Singularity - Capítulo 24: Responsabilidade

O verão de 1943 foi sangrento e triste para todos. A guerra continuou na Europa e Ásia, a escassez continuou em casa, e eu fiquei sem amigos. O campus da universidade e da cidade de Pittsburgh eram lugares deprimentes para se estar. Todo lugar que eu viajava era deprimente. À noite, cada rua e casa estavam escuras assim enquanto a cidade estava em condições de black-out para evitar ataques de bombardeios que nunca viriam. Bandeiras estreladas estavam penduradas em quase todas as janelas ou portas, significando uma casa com um soldado que tinha ido para a guerra. Algumas já haviam sido cobertas com o material fino e preto da morte. Cada rosto tinha o mesmo olhar sombrio e determinado. Essas pessoas tinham resistido a Grande Guerra, a Depressão, e agora isto. Quanto poderia uma geração humana aguentar? Fiquei maravilhada com a força dos humanos que eu conhecia.

Para piorar as coisas, eu tinha buscado completamente cada cidade, bairro, aldeia e vila em torno do estado da Pensilvânia e nele também, e eu não havia encontrado o restaurante com brilhantes paredes amarelas e cortinas vermelhas xadrez. Minha busca constante tinha sido para nada, e eu estava irritada e frustrada. Qual foi o intuito das visões se ela não me ajudariam a encontrar um restaurante estúpido?

Até o final do ano letivo, eu precisava desesperadamente de um tempo, então eu decidi voltar para o meu lugar de caça favorito onde eu poderia ficar de mau humor o verão inteiro se eu quisesse. As Montanhas Rochosas se extendiam do Novo México ao Canadá, e eu tinha caçado e corrido sua extensão em meados de junho. Eu precisava correr. Eu precisava ser uma vampira por um tempo.

Eu aproveitei o rochoso e montanhoso deserto do Canadá. Passei meu tempo correndo pelos vales e desfiladeiros ou caçando ursos pardos para tirar minha mente de Jasper. Eu estava pensando em fazer o meu caminho mais para o norte para encontrar alguns ursos polares. Eles deveriam ser enormes. E malvados. Muito malvados. Um urso polar poderia ser bastante divertido. Minhas reflexões foram interrompidas pelo cheiro pungente e agudo da minha presa desejada, então eu me agachei e me entreguei a meus instintos e aproveitei o alívio breve da frustração que a caça trouxe.

O urso que eu encontrei era muito grande, surpreendentemente rápido e rendeu uma boa luta. Eu era mais rápida, é claro, então quando ele se cansou, acabei com a batalha e bebi profundamente de seu sangue, grata pela diversão da caça. Cervos e alces são bons, mas não tem muito gosto de nada, e eles fedem. Não que aquele urso cheirasse muito melhor, mas o sangue era excelente (para um animal), e a luta foi divertida.

Olhei para mim mesma e soltei um suspiro frustrado. Eu iria precisar de novas roupas de caça após essa viagem já que as minhas estavam em farrapos por causa da lutas com os ursos que elas mal estavam apresentáveis. Corri meus dedos nos meus cabelos emaranhados, retirando folhas de pinheiro como eu fiz, e decidi que uma bom e longo banho estaria em ordem também. É claro, a seiva de pinheiro precisaria um óleo para sair, mas água funcionaria por ora. Não havia muita utilidade em me limpar agora se eu estava indo encontrar um urso polar.

Eu me deitei sobre o monte de pêlo que era o urso morto e observei o sol brilhar na minha pele e refletir sobre os álamos e pinheiros. Esta era forma normal para mim, sem ninguém, livre, desimpedida e loucamente sozinha. Enrolei os braços do urso em torno de mim e ri do meu auto-abraço de urso. Eu poderia ficar aqui por meses se eu quisesse, e evitar todos os conflitos humanos e problemas. Eu poderia evitar a tentação constante de corpos humanos. A faculdade era muito restritiva e ser uma vampira era ainda mais. Eu estava cansada da constante queimação em minha garganta.

