17 de abril de 1961
Faz apenas três dias que saí da casa de meus pais, a minha antiga casa. Agora ela está nas mãos de meus pais, unicamente deles. Eu não quero herdar nada. Nada que me lembre de meus pais. Nada de meu passado. Nada!
Tudo acabou, e uma vida nova está começando. Aliás, começou há três dias.
Caminhei por estradas de terra – não quis visitar muito as cidades, creio que eu tinha medo da grandiosidade delas. Quanto mais o tempo passava, mais elas pareciam crescer como se fossem pequenos brotos em terra arada, rica.
E pelas estradas de terra, eu conseguiria encontrar mais fazendas – mais ranchos, como percebi que todos gostam de chamar –, onde o povo local era mais simpático e acolhedor a certos visitantes – e isso eu digo me referindo aos cowboys, aos peões que vivem brigando por pouca coisa.
Caminhei por muitos quilômetros, passei por muitas fazendas, conheci muitas pessoas. Todos que conheci me ajudaram. E olha que eu nem fiquei muito tempo conversando com elas, apenas por alguns minutos, talvez dez.
Eu apenas dizia que estava de viagem, de livre vontade, curiosidade. As pessoas me chamavam de viajador corajoso, de inteligente, até de rico me chamaram. Eu não podia acreditar, eu estava procurando formas de chegar à guerra, e eles me chamam de rico? Por essa eu juro que não esperava.
Em poucos minutos eu ganhava comida, algumas roupas vez ou outra, e ainda, se tivesse sorte, encontrava um local onde eu poderia passar a noite confortavelmente. Por estes três dias, eu tive esta sorte.
Ok, não tão confortável como se eu estivesse em minha cama, mas eu dormia em camas, não no chão duro e gelado. As camas eram de antigos criados que não a utilizavam mais, ou então, como na última noite, a cama do quarto de hóspedes.
Mas, Deus, como havia tantos mosquitos por ali! Em todos os outros locais havia alguns, mas não tantos como ontem, naquela fazenda exatamente. Devia ter um lago, uma lagoa, um poço, sei lá, por perto, caso contrário não haveria tantos mosquitos assim...
Mas eu estava feliz assim. Não precisava de mais do que isso, de alguma cama, e ela não precisaria ser de hóspedes ou ser muito boa. Apenas o suficiente para mim conseguir pregar os olhos. Eu estava bem com este pouco. E estava grato pelo que eu estava recebendo.
Passei por várias cidades, e minha intenção era continuar a encontrar muitas outras ainda pela frente. Eu estava ansioso por isso.
A paisagem que eu via pelo caminho era quase sempre a mesma. Solo seco, rachado em algumas partes – havia lugares em que a chuva do inverno havia passado e ido embora rapidamente. Normalmente, por estas áreas, se chove mais no inverno, e o nosso verão é, em alguns lugares, extremamente seco.
Bom, eu acho que não havia percebido, mas eu também gostava de Geografia. Principalmente a deste Estado, o Texas.
O tempo nesta época do ano estava bom. O céu limpo com apenas alguma nuvens, afinal de contas, o inverno já tinha passado. Estávamos perto do verão já!
Não vi muitos animais pelas estradas, apenas os de costume: cavalos levando carroças e carruagens, alguns cachorros e gatos perdidos, caminhando solitariamente – assim como eu.
Muitas das fazendas que encontrei eram bonitas, tinham lindas casas. A terra que lhes proporcionava conforto, também lhes proporcionava beleza. Em certos locais, eu encontrei árvores muito altas, delgadas. E em algumas delas, até pude ver algumas flores nascerem. Nelas, de vez em quando, alguns pássaros, abelhas ou borboletas.
Da terra, muitos tiravam o sustento da família também, como o alimento para o gado ou o algodão. Meu pai tinha plantação de tudo o que desse certo no solo, todo o tipo de alimentos. Lembro-me dele já ter tentado café, pomares, verduras, mas o que mais dava certo mesmo era a cana-de-açúcar num canto do terreno, e no outro, algodão, assim como a maioria das fazendas do Estado.
Os povos residentes na maioria das fazendas – ranchos, acho que está na hora de falar como todos falam –, eram sempre acolhedores comigo, simpáticos, benevolentes. Eu lhes contava minha história – não toda, apenas partes sutis – e eles apenas a ouviam como se fosse o passatempo preferido de toda a família.
