Solitário - Capítulo 14: Treinamento

Cheguei a um monstruoso galpão. Havia soldados guardando a sua entrada, o que me fez perceber que eu havia chego ao lugar certo.

“Boa tarde, senhores. Sou Jasper Whitlock, voluntário para a guerra” me apresentei aos soldados, eu queria entrar, eu precisava entrar.

“Um minuto, com licença” um soldado me disse, saindo de minha frente para pegar uma ficha de papel. Com certeza eles não estavam bem treinados, o soldado deixou a porta quase que livre para pegar apenas uma ficha. Se eu resolvesse atacar, se por acaso eu fosse um infiltrado, tudo seria dominado com rapidez e tranquilidade.

Perdi a noção do tempo que esperei para que o soldado voltasse. Esta organização não faz jus ao nome, não está organizada.

“Seu nome e idade?”

“Jasper Whitlock, vinte anos.”

“Quantos anos, me desculpe?” – creio que ele não estava confiando em minha mentira...

“Vinte anos” lhe respondi, o mais simpático possível. Carisma fazia a diferença nessas horas de mentira. “Sei que não é isso o que aparenta senhores, mas é a verdade. Sou de Houston, eu poderia enviar uma carta ao meu pai para que ele comprove a minha idade.” Eu sabia que dar-lhes mais informações o fariam acreditar em mim, afinal, pais são pessoas que não esquecem facilmente dos filhos.

Depois disto, o soldado aparentou confiar em mim. Não havia razão para que ele desconfiasse de mim, eu tinha altura e feições adultas o suficiente para passar por alguém de vinte anos. Minha seriedade, minha segurança em dizer aquelas palavras “voluntário para a guerra” também deram reforço ao meu disfarce.

“Está tudo bem, soldado Whitlock. Seja bem vindo. Espere ali no canto junto com os demais.” O que era isto? Boas vindas? Creio que estávamos em guerra, não dando uma festa, uma comemoração. Guerras são conhecidas por desespero, mortes, perdas de familiares, entre vários outros terrores, não por festas. Boas vindas? Como eu já disse, estes devem ser os que receberam o pior treinamento de todos.

Camuflei a minha face de repugnância com apenas um sorriso de canto. Tentei-o fazer parecer sincero, apesar de ser falso, muito falso. Assim como eles.

Entrei no galpão e reparei que havia mais alguns rapazes, todos aparentando ter mais de vinte anos. Alguns estavam sentados no chão num canto perto da parede, outros estavam andando de um lado para o outro, impacientes.

Cheguei até eles e fiquei parado perto de alguns.

“Boa tarde. Vocês também são voluntários?”

Um jovem de pele, cabelos e olhos morenos me respondeu.

“Sim, e estamos aqui esperando pelo tenente. Ele já veio aqui antes falar conosco, mas precisou voltar. Antes de ir, disse que assim que completássemos dez, ele iria retornar para que pudéssemos receber um breve treinamento com o armamento e conhecimento da situação das tropas confederadas.”

“Já somos dez, idiota. Só precisamos esperar agora o excelentíssimo criar a vontade de tirar a sua grande bunda da sua cadeira de lá de cima.” Eu nem tinha reparado nas pequenas salas que estavam suspensas por canos, tubos de ferro. Haviam poucas, e pelo que percebi, deviam ser exclusivas dos soldados de alta patente.

“Sim, mas a minha vontade já nasceu há muito mais tempo do que a sua, soldado vagabundo. E não me insulte novamente” – oh ow, este era o tenente e ele havia ouvido o que o outro jovem havia dito. O senhor de antes já havia começado mal. “Eu sou o tenente Coltrane, e exijo respeito de meus inferiores” ele disse olhando para o indivíduo que o insultou.

“Qual seu nome rapaz?” o tenente perguntou ao rapaz.

“Julio González” ele disse, envergonhado.

“Pois bem, soldado González, fique sabendo, e isto serve a todos os demais, que todos os soldados, sejam voluntários ou oficiais, respeitam-se mutuamente. Ofensas por pessoas ignorantes e desobediência não serão aceitos neste batalhão, e caso não estiverem satisfeitos com estas regras, sintam-se livres para irem de encontro aos nossos inimigos.” Percebi que, na verdade, nós não estaríamos livres tão simplesmente assim para irmos até os inimigos. Sofreríamos antes disto.