Suspirei pesadamente para as árvores ao meu redor. Tão tediosa quanto a faculdade era, eu queria muito terminar a minha licenciatura para parar agora que eu já estava quase acabando.

Eu sentia falta da África em momentos como este. Uma boa perseguição à uma cheetah me colocaria em um humor muito melhor.

Minhas reflexões foram abruptamente interrompidas pelo cheiro de outro vampiro. Não, dois vampiros. O cheiro era estranhamente familiar, e eu me levantei na carcaça do urso e comecei a procurar na densa floresta por eles. Demorou apenas alguns segundos para o casal entrar na minha linha de visão. Enquanto eu olhava, o homem e a mulher pararam sobre uma grande pedra e congelaram, olhando para mim. O homem levantou as mãos, palmas para a frente, em um símbolo universal de não-agressão. Eu assenti de volta, e levantei mãos em retorno. Eles se entreolharam com expressões estranhas antes de avançar devagar. Eu tinha visto aquelas expressões antes. Exatamente essas expressões.

Makenna e Charles ficaram olhando para mim com o mesmo olhar incrédulo em seus rostos que tinham no primeiro dia em que me conheceram, o primeiro dia que eu sabia que era uma vampira.

De repente, percebi o que eles estavam vendo. Aqui estava eu, uma vampira de olhos dourados suja e despenteada em pé em cima de um urso morto, usando suas patas como um fantoche mórbido. Eu sorri timidamente assim que eles vieram para a frente, larguei o urso com um baque, pulei e esperei por eles no chão.

“Olá!” eu chamei agradavelmente enquanto ambos encaravam meus olhos âmbar. Então eles olharam para o urso e de volta para mim. Suas expressões familiares e inquisitivas eram bem-humoradas. Eu esperei eles dizerem algo. Demorou um pouco.

“Bem … esta é uma agradável surpresa”, disse Charles lentamente. Eu sorri para eles na esperança de aliviar um pouco o choque de me ver aqui. Eles hesitantemente estenderam suas mãos para me cumprimentar.

“Eu estou muito contente de ver vocês dois novamente. Eu não posso dizer o quanto eu agradeço a ajuda que me deram há muito tempo atrás. Então, o que os traz até as montanhas do Canadá?” eu perguntei na esperança de fazer uma conversa amigável. Poderia ter funcionado se eu não estivesse ao lado de um urso morto.

“Estamos viajando para Vancouver para encontrar uma nova área de alimentação”, respondeu Makenna lentamente. “Temos nos alimentado nas zonas rurais recentemente, mas os clãs remanescentes nas cidades estão se tornando muito territoriais e estão extendendo suas terras muito além das cidades. Quase fomos mortos por um clã que clamou toda Maryland, então depois disso decidimos encontrar uma cidade não reclamada para caçar.”

“Estou muito triste em ouvir sobre isso.” Fiquei bastante chocada com as notícias. “Eu pensei que a maioria de nossa espécie tinha ido embora por causa da guerra. Eu vim de Nova York, e quase todos nós lá foram para a Europa ou Ásia para alimentar. Por que um clã ligaria para dois nômades, quando tão poucos vampiros sobraram?” eu imaginava.

Apenas o clã de Ivan tinha ficado na cidade, e ele teria ido para a Europa se não fosse pela máfia. Ivan e seu irmão tinham se tornado muito apreciadores de humanos violentos e não queriam deixá-los.

“Com apenas um ou dois vampiros em uma cidade, eles podem facilmente monopolizar a população, e muitos deles estão desfrutando demais de sua nova bonança para compartilhar”, declarou Charles amargamente.

“Eu não quero ser rude, mas porque seus olhos estão dessa cor?” perguntou Makenna. Eu sabia que não demoraria muito para que eles perguntassem, então eu disse a minha fala padrão.

“Eu não me alimento mais de seres humanos, porque eu não queria matar mais deles. Eu como animais em vez disso, a maioria veados e alces, mas carnívoros tem gosto melhor, então eu venho para o oeste sempre que posso para me alimentar.” Eu esperei que eles respondessem, mas ambos só olharam para mim.

