Purgatório - Capítulo 01: Catástrofe

A Chevy vermelha parou, e Bella desceu fragilmente, como sempre fazia. Saí também do carro, e fui ao seu encontro. Peguei sua mochila e coloquei no banco de trás da picape, deixando-a confusa.

Peguei sua mão e comecei a guiá-la - Vamos dar uma caminhada - minha voz saiu pior do que eu pensava, eu estava mais calmo do que deveria.

Em seus olhos chocolates, vi que ela procurava encontrar algo para dizer que ia ao contrário do que eu estava propondo, mas me acompanhou mesmo assim. A voz que me perseguia desde que eu havia tomado aquela decisão gritava em minha mente. Edward, ainda dá tempo, não faça isso! Mas eu estava decidido a não escutá-la. Faria o melhor para minha Bella, mesmo que aquilo significasse passar o resto da eternidade longe dela. Não deixei que ela protestasse, que eu traísse a mim mesmo.

Não iria levá-la para muito longe. Quando parei, seria fácil ela voltar para a casa depois de eu...

Bella queria ficar perto de mim, e eu não poderia desejar com todas as minhas forças o oposto. Pela sua feição, percebi que havia começado a entrar em pânico; ela sabia que algo muito ruim estava para acontecer. Então faça-me parar!

Encostei-me em uma árvore que se inclinava penosamente para dentro do bosque, no lado leste do jardim. A trilha começaria alguns metros mais à frente, mas eu não iria me dar ao luxo de fazer com que ela se distanciasse da casa suficientemente para se perder. Ela me encarou por menos de um segundo, antes de seus lábios vermelhos se moverem e eu escutar sua voz. - Tudo bem. Vamos conversar - ela tentava se fazer mais corajosa do que realmente estava, mas não me convencia. Ela é tão frágil, não faça isso com ela; a voz insistia, mas eu procurava não lhe dar atenção.

Respirei fundo, inalando o doce perfume que vinha de sua pele, de seus cabelos, de seu sangue, que era bombeado agora rápido dentro de suas veias. - Bella, nós vamos embora. - Ela engoliu em seco, respirando fundo também.

- Por que agora? Mais um ano... - seria tarde demais, completei mentalmente sua frase.

- Bella, está na hora. Afinal, quanto tempo mais poderemos ficar em Forks? Carlisle não pode passar dos 30, e ele agora diz ter 33. Logo teremos de recomeçar, de qualquer forma. - Aquilo era verdade, mas não vinha ao caso. Aquela não era a razão por eu estar torturando ambos com uma separação.

Bella pareceu confusa, talvez estivesse então assimilando minhas palavras. Me olhava, tentando entender. Eu a encarei, suplicante, desejando que a conversa não se prolongasse. Uma ruga se formou em sua testa. Enfim ela compreendeu o que eu havia dito. - Quando você diz nós... - sussurrou.

Engoli em seco. - Quero dizer minha família e eu. - Cada palavra separada e distinta.

Ela balançou a cabeça, como se tivesse tentando organizar seus pensamentos, me causando dor ao lembrar-me de que eu não podia ouvi-los. Como queria poder!

Levou um certo tempo para que ela voltasse a falar, e eu estava com pressa. Não queria ter de fazer aquilo, mas... - Tudo bem - ela disse com uma voz seca e determinada. - Vou com você.

- Não pode, Bella - Me convença a ficar, por favor! - Aonde vamos... não é o lugar certo para você.

- Onde você está é o lugar certo para mim - meu coração gelado foi estraçalhado.

- Não sou bom para você, Bella - era um fato que eu jamais poderia contestar.

- Não seja ridículo - ela implorava, seus olhos brilhando intensamente. - Você é a melhor parte da minha vida.

Mas o que você tem vivido não é uma vida em si, já que eu estou teoricamente morto.

- Meu mundo não é para você - disse de maneira sombria. Me impessa, meu amor, me faça parar!

- O que aconteceu com Jasper... Não foi nada, Edward! Nada! - a lembrança voltou em minha mente, o cheiro do seu sangue, tão convidativo, penetrando na sala.

- Tem razão - concordei. - Foi exatamente o esperado.

- Você prometeu! Em Phoenix, você prometeu que ficaria... - sim, eu o havia feito. Deixe-me cumprir esta promessa!