Eu não tinha coragem de contar-lhes toda a minha história, todo o meu passado. A história de um menino que perdeu o irmão quando pequeno, depois perdeu a infância, perdeu dois casamentos e que acabou de perder a realidade da sua vida por prendê-la na casa de seus pais não é – e nunca deverá ser – algo a se contar para alguém.
Eu continuava andando, e eu nem sabia que horas eram exatamente agora. Apenas imaginava mais ou menos pela vista do céu, pela posição do Sol – eu devo agradecer a Berry por ter me ensinado bem Geografia quando tudo isso acabar, quando a guerra e minha rebeldia acabar. Eu devia a ela – e creio que a outros também, mas eu não quero pensar nisso por agora.
Continuo andando, o sol castigando os pobres que estão abaixo dele. Como eu. Eu estava com um chapéu do dono da última faz... rancho em que passei a noite. Sua mulher me entregou dizendo que mesmo se eu o usasse por cinco minutos, eu ainda o usaria por mais tempo que seu marido já o usou. Ele tinha uma cor marrom escura, mas não quase a preto, pois se assim fosse, meu cérebro já teria virado carne assada ao vapor, bem lentamente.
Mas ele era perfeito, me protegia dos raios diretos do Sol. Minha nuca e meu pescoço também não eram atingidos por conta da proteção do chapéu. Aliás, eu deveria aparentar muito como um cowboy agora, só que bem vestido, pois eu estava com camisa e calças claras (a calça nem tanto), um lenço amarado ao pescoço (não só para me proteger do calor, mas para puxar rapidamente para o nariz e a boca se houvesse muito vento – e respirar com areia entrando em seu nariz e garganta não é uma sensação muito boa, muito menos saudável), um sapato que era resistente e não me incomodava muito e o chapéu.
Eu estava confortável do jeito que estava, apesar do calor e uma pequena mochila com alguns dos meus pertences mais necessários.
Eu estava ficando cansado. Parei sob a sombra de uma grande árvore a beira da estrada, não soube reconhecer quais seriam os frutos que ela oferecia, apenas deveriam ser muito saborosos pela grandiosidade da árvore – ou talvez ela nem desse fruto.
Percebi que agora deveria ser entre uma e três horas da tarde, pois o Sol não estava mais a pino como antes. Deus, como eu estava cansado. Na próxima, eu deveria pegar um trem. Sim, um trem! Porque não?
Por enquanto, eu estava sofrendo percorrendo a pé as distâncias até alguma cidade que eu sabia que haveria alistamento para o exército Confederado. Estas estradas nem eram muitos boas, pois passavam por elas muitos cavalos e carroças, o que deixava a terra muito presa ao chão – quando chovia, raramente as estradas viravam barro móvel, daquele modo em que você pode pegar com as mãos. A água apenas escorria para os cantos.
Muitas das mais utilizadas atualmente, pelo menos por esta região Sul/Sudeste do Texas, eram as construídas pelos antigos habitantes (mexicanos) e exploradores (espanhóis) da região. De início, elas foram abertas pelos espanhois apenas como meio de entrada e conhecimento do território, do Estado, mas depois elas acabaram por se tornar as vias mais usuais para alguns habitantes da região, outros exploradores, enfim, todos.
E há pouco tempo, cerca de dez anos, a primeira ferrovia foi implantada no Estado. Eu nunca andei de trem, mas soube pelos que já andaram ou a viram que ele é um veículo muito rápido e potente. E consegue cumprir rotas em curto espaço de tempo. E isso me seria muito útil.
Só havia um detalhe: eu precisaria achar um trem que passasse numa cidade próxima e que me levasse a uma cidade em que haveria o alistamento. Dinheiro eu tinha, o que não tinha era pé o suficiente para procurar as linhas por toda a região. Isso demoraria dias, semanas talvez.
Desanimei com a ideia, então resolvi acabar com a preguiça e o cansaço e retomar a caminhada. Em breve eu encontraria outro rancho, ou cidade. Eu espero...
2 comentários:
tah muito boaa !! =)
Tão linda essa fic, eu já li em outro blog, mas amei muuuito!
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