“É por isso que o urso está aqui?” Charles disse abafado. Ele estava tendo dificuldade em aceitar a minha explicação.

“Sim, eles são muito saborosos nesta época do ano.”

Makenna se aproximou e cheirou. “Não cheira saboroso”, ela afirmou categoricamente. Então ela olhou para a minha roupa rasgada. “É uma forma bastante bagunçada de comer, não é?”

“Só quando eu quero me divertir um pouco”, sorri.

“Ah”, disse Charles. Então, ele limpou a garganta perfeitamente. “Bem, nós estávamos pensando se você sabe se Vancouver está tomada por um clã.” Ele obviamente tinha ouvido o suficiente e queria ir embora.

“Me desculpe, mas eu não tenho idéia. Atualmente eu vou para a faculdade na Pensilvânia e só vim aqui para um período de férias e algumas boas refeições. Não há nenhum clã em Pittsburgh, e a maioria dos clãs em Nova York foram embora, então eu acho que pode não haver um em Vancouver também. “

“Isso seria conveniente”, ponderou Charles. Ele não era um lutador, e ele não queria mais conflitos.

“Você disse que estava indo para a faculdade?” engasgou Makenna depois de um momento. Deve ter levado algum tempo para que as informações penetrassem.

“Sim, eu estou estudando licenciatura em arte e design, em Pittsburgh,” eu respondi com orgulho. Nenhum dos outros vampiros que sabiam dos meus planos tinham a menor vontade de se educar. Na verdade, todos eles pareciam com muito ciúme que eu podia estar tão perto dos humanos por tanto tempo sem qualquer problemas. Pelo menos, eu gostava de acreditar que eles estavam com ciúme. O mais provável é que eles achavam que eu era uma lunática e estavam apenas sendo educados.

“Mas … por quê?” Charles gaguejou. Ele parecia ter escolhido a teoria da lunática. Eu sorri apesar disso.

“Eu gosto de arte, e eu adoro desenhar roupas. Além disso, é uma boa maneira de passar o tempo”, brinquei.

“Não lhe incomoda estar em uma sala cheia de humanos?” Makenna perguntou com um tom levemente alto para sua voz.

“Não se eu sou muito cuidadosa. Eles continuam a me deixar com sede, mas posso ignorar isso por alguns períodos de aula. Quando estou com muita sede eu não respiro ou não vou.”

“Eles não podem dizer o que você é?”

“Não, meus olhos não me entregam de forma alguma e eu não saio no sol.”

“Mas como você pode aguentar a sede constante?”

“Por que não vou com vocês para Vancouver, e lhes digo no caminho?” Eu perguntei. Aquilo seria definitivamente mais divertido do que ficar meditando com um urso morto, e eu ainda podia pegar um pouco mais predadores antes das aulas recomeçaram em setembro.

“Alice, você é ainda a mais estranha vampira que eu já conheci”, afirmou Makenna com as mãos nos quadris. Então, ela sorriu. “Diga-me tudo o que aconteceu desde que nós lhe deixamos no Tennessee. Tenho a sensação de que é uma história muito boa.”

Então eu contei enquanto nós corremos para a bela cidade costeira de Vancouver, e eles reagiram à minha incomum e muitas vezes hilariante história de vida com choques apropriados e ataques de riso. Eles adoraram minhas descrições dos humanos na minha vida, especialmente os professores, apesar da dificuldade em acreditar que os seres humanos poderiam ser tão complexos e interessantes. Foi quase, mas não tanto, como uma reunião de família, e sua companhia aqueceu meu coração de pedra apenas o suficiente para me fazem querer continuar com a minha vida singular e incomum.

Gostei de ver Vancouver com Charles e Makenna, mas fui embora assim que eles começaram a se alimentar da população da periferia. Eu não queria estar perto para ver quais futuros iriam desaparecer. De lá, fui para Las Vegas para me divertir e para ver a celebração do 4 de julho. Fogos de artifício só funcionavam à noite, então passar o quatro de julho com os humanos foi algo que fiz como um hábito há muito tempo. Eu sempre faço questão de ir a qualquer festa que eu posso, mesmo as inflamáveis.

