado. “Quando isso aconteceu e como? Como você sabe que eles estão todos mortos?”

Como eu respondo todas essas perguntas?

“Eles me disseram que planejavam ir a Fiji. Eles estavam indo de ilha a ilha no Pacífico Sul, tentando chegar em casa e aparentemente o navio deles foi torpedeado ou bombardeado pelo ar. Foi em julho passado. Quando eles não apareceram em Fiji, eu fiquei preocupada e contactei a companhia de navegação. Eles me informaram do que havia acontecido. Eu não sei ao certo de que eles estão mortos, mas a companhia não encontrou sobreviventes.” Eu disse rapidamente e em tom final, mas não fazia idéia se ele acreditara durante a longa pausa que sucedeu minha explicação precipitada.

“Eu… Eu sinto muito por isso. Eles têm sido clientes valiosos aqui por tanto tempo que nós nunca pensamos que eles poderiam… Só parece que eles nunca nem… Desculpe.”

Esperei no telefone para que ele pudesse recompor seus pensamentos e usei o tempo para limpar os meus. A história era boa e virtualmente impossível de encontrar por causa da guerra, mas as novidades devem ter sido totalmente inesperadas para essa firma. Obviamente, eles já tinham aceitado o fato de que os Simpsons e os Bonaccis tinham vidas muito longas e eu me perguntei quantos deles presumiram que estes ficariam por perto para sempre.

“Você pode vir aqui algum dia dessa semana, Senhorita Stoker?” perguntou um William Trudel apressado. “Precisamos agir muito rápido para acertar os patrimônios deles, até onde podemos dizer você e a Igreja Católica são os únicos herdeiros disso. Quando você pode vir?”

“Quarta-feira,” respondi automaticamente. Minha mente me deixou ver o dia nublado da semana mesmo estando tonta com a nova informação. Eles me deram parte dos bens do clã. Eles pensavam tanto assim em mim.

Eu mal ouvi William me dizer para chegar as sete da manhã enquanto a realização do quanto eles se importavam comigo despedaçava as cicatrizes que ainda se curavam com a perda deles.

O escritório sempre cheirava a papel, poeira e bolor. Mesmo na sala moderna e bem iluminada, o cheiro de coisas velhas pairava em cada peça da mobília. William Trudel era um homem magro, careca, com um cavanhaque branco e era quase invisível atrás dos diversos montes de papéis e livros que estavam empilhados em sua mesa. Parecia que o clã de Paul usara esse escritório por várias gerações de advogados.

Sr. Trudel estava ansiosamente inquieto enquanto tentava entender a impossível informação diante dele. Dois dos advogados mais velhos também estavam na sala olhando inseguros para eles mesmos e limpando suas gargantas regularmente. Eu não estava nem um pouco mais calma do que eles, e ter um vampiro nervoso sentando em uma sala tão apertada apenas exacerbava o problema.

“Bem, por onde começamos?” começou o Sr. Trudel lentamente. “Sr. Simpson e o Sr. Bonacci eram nossos clientes por muito mais tempo do que tínhamos noção.” Ambos os advogados limparam suas gargantas novamente e mudaram de posição levemente.

“Acredito que você tenha usado nossa firma diversas vezes no passado, então sabe que executamos serviços muito incomuns e um tanto clandestinos para nossa clientela?” A declaração foi colocada como uma pergunta. Eu acenei.

“Levará um tempo para determinar o valor total do patrimônio deles, mas posso assegurá-la que o valor está bem dentro de milhões,” ele disse a última palavra com ênfase, mas eu já sabia isso. Eu era a razão de eles serem tão ricos.

“Estou muito ciente de quanto os casais tinham, Sr. Trudel,” eu disse calmamente. Essa parte era fácil. “Eu era sua chefe de investimentos e tinha controle completo das posses líquidas e dos investimentos. Trouxe toda a informação que você possa precisar.” Levei a mão até minha grande maleta aos meus pés.

“Você fez muito bem por eles, então,” disse um dos outros homens. “Eu adoraria te dar algumas das minhas economias,” ele adicionou com uma gargalhada.