“Vocês tem alguma pergunta? Algo que queiram saber em especial antes de irem para o treinamento? Vocês tem tempo para desistir ainda...”

Olhei para os demais, todos com cabeças abaixadas em sinal de respeito – também, depois deste início, duvido que algum deles seja “voluntário” para mais perguntas.

“Ótimo, soldados. Agora, qual o nome de todos vocês?”

Um ficou olhando para o outro, esperando que alguém corajoso o suficiente para enfrentar o tenente. Estes senhores não são corajosos o suficiente, até parecem que estão aqui indo para uma festa – devem ter ficado perto demais dos soldados da portaria.

“Jasper Whitlock, senhor” – já que ninguém tinha coragem o suficiente, eu teria. Adoro desafios, a adrenalina de ir contra algo superior a mim.

“Bom rapaz, o senhor me parece, soldado Whitlock” o tenente me disse – sem querer, ele estava inflando meu ego. Eu gostava de ser o favorito. Carisma. Era apenas disso do que eu precisava, e eu teria tudo.

“Muito obrigado, senhor.” Apenas acenei com minha cabeça, e em seguida olhei para os demais, esperando o próximo a se apresentar.

Mas demorou, pelos menos uns dois minutos se passaram, até eu ouvir a expiração impaciente do tenente Coltrane. Apenas olhavam entre si mesmo assim, e o tenente então disse:

“Seus incompetentes, se tem medo de dizer o próprio nome, como é que pensam que vão encarar armas e inimigos? Vocês irão combatê-los como? Com conversinhas, jogos? ISTO NÃO É UMA BRINCADEIRA! Os que estiverem achando isso, cai fora já...”

Acredite ou não, três homens saíram de cabeça baixa. Sim, creio que estavam achando que era brincadeira.

“Ok, mais alguém?” o tenente perguntou.

“Cristiano de La Salle, senhor.”

“Ótimo, mas é uma pena ter demorado tanto. Mais alguém?”

“Rafael la Mano, senhor.”

“Gabriel Sael de La Salle, senhor.”

“Marcos Santana, senhor.”

“Julio González, como o senhor já bem sabe, senhor.”

“Tudo bem, demoraram, mas pelo menos se apresentaram. Parece que a coragem de vocês está escondida atrás da vergonha. Só espero que ela também não se esconda durante a batalha” o tenente disse confrontando a todos, espero que não a mim... “Vamos, vamos para lá fora. Eu mesmo darei a vocês uma breve aula de tiro. Me sigam” ele se virou para sair, mas parou rapidamente e tornou se a virar para os soldados, “ou vocês tem vergonha de o fazer isto também?”

Todos discordaram com apenas um sinal, o que fez com o tenente tornasse a se virar e sair. O segui rindo, toda aquela situação estava sendo divertida para mim por enquanto.

Fomos até o que creio que fosse o quintal do lugar, mas um quintal adaptado, com algumas elevações propositadas no terreno para benefício do tiro ao alvo. Ao longe, um grande boneco de palha e folhas secas amarradas a uma madeira.

Ele nos posicionou lado a lado no chão em que estávamos sentados, apenas como medida de segurança – creio que ensinar sete soldados que não tinham noção alguma de armas era um árduo trabalho, portanto, qualquer tipo de segurança era muito bem vindo –, e nos entregou as armas. A minha direita, Rafael la Mano, de meu outro, à esquerda, Julio González, o “vagabundo”. O tenente Coltrane nos deu as informações necessárias: nos ensinou a desmontar, limpar, montar e atirar com um Calibre 38, com uma Winchester (ambas de cano curto) e com uma espingarda (de cano longo).

Ao fim da falação do tenente, ele nos permitiu treinar alguns tiros no nosso alvo, o boneco que parecia um espantalho.

Julio, ao fim de todo estes complicados procedimentos, virou-se para mim e disse:

“Eu sou um grande atirador. Meu pai já foi um cowboy e me ensinou como atirar. Atiro com estas armas há muito tempo...” E todos os que escutaram o que ele estava dizendo se espantaram, menos eu. Eu sabia que ele estava blefando.