- Desde que fosse o melhor para você - interrompi para corrigi-la.

- Não! Tem a ver com a minha alma, não é? - Não, tem a ver com a sua mortalidade! Sua capacidade humana de ser feliz! De ficar longe de um monstro como eu! - Carlisle me contou sobre isso, e eu não me importo, Edward. Não me importo! Você pode ter a minha alma. Não a quero sem você... Ela já é sua!

Olhei para longe das árvores, envergonhado. Ela estava disposta a desistir do bem mais precioso que possuía, sua alma, por mim, e eu estava rejeitando-a. Mas era o melhor para ela, mesmo sendo o pior para mim. Voltei os olhos para seu rosto em forma de coração, agora pálido em um pedido mudo de contradição. Porém eu não o daria. Havia só um modo de fazer com que a minha decisão entrasse de vez em sua cabeça: fazendo-a sofrer com mentiras.

- Bella, não quero que você venha comigo. - Pronunciei as palavras de um modo lento e preciso, observando-lhe absorver o que eu realmente estava dizendo. Eu não quero partir!

Demorou alguns minutos para que seu rosto empalidecesse ainda mais. - Você... não... me quer? - disse, fazendo com que uma enorme pedra atingisse-me em cheio. Não era desse jeito, mas teria de ser feito.

- Não.

Ela me observou, sem realmente entender, estava muito confusa. Seus enormes olhos chocolates procuravam um vestígio de o que eu estava dizendo era mentira, mas me certifiquei de que ela não encontraria algum. - Bom, isso muda tudo.

Desviei os olhos para as árvores ao voltar a falar. - É claro que sempre a amarei... de certa forma. Mas o que aconteceu na outra noite me fez perceber que está na hora de mudar. Porque... estou cansado de fingir ser uma coisa que eu não sou, Bella. Não sou humano. - voltei a olhá-la, revelando um centésimo do monstro que eu realmente era. - Permiti que isso durasse tempo demais, e lamento.

- Não lamente. - Sua voz era um mero sussurro. Pude perceber em sua face o estrago que eu estava fazendo. - Não faça isso.

Mas eu lamentava. Lamentava infinitamente. Restava apenas uma coisa para que tudo se perdesse de vez, e pelo bem do meu amor, me senti disposto a faze-lo. - Você não é boa para mim, Bella.

Ela abriu a boca para falar, porém desistiu, fechando-a, e me deixanto curioso em saber o que ela queria me dizer. Enfim conseguiu pronunciar. - Se... é isso que você quer.

Assenti uma vez, inconsciente das minhas ações. Precisava que ela não se colocasse em perigo, como ocasionalmente fazia. - Mas gostaria de lhe pedir um favor, se não for demais - disse.

Bella baixou a cabeça. - O que quiser - prometeu, a voz um pouco mais forte.

Minha boca salivava com as juras de amor que eu queria fazer à ela, mas que iriam trair minha decisão. - Não cometa nenhuma imprudência, nenhuma idiotice. Entende o que eu estou dizendo? - Ela assentiu, e me senti incrível e estranhamente melhor. Não podia deixar que ela soubesse minhas reais intenções. - Estou pensando em Charlie, é claro. Ele precisa de você. Cuide-se... por ele.

- Vou me cuidar - sussurrou, me fazendo relaxar um pouco.

- E, em troca, vou lhe fazer uma promessa - a dor invadiu meu peito como uma correnteza, fazendo os pedaços do meu coração frio e partido serem levados por ela. - Prometo que esta é a última vez que vai me ver. Não voltarei. Não a farei passar por nada como isso novamente. Você poderá seguir sua vida sem qualquer interferência minha. Será como se eu nunca tivesse existido.

Bella pareceu estar passando mal, e tive cerrar os dentes para não segurá-la em meus braços protetoramente. Sorri de leve, tentando fazer com que a ideia de que ela encontraria alguém que a merecesse penetrasse em minha cabeça. - Não se preocupe. Você é humana... Sua memória não passa de uma peneira. O tempo cura todas as feridas para a sua espécie.

- E as suas lembranças? - perguntou. Parecia que havia algo preso em minha garganta, como se eu estivesse sufocando.

