Estávamos quase chegando segundo nossos motoristas, os soldados Gabriel e Marcos. Eles se atualizavam de tempo em tempo conferindo nossa posição no mapa – eles eram os melhores em posições geográficas.
Faltava muito pouco para chegarmos à baía ou à Tiki Island, onde teríamos que pegar um barco, uma balsa, seja lá o que fosse preciso para chegarmos até Galveston.
Mais alguns minutos, e eis que chegamos a uma praia. Esta praia, que por acaso não sei dizer qual seria seu nome, era extensa e repleta de uma areia clara, fina. Deu até vontade de parar para uma caminhada e um banho no mar, mas estávamos na guerra, não tínhamos tempo para brincadeiras.
Porém, mal percebi que tínhamos parado, e enquanto eu apenas me repreendia psicologicamente, para onde foram todos? Adivinha! Para onde eu estava me repreendendo. Estavam todos correndo pela areia, sentindo a maciez ao toque, a sensação de afundar o pé e sair correndo como se sentisse uma corrida amortecida. Outros já estavam uns passos adiantes, se esbaldando na imensidão azul do mar.
Não resisti! A vontade de ir até lá tinha uma força superior a que tentava me barrar. E se eles podiam, eu também poderia fazer o mesmo.
Desci correndo do jipe e fui me divertir um pouco, até por que um homem não vive apenas de trabalho sério, mas como de descanso, divertimento também. E por meu trabalho, por seguir arduamente todos os procedimentos dos trabalhos que o tenente-coronel Coltrane havia me entregue, eu merecia aquilo, eu merecia um dia num paraíso, mesmo que fosse por alguns minutos.
Corri pela areia sentindo cada pequenino grão. Aliás, a areia era algo estranho, pois se ela fosse pega sozinha, ela era áspera, mas em conjunto, ele era macia, confortável ao toque. A sensação de aconchego em meus pés fazia-se parceira ao toque do vento em todo o resto de meu corpo. A brisa marítima estava gelada, provavelmente por ainda ser manhã, o dia estava apenas nascendo, e o calor escaldante do Sol ainda não estava nos afetando.
Minutos depois fui para a água, mesmo sem saber nadar, como todos os outros aqui. Resolvi não ir muito ao fundo, pois mesmo no raso, eu consegui engolir um pouco de água duas vezes. Creio que eu não me dava muito bem com água, eu tinha problemas com ela, sem dúvida.
Passamos quase uma hora ali parados, um desperdício, eu sei. Então chamei todos de volta para retornamos nossa viagem, e então Gabriel apossou-se do mapa e começou a planejar as rotas em que deveríamos seguir para chegar até Tiki Island para darmos um jeito de ir até Galveston.
Fiz o mais difícil de todos os trabalhos: conseguir pôr todos os onze soldados – doze comigo – novamente nos jipes, e os avisei que se fosse preciso, eu os amarraria nos jipes; mas precisávamos ir logo embora, chegar logo a Galveston.
Finalmente, depois de muito sacrifício, retomamos a viagem rumo a Galveston.
Algumas horas se passaram, o dia estava bem claro e o Sol subia e ficava mais quente incessantemente, sempre que achava não ter como piorar, era justamente quando algo acontecia. Minha mãe sempre me dizia para ficar confiante, manter energias positivas para que as coisas saíssem bem, mas eu sempre percebi que essas coisas só aconteciam comigo, os outros não deviam pensar tanto em energias positivas tanto quanto eu.
Eu era bom nisso. Nisso e em muitas outras coisas...
Finalmente chegamos a Tiki Island, uma cidade costeira, no litoral do Texas. Era pequena e pobre, mas muito feliz e de economia pesqueira, muitas famílias viviam da pesca por aqui. Ficamos andando procurando por um porto, algum lugar em que pudéssemos sair e chegar a Galveston – chegar a esta cidade está se tornando complicada demais para o meu gosto, eram tantos desafios ultrapassados até agora, e eu nem queria pensar muito nos milhões de outros desafios que me esperavam por lá.
Encontramos um senhor que parecia nervoso, um pouco bravo, que estava gritando com uma menina, provavelmente sua neta.
“E agora? Como vamos fazer isso Dulce, pequena? Como? Ah, mi Dios...” ele exclamou, parecendo derrotado com o que via, mas nós não conseguíamos ver o que estava acontecendo.
Pedi para que Gabriel e Marcos parassem a certa distância de onde eles estavam, eu precisava falar com os soldados e não queria que o senhor nos ouvisse.