Há uma abundância de ursos polares no Canadá em julho e eles são ainda melhores para comer do que os ursos pardos. A população foi a maior em torno da costa do Nordeste do Canadá, então era onde eu passaria meados de julho. Após uma semana de caça acima do Círculo Ártico, eu fui para o mar para me divertir um pouco. Havia um grupo de baleias assassinas na baía, e eu queria vê-las de perto. Elas não gostavam de mim em suas águas de forma alguma. Após uma passagem rápida, um grupo inteiro se separou, e a perseguição estava aberta. Elas eram quase tão divertidas para perseguir como uma cheetah. Eu nunca peguei nenhuma, eu não gosto de peixe, mas a natação foi revigorante. Alguns dos machos ainda lutaram de volta e eu gostei muito de ser a presa apenas para mudar um pouco. Eu acho que eles se divertiram também.

Eu emergi molhada e feliz depois de perseguir as baleias durante várias horas, e comecei a correr ao longo das pedras da Baía de Baffin para secar minha roupa molhada. Não estava frio, é claro, mas as roupas molhadas são bastante pesadas e teria chamado a atenção para mim, se alguém passasse por perto. Talvez uma viagem de compras em Quebec viria a calhar antes de retornar para a escola. Nova York era a minha principal área de compras, mas várias das lojas no bairro francês eram verdadeiramente únicas. Eu precisava verificar a casa de qualquer maneira, assim eu poderia muito bem gastar alguns dos meus ganhos de Las Vegas em algo bonito. Não havia muito mais para eu fazer com eles.

Antes de eu sair, eu assisti o sol parcialmente se por, em seguida, subir novamente uma última vez. Aqui ao norte do Círculo Ártico, só havia luz do dia com um breve crepúsculo enquanto o sol mergulhava no horizonte. Foi fascinante assistir. À medida que a madrugada chegava, poucos minutos após o crepúsculo, minha mente estava de repente presa no escuro da noite, em algum lugar em um campo de batalha. Eu podia ouvir os gritos das pessoas morrendo nas proximidades. Eu também podia ouvir os grunhidos dos vampiros caçando. A visão da caça era tão forte que apertou minha garganta. As vozes humanas estavam gritando palavras em alemão que eu mal podia entender. De repente, a escuridão em toda em minha direita rugiu em chamas e uma explosão de arrebentar os ouvidos rasgou pelo ar.

“Eles estão se aproximando!” gritou Gregório.

Gregorio!

Eu poderia apenas perceber uma Marianne claramente assustada quando ela deixou cair o corpo de uma jovem mulher.

“Vamos terminar e ir embora. Essas bombas estão se aproximando, e nós não podemos nos permitir ser pegos por elas”, declarou Paul calmamente atrás de mim.

Como se para provar que ele estava certo, um clarão tomou a noite atrás dele, e o som ensurdecedor e uma onda de choque da bomba incendiária devastaram o edifício de madeira que eles estavam. Eu podia ver a forma deles claramente contra a luz. Eles deviam ter encontrado um grupo de humanos se escondendo em algum tipo de construção, porque o chão parecia estar cheio de corpos.

“O que faremos se eles nos pegarem?” Esta era a voz amedrontada de Annette. O bombardeio continuou, e o fogo parecia vir de todos os ângulos.

De quem eles estão com medo?

“Tarde demais”, sussurrou Marianne desde a frente.

De repente, os rosnados dos vários vampiros podiam ser ouvidos sobre o caos da guerra. Eu podia ver formas nebulosas de capuz saltando das janelas e deslizando através das portas.

Sete outros vampiros estavam avançando em meus amigos em algum lugar na Alemanha, e eu era incapaz de fazer qualquer coisa, a não ser assistir. Eu podia sentir um rosnado rasgando do meu próprio peito enquanto eu estava pelas águas árticas incapaz de me mover.