Sr. Trudel lançou a ele um olhar rápido e continuou, “Eles têm três casas e várias peças de mobília e arte que são quase impagáveis. Esses itens e os investimentos são o total de bens até onde sabemos. Não acredito que eles tivessem seguro de vida.”

Eu dei uma risada rápida e revirei os olhos para a última parte. Claro que eles não tinham seguro de vida. Eles não estavam tecnicamente vivos.

Um dos advogados estremeceu com a minha resposta.

“Há quaisquer outros itens de valor que você possa nos dizer antes de começarmos a avaliar os bens deles?” perguntou o Sr. Trudel rapidamente. Ele estava com o rosto muito vermelho, e acho que tudo isso era um pouco demais para ele. Ele me pareceu o tipo de homem que gostava de sua realidade segura e chata. Vampiros nãoera uma parte daquela realidade.

“Não, tudo que sei estará em seus arquivos ou nessa pasta. O que eles queriam que fosse feito com as propriedades?” Perguntei-me quão rapidamente eu teria que me mudar.

Sr. Trudel limpou sua própria garganta antes de continuar. “Os bens, exceto por algumas pequenas peças que são para ser dadas para pessoas listadas no testamento, são para serem divididos entre você e a Igreja Católica. Era o desejo deles ser capaz de dar dinheiro suficiente para construção de uma igreja ou monastério. Você fica com um terço de tudo. Você pode escolher uma casa, um terço de arte e mobília e manter um terço das ações financeiras.” Ele riscava cada item da lista com seus dedos enquanto citava cada ponto.

Sentei em silêncio por alguns segundos, uma eternidade para um vampiro, enquanto deixava a informação entrar. Um terço de todos seus bens era uma herança gigante, e muito, muito mais do que eu merecia. Eles me trataram como uma verdadeira amiga e um membro do clã, mas um verdadeiro amigo teria ficado com eles, um verdadeiro amigo teria dado tudo para protegê-los.

Percebi que os três homens nervosos estavam esperando minha resposta. “Isso foi muito generoso da parte deles. Eu não esperava isso de forma alguma,” consegui dizer. Embora os homens permanecessem inconscientes disso, minhas emoções estavam fervendo dentro de mim com o presente desmerecido que me fora dado.

“Pode demorar muitos meses para reaver o valor total dos bens e liquidar as ações. Você pode me dizer qual casa gostaria? Também precisaríamos de uma lista detalhada de que móveis e artes gostaria de manter. Você pode ver isso para nós nos próximos dias?” O Sr. Trudel era todo negócios agora.

“Trarei uma lista completa dos itens que eu escolher até sexta-feira,” prometi.

“Você pode fazer outra coisa para nós?” Perguntou um dos outros. “Temos a lista de nomes dos herdeiros e os itens que Paul e Gregorio legaram para eles. Você poderia juntar os itens e deixá-los prontos para buscarmos?” Ele quase jogou a lista em mim ao invés de chegar perto da minha mão. No topo da lista estava o nome de Vinny. Ele ficou com o Rolls Royce. Não pude evitar de sorrir.

Ivan me ligou naquela noite enquanto eu começava a recolher os itens que foram destinados a vários vampiros e humanos em Nova Iorque.

“Alice? O que é esse aviso que recebemos dos advogados?” Ele foi curto e parecia angustiado.

“Ivan, sinto muito. Tentei te encontrar pelo telefone e então passei aí, mas vocês ainda não estavam em casa. Minha própria voz estava um tanto tensa. Por mais que eu quisesse compartilhar a dor da perda deles, eu jamais tinha dito ao clã de Ivan sobre a morte de Paul. Eu não tinha sido capaz de dizer a eles antes por causa de minha própria dor e porque eu sabia que eles jamais aceitariam a morte de seu lider. Para o clã de Ivan, Paul não era nada menor que um rei.”

“O que isso significa?” Ele estava exigindo agora.

“Paul e os outros morreram em um bombardeio em algum lugar da Alemanha enquanto estavam caçando,” eu disse rapidamente. Eu havia prometido para mim mesma que eu diria a verdade a eles, mas eu não estava tão certa de como fazer isso sem machucá-los.