“Pessoal, como todos aqui são pescadores, eles tem barcos. Poderíamos ajudar este senhor e então ele poderia, quem sabe, nos ajudar a chegar a Galveston. O que vocês acham?” propus a todos.
Todos se entreolharam, mas não aparentaram recusar a proposta. Todos queriam chegar logo em segurança a Galveston, os novatos queriam aprender mais e os da minha turma queriam batalhar assim que fosse possível. Todos queriam valer para alguma coisa, ter algum valor no calor da batalha.
“Creio que posso falar por todos aqui Jasper” Julio começou olhando para a face de cada um dos soldados, “e sei que todos aceitam sua proposta. O quanto antes chegarmos a Galveston, melhor.”
“Obrigado Julio. Então, vocês vem comigo ou ficam aqui?”
“Eu e Marcos ficaremos cuidando dos jipes, mas se precisar de nossa ajuda é só gritar” disse Gabriel do nosso jipe, Marcos apenas concordou no banco do motorista no outro jipe.
“Ok, então vamos todos.”
Descemos uma pequena ribanceira e chegamos onde o senhor estava com a pequenina menina.
“Boa tarde, senhor. Somos soldados da Confederação, e precisamos embarcar até Galveston. Íamos procurar por apoio, mas encontramos o senhor e percebemos que o senhor está com problemas.”
“Sim, meu rapaz, e que honra tê-los por aqui, precisamos que vocês defendam nossos ideais...”
“Logicamente que iremos senhor. Meu nome é Jasper Whitlock, e o seu?”
“Desculpe, sou Antonio Regallo, e esta é minha pequena neta, Dulce Maria” o senhor se apresentou e nos apresentou sua neta – como eu já havia previsto anteriormente – que, por acaso, me parecia muito graciosa, como uma boneca: ela tinha os cabelos negros curtos e encaracolados, as bochechas rosadas e os olhos num verde coral muito profundo. Mas deixei para lá a menina, ela não era importante por agora.
“Bom dia, meu nome é Julio González, prazer em conhecê-los” Julio os cumprimentou simpaticamente, “mas qual é o problema pelo qual o senhor está passando. Vejo que é, digamos, um grande problema.”
“Sim, bem, este é o meu barco de pescaria, e ontem de noite a maré ficou alta e trouxe o meu barco até aqui em cima destas pedras. Ele é muito pesado para que eu o retire a braço, e provavelmente não conseguiria nem o mover por alguns centímetros. Vocês poderiam me ajudar? Em troca eu os ajudaria a chegar a Galveston... é onde vocês precisam ir, não!?”
“Sim, claro.” Olhei para os demais, todos já haviam concordado em ajudar o senhor antes, então não havia o motivo de desistir agora. “Iremos ajudar o senhor, só creio que precisaremos erguê-lo a braço mesmo” disse contemplando a embarcação encalhada em algumas pedras não muito grandes. “O que acham soldados? Alguma ideia para tirá-lo daqui?”
“Bom, ele é muito grande, não... para movermos ele precisaríamos de um elefante... mas quem sabe, se todos pegarem num canto do barco, bom, poderíamos tentar erguê-lo e pôr no mar” Rafael me disse olhando de mim para o barco.
“Sim, podemos tentar, mas vamos conseguir erguer ele nas mãos?” Julio nos perguntou.
Eu estava tentando achar uma saída lógica para este problema, então me lembrei, apesar de odiar tanto Matemática e Física, que havia algo nas matérias dizendo sobre colocar algo embaixo do peso maior e fazer com que ele ou role ou tenha seu peso melhor distribuído, o que fazia com que o transporte a braço ficasse mais fácil.
“Galera, tive uma ideia. Ela é louca, mas deve dar certo” disse a todos, e percebi que todos já me olhavam desconfiados – eles sabiam que quando eu dizia isto, coisa boa não era o que estava por vir, mas quem sabe hoje tudo correria bem... “Então, quando eu estudava, cheguei a ler algo sobre colocar algum instrumento embaixo do peso que é maior, assim teríamos duas opções para o transporte...”
“Xiii, qual é?” Julio perguntou, ainda desconfiado.
“A primeira é que poderíamos rolar ele até o mar, poderíamos pôr, por exemplo, madeira, toras de madeira.” Pausei para que todos assimilassem a opção, eu não estava gostando da ideia de gastar minha força física levando um barco. “A segunda é, poderíamos colocar algumas madeiras embaixo do barco, e então o peso dele seria distribuído por todas as madeiras, o que facilitaria para nós carregá-lo a braço até o mar...”