A visão terminou, mas eu queria voltar, e por mais uma vez, meu dom inconstante funcionou. A visão repetiu-se em minha mente, levemente mais clara desta vez. Agora, eu podia dizer que os vampiros invasores usavam algum tipo de manto estranho.

O clã foi para o modo de luta familiar que eu conhecia tão bem, mas até mesmo eles teriam dificuldade de bater essas probabilidades. Eu vi como os outros começaram seu ataque primeiro em Marianne, a mais próxima deles. Gregório saltou para o lado dela, mas mesmo nessa visão torcida, eu poderia dizer que já era tarde demais. Dois dos outros a pegaram antes de Gregorio poder alcançá-la.

Paul urrou de raiva quando Annette caiu atrás dele assim que um oitavo vampiro saltou do teto. Seu grito alto soou como um alarme discordante sobre o som da luta.

Eu ouvi o grito distante da bomba que estava vindo antes que qualquer dos vampiros lutando ouvisse. Eu sabia o que significava, mas eu estava tão congelada como se tivesse me transformado em uma pedra fria. Eles estavam muito empenhados na luta, muito absortos em proteger seu território ou os seus companheiros para ouvir o fogo vindo. Ele entrou em erupção em torno de todos eles em uma explosão violenta que transformou o edifício em um inferno em um instante.

E eu fiquei parada ouvindo as ondas batendo nas rochas abaixo de mim.

Ouvi um grito ensurdecedor rasgar pela calma do Ártico, mas levou parte de um segundo para perceber que o grito de alerta e dor veio da minha própria garganta.

Eu caí na rocha vulcânica, cavando minhas mãos nela para agarrar qualquer coisa. Segurei na terra até que fosse areia negra contra as palmas das minhas mãos, e lutei para trazer de volta a visão. Ela veio, mais clara desta vez, se isso fosse possível. Continuou da mesma forma que tinha antes. De novo e de novo eu trouxe a visão, em busca de outro resultado, e disposta com todo o meu ser que isto ainda não estava definido no tempo. Então, a quarta visão ficou escura. Sem enfraquecer. Sem final. Apenas preto.

Eu procurei e curvei minha mente para o futuro com todas as minhas forças, mas a visão não viria novamente.

Tentei de novo, procurando por eles em um outro futuro, desejando que eles tivessem um futuro de qualquer tipo, mas meus amigos não apareceram na minha mente de novo.

Eu fiquei sobre as pedras por mais quatro dias tentando ter qualquer visão dos meus amigos. Qualquer uma.

Olhei para longe e amplamente, mas não havia futuro que lhes restasse.

Quando o sol mergulhou abaixo do horizonte no quinto dia, levantei-me e fiz meu caminho de volta para Québec. O clã de Paul não existia mais.

Voltei para Nova York em três dias não tendo certeza do que mais fazer. Eu estava na grande sala da casa em Long Island, deixando as ondas de tristeza me lavarem enquanto eu aspirava fortemente o cheiro persistente do meu amigo.

Desta vez, eu sabia o que esperar, o que trouxe pelo menos um pouco de alívio: entorpecimento, raiva, impotência e dor. Cada um veio na sua vez, exatamente como antes. Só que desta vez foi muito pior porque eles eram a coisa mais próxima de uma família que eu já tive. Desta vez, a família não era humana, e deveria ter vivido para sempre. Desta vez, eu deveria ter sido capaz de parar. Desta vez, veio com uma imensa carga de culpa.

As memórias dos meus avisos passaram pela minha cabeça novamente. Enquanto se repetiam, a minha dúvida e culpa cresceram. Eu fiz tudo que podia? Havia outra coisa que eu deveria ter feito? Eu deveria ter ficado com eles apenas mais alguns anos? Talvez, se eu não tivesse vindo de volta para os Estados Unidos quando eu vim, eles ainda estariam vivos. Eu senti como toda minha caça inútil por Jasper tivesse me afastado de onde eu precisava mais estar. Mesmo que eu sentisse essas ondas de culpa, minha mente mais calma sabia que aquilo não era verdade. O clã de Paul tinha escolhido esse caminho por conta própria, apenas como eu tinha escolhido o meu. Eu sabia a verdade, mas não fez diferença para como eu me sentia.