- Bem... não vou esquecer. Mas minha espécie... Nós nos distraímos com muita facilidade - menti. Me afastei um pouco dela, preparando a mim mesmo para a despedida. - Acho que isso é tudo. Não vamos incomodá-la de novo.

- Alice não vai voltar - falou ela, quase inaldivelmente.

- Não. Todos já foram. Fiquei para trás para lhe dizer adeus.

- Alice foi embora? -Sua voz descrente era inexpessiva.

- Ela queria se despedir, mas a convenci de que uma ruptura sem trauma seria o melhor para você.

De repente ela começou a respirar com mais dificuldade, como se tivesse lembrado de algo com as minhas palavras. - Adeus, Bella - disse antes que fizesse algo imprudente.

- Espere! - Bella andou cambaleante ao meu encontro, tentando me alcançar. Por um milésimo de segundo eu também iria tocá-la, mas, ao invés disso, minhas mãos se fecharam em seus pulsos e prenderam-nos ao lado de seu corpo. Me inclinei e beijei sua testa. Bella fechou os olhos, e aproveitei aquele momento para ir antes que ela abrisse.

- Cuide-se - sussurrei, a pele quente me fazendo desejar não ir embora.

Mas eu tinha que ir.

* * *

Eu estava entorpecido. Não ouvia, não via, muito menos sentia o que estava à minha volta. Eu era um apenas corpo que corria velozmente para longe da minha felicidade, do sentido da minha existência, para longe de tudo o que eu mais prezava, longe do meu amor, longe da minha Bella.

Enquanto corria, peguei o celular que tocava em meu bolso e o despedacei com as mãos. Não ia voltar para casa como deveria, estava envergonhado demais para fazer isso. Iria para longe de Los Angeles, e esperava que Alice não contasse minha decisão a ninguém. Não queria um familiar perto de mim quando eu nem mesmo sabia se eu era realmente eu.

De avião demoraria muito, e eu precisava me manter ocupado. Portanto continuei correndo por dias, sem pensar. Minha cabeça estava a mil, impondo que eu voltasse e desmentisse tudo o que havia dito, mas era tarde demais. Mesmo para mim.

As florestas não terminavam, as estradas não terminavam, apenas continuavam, indo até além da linha do horizonte.

SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO

JANEIRO FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO JUNHO JULHO AGOSTO

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Eu não estava consciente, mas assemelhava tudo o que me diziam, e respondia, sem ao menos saber o que estava falando. - Edward! - alguém falou ao longe, mas eu não me movi. De repente duas mãos brancas tocaram meu rosto, e eu pisquei.

Bella?

Não.

Era Alice.

Dizia coisas que eu não escutava, a única coisa que eu distinguia no mar de palavras era meu nome, múltiplas vezes mencionado, por sinal. Ela devia estar falando comigo, mas eu não tinha forças suficientes no momento para mexer a boca e responder. Não me alimentava desde aquele dia terrível.

Severos pares de braços me levantaram, e minha visão focou por um segundo. Sabia que todos os outros estavam ali, mas não entendia o motivo.

Carlisle se encontrava do meu lado esquerdo, e murmurava algo que chegava sem som aos meus ouvidos. Eles me carregaram para longe daquele lugar sujo e nojento onde eu estava, levando-me para algum outro lugar.

Depois de não sei quanto tempo de escuridão, com algum esforço, minha visão ficou nítida novamente, e eu me encontrei em um quarto com várias janelas amplas. O sol invadia-as. O som finalmente voltou e declarei a mim mesmo que fora alimentado. Qual era a razão de tudo aquilo? Eu possuía bilhões de perguntas que nunca iria saber responder.

Comecei a agir automaticamente, e não me importava. Quaisquer que fossem os anseios da minha família ao me levar para perto deles, eu não os atingiria por vontade própria, porque não tinha sobrado alguma.

Voltava para o canto do quarto e ali permanecia até que alguém desse por minha falta, o que infelizmente ocorria com frequência. Não queria nem estar ali, em primeiro lugar.

Eu não declararia que existia, pois eu cumpri minha promessa, aquele robô não era eu, e eu não fazia ideia de quem fosse.

O único pensamento em minha mente era aquele momento em que coloquei tudo a perder.