“Mesmo, senhor?”

“Sim, claro.”

“Mas acontece que eu sei que senhor está mentindo!”

“Como ousa falar comigo deste modo? Não me ouviu dizer que sou filho de um cowboy?” ele disse, incrédulo, tentando soar como confiante.

“Sim, o ouvi sim, senhor.”

“Então por que insiste em desconfiar de minhas habilidades? o sangue de peão corre em minhas veias!”

“Eu insisto por que o senhor insiste em segurar errado a arma. E pelo que sei, não há vários modos de se segurar uma arma corretamente.” Neste momento, o tenente veio até nós silenciosamente – ele estava atrás de nós para avaliar os nossos tiros – e ficou apenas nos escutando, resolvendo o momento certo de interferir; mas pelo que percebi, esta hora iria demorar um pouco, ele estava gostando de nosso diálogo.

“Não estou segurando errado!”

“Logicamente, está. O tenente já nos ensinou o modo certo, e você o faz ainda assim errado. Creio que ele tenha sido bem claro em suas afirmações.”

“Claro que foi, mas eu aprendi assim, não irei contra meu aprendizado.”

“Eu iria contra, até mesmo se EU fosse um cowboy. E, aliás, se seu pai foi cowboy, como é que você não aparenta ter nenhum ferimento pelo corpo?”

“Como assim?”

“Para você ter aprendido com seu pai, você deveria acompanhá-lo em suas viagens. E, além disso, sua vida não deveria ter sido tão simples assim para deixar tão facilmente a sua vida antiga. Quero dizer, bebidas, dinheiro em jogos, mulheres. Homens não deixam isto para trás tão facilmente.”

Ele ficou mudo, ou não sabendo o que dizer por saber que sua mentira estava caindo, ou por que eu estava acertando e mexendo com seus sentimento mais enraizados, mais profundos.

“Além de que, se fosse realmente um cowboy, se tivesse realmente sangue de cowboy correndo em suas veias, não teria esperado eu falar tanto contra você. Um cowboy de sangue já me teria feito de peneira há muito tempo.”

Ele ficou pasmo, sua mentira totalmente desmentida. O tenente, percebendo que eu já havia terminado meu discurso, interviu.

“Acalme os ânimos, soldado González” – ele não estava nervoso, nem bravo, nem nada, senhor. Apenas estava quieto, pálido com o que lhe afirmei. Não o conhecia, mas mesmo assim, eu soube lhe dizer mais de si mesmo do que ele próprio gostaria saber. – “o soldado Whitlock tem razão. E estamos aqui para aprender, se prefere não aprender, ainda tem a chance de fugir vergonhosamente. É o mínimo que pode fazer depois de tantos vexames.”

“Sim, senhor. Obrigado, mas prefiro ficar por aqui” Julio disse, coberto por vergonha.

Viramos para frente, encontramos nossas armas já prontas para o tiro e começamos o treinamento ao alvo. Atiramos – eu acertei vários, errei muitos, mas não menos do que os demais – e depois o tenente os liberou para treinarmos até o fim das balas que havíamos ganho.

Poucos minutos depois, Julio veio até mim, ainda que estivesse ao meu lado, e sussurrou para mim:

“Desculpe, senhor pelos meus modos. Não o fiz por mal. Perdona-me!”

“Sim, tudo bem. Está perdoado.” Eu não tinha motivos para não o perdoar, seria bom ter um companheiro – mesmo que falso – na guerra, alguém a quem eu pudesse recorrer se me fosse necessário.

“Obrigado. Qual seu nome mesmo?”

“Jasper. Prazer em conhecê-lo.”

“Muito prazer. Julio, sou de La Porte, e o senhor?”

“‘Você’. Por favor, não perca tempo me chamando de ‘senhor’. ‘Você’ me deixa mais confortável.” Ele consentiu. “E sou de Houston.”

Ele ia responder, mas fomos interrompidos pelo tenente.