Eu me senti completamente perdida e sozinha. Que caminho devo escolher agora?

Meus olhos fitaram para a mesa cheia de correspondência que eu não tinha aberto. Em algum lugar da pilha, havia avisos de vários tipos enviados pela faculdade para os meus “pais”, a quem eles presumiram que vivesse neste endereço. Entre eles estava um aviso de minha exposição prevista para Maio e notificações sobre vários itens de graduação. No momento, eu não poderia ligar menos.

Eu não tinha certeza de que estaria curada o suficiente para voltar para a faculdade e meus colegas humanos. Emily já tinha começado a melhorar no início do verão, e eu sabia que ela havia retornado ao seu trabalho em junho. Todo mundo falou calmamente sobre sua capacidade de “continuar”, e que, “o tempo irá curar todas as feridas”. Para ela era verdade, mas para mim era uma zombaria da minha existência eterna, que mal tinha começado. Será que todos os vampiros têm tantos problemas em seu primeiro quarto de século de vida? Pareceu que eu estava lidando com mais do que a minha parte.

Eu respirei profundamente, sentindo o leve cheiro persistente uma última vez, e saí da casa para encontrar com o clã de Ivan. Eles sabiam um pouco do que eu era capaz de saber, então talvez eles acreditariam nas minhas notícias. Ou talvez eles simplesmente pensassem de mim como uma lunática. De qualquer maneira, não importa, porque eu simplesmente tinha que compartilhar minha tristeza com alguém.

O clã do Ivan não estava em casa, e eles não estiveram em casa por alguns dias, pelo cheiro. Eu saí para vagar pelas ruas escuras de Nova York, desatenta, ou o mais desatenta possível que minha mente permitia. Eu me encontrei perto da igreja onde eu estive com o clã do Paul, antes da guerra de clãs de 1926, e entrei por falta de lugar melhor para estar. Daqui a pouco estaria amanhecendo, e eu poderia ficar aqui também durante o dia ensolarado de verão. Eu me acostumei a ficar nas igrejas nos últimos vinte e três anos.

Essa igreja estava iluminada apenas por velas tão cedo assim, e o efeito teria assustado um humano, mas meus olhos viam essas sombras vacilantes como adoráveis. Eu fui até a mesa que apoiava as velas, onde as pessoas ofereciam preces para quem quer que eles rezassem. Eu vi Annette e Marianne as acenderem para suas famílias e então rezarem o Rosário diante das chamas diversas vezes. Eu não tinha certeza que isso ajudaria, de fato, eu tinha quase certeza que não ajudaria, mas eu coloquei moedas na pequena caixa de madeira e acendi quatro velas, de qualquer jeito. Enquanto eu assistia as luzes vacilantes, minhas lembranças do clã me inundaram. Eu estava tão perdida no passado que eu não notei o sol crescendo até que ele brilhou pelas janelas de vidros sujos e atingindo meus braços. Brilhos multicoloridos atingiram as paredes ao meu redor me tirando do meu devaneio e me forçando a me mover para um lugar mais afastado.

“Minha criança, você chegou cedo,” disse uma gentil e idosa voz atrás de mim. Eu me virei para ver um velho padre, um que o clã havia ouvido há muito tempo atrás.

“Me desculpe,” eu falei rapidamente. Eu fui mais para a sombra, para evitar qualquer um dos raios de sol que agora derramavam na igreja.

“Eu não queria te assustar, minha criança. Você parece tão só, posso te ajudar de alguma forma? Eu gostaria de te ajudar, se pudesse,” ele disse confortando. Meu rosto provavelmente era um espelho do meu humor.

“Eu vim para rezar e acender algumas velas para alguns amigos que eu perdi na guerra. Não era minha intenção te incomodar.”