“Você não sabe isso. Quem quer que tenha te dito isso poderia estar errado.” Raiva começou a repor a angústia.

“O advogado me disse, Ivan.” Eu disse em um sussurro enquanto tentava acalmar meu amigo. “Paul havia criado um sistema pelo qual constantemente contactava a firma a cada mês. Eles não sabem de Paul ou Gregorio ou ninguém há nove meses. Eu os vi sendo atacados, mas eu não sabia que eles estavam mortos até que o advogado me contactou. Eu vi, mas eu não queria que fosse verdade. Eu queria que eles viessem para casa, mas nove meses é muito tempo. Eles teriam encontrado uma forma de contactar a firma em nove meses se estivessem vivos.”

Silêncio.

“Você tem certeza?” Não havia engano no tom dolorido e angustiado agora. Eles eram amigos dele também.

“Sinto muito mesmo,” consegui resmungar. Ouvir a dor dele fez da minha muito pior. “Quando Vasily e Lena estarão de volta?” Eu os tinha visto em Chicago mas não sabia quando eles retornariam, e queria ter certeza de que todos soubessem por meus lábios.

“Eles voltarão amanhã,” ele disse em monotom.

“Eu gostaria de ir ver vocês. Preciso recolher alguns itens para o advogado, mas então irei direto para aí, falar com você e esperar por eles. Precisamos conversar para que você entenda o que aconteceu. Eu tenho que voltar para a escola em alguns dias, mas quero ter certeza de que você e seu clã saibam de tudo, e quero explicar eu mesma.”

“Sim, eu quero falar com você também. Sinto falta de ter você por perto. Você sempre faz a cidade parecer menos cinzenta. Parece que nada será igual novamente depois dessa guerra. Eu acho que você nos disse isso a alguns anos atrás, mas não acreditamos.”

“Eu sinto tanto, Ivan. Queria muito eu mesma te contar, mas eu não sabia onde você estava. Você não devia ter descoberto dessa forma,” eu quase gemi as últimas palavras. Havia falhado com outro amigo.

Passar pelos pertences do clã foi o mais difícil, e esfregava asperamente a ferida que sarava pela perda deles. Eu tive que esquadrinhar a casa enquanto juntava os quadros, livros e mobília que iria para velhos nomes familiares como Chi-Uang, Gerta e Ivan. A maioria dos beneficiários estavam agora caçando em campos de batalha da Europa e da Ásia e não voltariam por um tempo, mas o escritório de advocacia prometeu manter os itens para eles. Nenhum desses homens quereria cruzar com um vampiro, mesmo que um morto.

Assim que cada um dos vinte e cinco itens estavam colocados em frente a porta, fui até a casa de Ivan. Levou-me um dia todo de explicações, mas o clã finamente acreditou que seus amados amigos não voltariam mais. Foi difícil ver a dor deles, mas acho que minha presença ajudou um pouco.

Quando voltei para a casa, fui por cada quarto lentamente, perguntando enquanto isso quais dos itens restantes eu iria querer. Eu sabia que queria apenas aqueles que me traziam boas lembranças. O primeiro que eu sabia que queria o enorme espelho dourado que Annette trouxe com ela da França. Era duas vezes o meu tamanho, mas eu adorava o design barroco intrínseco. Quantas vezes ficamos em frente ao espelho e admiramos um novo modelito ou um vestido de baile?

Enquanto estava olhando para meu reflexo desamparado, uma nova imagem se sobrepôs aquela no espelho. Por um momento apenas, eu estava ali em um longo vestido branco e justo, usando um véu. Foi tão rápido que eu mal pude ver, mas esteve ali definitivamente. Se eu tivesse pulso, estaria super acelerado. Eu tinha certeza de que senti um aperto estranho onde meu coração costumava bater. Tentei por horas recobrar a visão fantasmagórica do futuro novamente, mas só o pude fazer mais uma vez. Então a visão continha não só eu, mas outras duas vampiras. Por um breve lampejo, eu estava novamente no longo vestido branco, mas em cada lado meu estavam Esme e Rosalie, irradiando alegria com o meu reflexo.

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