“Soldados, estão liberados. Peguem suas armas e seus instrumentos, entrem no galpão e encontrarão um outro soldado que os levará até um pequeno quarto que vocês dividirão.” Todos pegaram seus pertences e se levantaram, já indo em direção a porta. No caminho, ouvi: “Soldado Whitlock, por favor, me acompanhe!”

Apenas o segui, e percebi que estávamos indo à sua sala. Entramos e ele fez sinal para que eu me sentasse na cadeira em frente à sua mesa. Ele estava sentado atrás, aparentemente inflexível, mas eu não havia feito nada de errado. Havia?

“Soldado Jasper Whitlock, o senhor tem carisma na presença, e segurança no que diz.” Ele pausou, e eu aproveitei.

“Fiz algo errado, senhor? Pois não vejo algo errado com o que disse ao soldado Julio González.”

“Não, soldado. Fez muito bem. Só lhe chamei por que acho que o senhor tem um grande futuro, o senhor vai longe soldado. Muito longe. Aliás, pela sua coragem, soube que haverá uma frente de batalha em Galveston. Gostaria de atuar lá?”

Por esta eu não esperava. Meu carisma estava me favorecendo tanto atualmente, nunca gostei tanto dele como estes últimos dias. “Claro, senhor. Eu gostaria muito de ter esta honra, mas, o senhor já tem data? Não estou pronto ainda, preciso treinar, me preparar muito ainda.”

“Não te preocupe, rapaz. É apenas uma estimativa que o tenente da operação High Island está se preocupando em fazer, pois ele acredita que o litoral do Sul está muito mal protegido. O litoral representa perigo para nós sulistas, ele, sem proteção, oferece uma grande rota até todos nós. Mas não te preocupe, por enquanto ainda estamos com o foco da luta nas frentes entre Estados, na divisa entre os Estados mais ao centro do país.” Fiquei mais tranquilo, mas se fosse preciso, eu iria seja onde estivesse este lugar. “Como o senhor se saiu tão bem neste primeiro dia, eu mesmo irei treiná-lo nos demais dias. O senhor terá um treinamento especial, diferente, além dos demais soldados. O senhor vai longe, soldado Whitlock. O senhor vai longe.”

Sim, eu literalmente iria longe, Galveston estava um pouco longe daqui, mas agora não era hora de fazer brincadeiras. E isso se o tenente não me mandasse para High Island junto do outro tenente. Mas isto estava se tornando prazeroso para mim. A falta de organização não me afetava agora.

“Obrigado pela confiança, senhor. Eu agradeço imensamente as suas palavras...”

“Não são só palavras, soldado. São planos, e são planos que eu espero concluí-los em breve.”

“Obrigado, senhor. Obrigado.” Neste momento, apenas agradeci, não soube o que mais fazer ou falar.

“Não agradeça, me sinto honrado em ensinar o senhor, um soldado tão jovem e tão talentoso. Precisamos de heróis como o senhor, soldado: corajosos, audaciosos... espero que se instale e se adapte rapidamente neste galpão, não demoraremos a ficar muito por aqui, em breve nos mudaremos. Treine o quanto achar necessário, terá meu apoio incondicional.”

“Mais uma vez, senhor, obrigado. E, me desculpe, mas não me impeça de agradecê-lo, pois sei que sou muito sortudo por ter o apoio do senhor, então, muito obrigado.”

“Tudo bem, muito obrigado também, então. Agora, considere-se livre, soldado. Vá arrumar seus pertences ao lado de sua cama. Um soldado está explicando aos seus companheiros os procedimentos de rotina daqui, mas não se preocupe, não está perdendo muito. Mas, mesmo assim, receberá as informações. Agora vá descansar, amanhã teremos um cansativo dia.”

Concordei com o tenente, me levantei e saí de sua sala. Fui até o dormitório, recebi as informações na qual concordei com todas – eram apenas a favor da ordem no local – e fui me adaptar ao meu novo lar.

Fiquei com a cama superior do soldado Julio, ele havia a guardado para mim, me perguntando, ao chegar, se eu via problemas em ficar com a parte de cima da cama. Respondi-lhe que não, e então saímos para nos enturmar mais, conhecermos mais uns aos outros. Isto ajudaria no campo na batalha, o local pelo qual eu mais estava ansioso.

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