“Ah,” ele disse calmamente. “Muitas pessoas se encontraram na sua situação recentemente. Muita gente. Você é membro do meu grupo aqui?”

“Não, mas eles eram. Foi há quinze anos. Eles estavam viajando ao redor do mundo quando a guerra estourou, e eu acabei de descobrir que eles foram mortos.” Eu me senti bem em dividir essa verdade com alguém, e eu supus que o padre deles era uma pessoa segura para se confiar.

“Quais eram os nomes deles?”

“Paul e Annette Simpson e Gregorio e Marianne Bonacci. Eu acendi as velas em honra deles. Eu espero que seja permitido,” eu adicionei. Eu acabei de perceber que o padre não devia pensar que uma vampira fosse a melhor pessoa para acender velas para alguém. O morto acendendo velas para mortos. Era irônico pelo menos.

“É sempre permitido se lamentar e rezar,” ele disse suavemente. “Eu os conhecia, acho. Eles sempre vinham para a missa da meia noite, e eles eram católicos muito fiéis e generosos. Eu sinto profundamente pela perda deles. Você sabe se lhes foram dados uma benção ou uma missa fúnebre?”

“Eu não acho que eles receberam nenhum. Eles foram mortos em um ataque de bombas. Você pode fazer isso por eles? Eu ficaria contente em pagar por isso.” Isso é o que eles iriam querer. Eu podia pelo menos fazer isso por eles.

“É claro, criança, eu vou fazer tudo o que puder por eles. Nós podemos organizar isso mais tarde, mas agora eu quero falar sobre você. Você parece estar muito abatida por essa perda.”

“Eles eram como família para mim,” eu expliquei devagar. Como eu poderia explicar isso corretamente? “Eles me acolheram quando eu não tinha família, e eu faria qualquer coisa por eles. Eu os daria minha vida se eu pudesse.”

“Oh, isso é de fato muito amor. Ainda assim eu acredito que você também se sente culpada pela morte deles,” ele disse e assentiu para si mesmo. “Sim, a maioria das pessoas sente culpa quando um amigo morre. É um tanto normal, mas é a pior mentira possível.”

“A pior mentira?”

“A mentira que sempre diz que você poderia ter prevenido a morte deles, ou mudado o resultado das coisas,” ele disse calmamente.

Minha cabeça girou com as palavras dele enquanto a culpa enchia meu peito. Como ele sabia isso?

“Eu poderia ter impedido que isso acontecesse, se eles tivessem me ouvido,” eu rosnei.

“Entendo.” Ele suspirou e se sentou perto de mim. Ninguém além de Emily tinha feito isso.

“Quando você acredita nisso, você se faz responsável pelos acontecimentos do mundo. Você quer estar no lugar de Deus.”

“Não, não quero,” eu disse sem graça. “Eu sei que eu poderia ter ajudado se eu tivesse feito algo diferente.”

“Talvez sim, talvez não. Uma palavra de alerta ou aviso pode fazer maravilhas, mas não pode mudar tudo. Você poderia ter impedido as bombas de caírem, ou transportado seus amigos para fora do rumo do dano? Não? Assim como o restante de nós, você não está acima do funcionamento do universo, mas sim nele.”

“Do que você está falando?” Eu não precisava que esse homem ficasse falando em códigos comigo agora. Eu sabia o quanto eu estava no funcionamento do universo. Não importava o que eu fizesse para tentar impedir, eu sabia mais sobre o funcionamento do universo do que qualquer um. De alguma forma, ainda assim, essas palavras enigmáticas pareciam fazer sentido para mim.

“Você controla o tempo e o lugar da terra nele?”

“Não, é claro que não.”

“Então porque você assume a responsabilidade de tentar controlá-lo?”

“Você não entende. Eu sei coisas. Eu sei que eu poderia ter salvado eles.” Não poderia?

“Cada um de nós recebemos um tempo para viver e morrer. Como pequenos barcos no vasto oceano, nós tentamos manobrar pelo caminho que nós escolhemos, mas o capitão do barco não pode controlar outros. Nós nem mesmo podemos controlar o vento ou as ondas, ou as correntes. O capitão do barco deve trabalhar com os elementos para velejar, e algumas vezes os elementos alteram o curso dele. Você vê, o capitão do navio nunca tem o controle total, ele apenas acha que tem. Nós todos queremos mudar o mundo e a forma com que ele nos fracassa, mas não podemos. Realmente, é uma perda de tempo tentar. Me diga, você fez o seu melhor para avisar aos seus amigos?”

“Sim, eu pensei que sim, mas não foi o suficiente. Não importa o que eu faça, não é suficiente.” Eu cuspi as palavras com raiva suficiente para fazer a maioria dos homens correrem de medo, mas o padre apenas sorriu para mim.

“Eu também queria mudar o mundo. Quando eu era mais jovem, eu acreditava que eu poderia fazer dele um lugar melhor, e eu tenho, suponho, mas não da forma que eu imaginei quando jovem. Eu fiz o que eu pude.” O velho sorriu com alguma lembrança. “Você não precisa controlar as correntes da história. Você deve apenas deixá-las fluir por onde elas forem e não tentar forçá-las à obedecer aos seus desejos. Todas as coisas acontecerão no momento certo, você tentando alterá-las, ou não. A única coisa que você tem controle sobre é o que você faz. Garantido isso, o universo vai girar como deve, tentando você interferir ou não. Eu estou razoavelmente certo de que Deus não te pediu para se encarregar das coisas,” ele disse suavemente. “Você pode mudar apenas as poucas coisas que estão diretamente em seu controle. Deixe o resto acontecer. Você sabe que isso não é justo, mas o que nós todos podemos fazer sempre é o melhor com o que nos é dado.”

Ele alcançou e tocou levemente meu ombro enquanto eu enrijeci abaixo da sua mão. “Pare de sentir culpa pelo que os outros fizeram. Acredite em mim, você vai fazer o suficiente para sentir culpa por você mesma, você não precisa adicionar nisso o pecado de ninguém.”

Eu ri nervosamente. Ele estava certo na avaliação dele, mais do que ele já imaginou.

“Fique aqui e reze por seus amigos até você se sentir melhor. Venha me encontrar quando estiver pronta, e nós vamos organizar a missa. Fique com Deus, minha criança,” ele disse com um sorriso enrugado. Eu pude ouvi-lo sair para realizar seus deveres da manhã, mas minha mente já estava em outro lugar.

Talvez não fosse minha obrigação proteger aqueles que recusaram minha proteção. Talvez eu não precisasse usar meu dom para fazer o mundo se curvar aos meus desejos. Talvez nem coubesse à mim encontrar o pequeno restaurante com cortinas xadrez e paredes amarelas. Talvez, apenas talvez, coubesse à mim ser o melhor que eu pudesse ser com o que me foi dado. Eu estive tentando por tanto tempo mudar o que já estava programado ao invés de alterar minha própria vida, que era difícil lidar. Eu não era responsável pelo que eu não podia mudar, eu era responsável por mim. Com tudo com o que eu tinha que lutar, isso era realmente suficiente para uma vida eternamente condenada, de qualquer jeito.

Eu me sentei na igreja observando a luz do sol e as velas acesas até o crepúsculo. Eu não sabia se isso era uma prece ou um desejo, porque eu não sabia se Deus ouvia preces de criaturas como eu, mas eu ainda pedi que os quatro vampiros pudessem de alguma forma encontrar uma forma de passar um pé para fora do inferno e para dentro do purgatório. Era apenas uma questão de tempo depois disso.

4 comentários:

Nati Cullen disse...

amei *.*

Miriam_vilela disse...

 muito lindo amei* .*

Estela Ferreira Silva disse...

 Lindoooooo!!!!!!!

Mackenzie Meyer Cullen disse...

Alice é a vampira mais boa que eu já vi...
Eu sempre a admirei mais este capítulo e esta fanfic me fez admirar ela cada vez mais!

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