Todos se entreolharam tentando encontrar certeza em alguma das faces do outro soldado.
“Ok, isto é realmente louco, mas como você mesmo disse, deve dar certo, principalmente com as madeiras no chão...” Julio nos disse, com certeza ele apenas estava optando pela madeira por que estava com tanta ou mais preguiça do que eu de levantar o maldito do barco no braço.
“Bom, tem uma madeireira que esporta a madeira do interior do país para a Europa aqui perto do porto. O dono é meu amigo, posso pedir emprestado algumas madeiras” o senhor Regallo nos disse. Sabe que também não é uma má ideia?
“Ok, se o senhor puder fazer isto. Nós estamos com dois jipes aí em cima parados, um dos motoristas pode levar o senhor até lá, basta o senhor descrever o caminho” lhe disse, e agora virando aos soldados. “Novatos, alguns de vocês vão com o senhor e Gabriel e Marcos para lá, vocês precisam dar um jeito de trazer nos jipes as madeiras.”
“Sim, senhor.” E três dos novatos subiram a ribanceira com o senhor. A neta do senhor, a Dulce, ficou para trás, ali do nosso lado.
“Vovô, ficarei ajudando de longe aqui os soldados, tudo bem?”
“Bem, se não for atrapalhar os soldados querida...”
“Tudo bem senhor Regallo, ela não atrapalhará, estaremos apenas montando estratégias por enquanto. Assim que as madeiras chegar, pedirei para que ela fique numa distância maior, tudo bem pequena?” respondi ao senhor e perguntei à neta, tudo ao mesmo tempo.
“Ok” avô e neta concordaram. Ouvi o som dos jipes partindo e então desaparecendo. Os demais soldados, a menina e eu ficamos sentados em algumas pedras pensando em como tirar o barco de lá. Pouco tempo depois, os jipes estavam de volta. Os novatos vieram nos dizer que havia muita madeira, o suficiente para pôr embaixo e fazer a rolagem – não era só eu quem não estava com vontade de levantar o barco no braço.
Pedi para que Dulce se afastasse então, que ficasse com seu avô ali mais adiante. Ela foi obediente, e sorri com aquilo, me fazia lembrar de como eu era quando pequeno. Então os novatos começaram a trazer para baixo todas as madeiras que conseguiram buscar. Fomos pegando e colocando estrategicamente atrás do barco, pedi para que alguns erguessem o quanto fosse possível da parte posterior do barco, a proa, para que pudéssemos colocar já algumas madeiras para facilitar ainda mais a rolagem – aí depois só precisaríamos empurrar a parte da frente.
Colocadas todas as toras numa linha retilínea atrás do barco, organizei os soldados para que eles empurrassem o bico do barco em direção ao mar, atrás. Foi aí que o barco começou a se mover, mas apenas depois de muito esforço, muita força. Ele era muito pesado, e creio que minha ideia de fazer com que todos os ergamos no braço fosse nos esmagar ou quebrar cada osso do braço, ombro, sei lá.
De pouco em pouco, o barco se movia lentamente. Não podíamos fazer tudo correndo, primeiro por que ele era pesado, provavelmente iria não só acabar com a madeira quanto com o fundo do barco, e outra, nós não podíamos nos esforçar tanto assim, precisávamos ir para Galveston para batalhar ainda se necessário, não estávamos indo para lá para ficar de férias, descansar e nos divertir.
“Uau, eu não brinco de empurrar coisas desde que eu era criança!” um novato disse, entre aos sussurros com outro já com as mãos e corpo todo posicionado estrategicamente para empurrar o barco sem que soframos fisicamente. Preferi não dizer nada.
“É impressão minha ou este cara não regula bem, este novato, quero dizer...” Julio, ao meu lado, me perguntou.
“Sei lá... não me importa...” lhe respondi. Então me preparei, fiquei na posição certa para empurrar e comecei a contar, e depois a empurrar.
“Um. Dois. Três. Empurra!!!” repeti o comando e todos começaram a empurrar mais um pouco, descemos mais e o barco estava quase tocando o mar já. “Parem...” Mas então percebi que uma madeira, a mais perto da água estava saindo da posição, e mandei um novato para arrumá-la, o que ele fez instantaneamente.
“Ok, temos que ajudá-lo pessoal, falta pouco” – eu sabia que dizer palavras otimistas, confiantes traria energias positivas a todos, e logo o barco estaria no mar novamente.
Voltado em posição, contei novamente, mas quando fui empurrar, me desequilibrei, meu pé escorregou fazendo com que meu corpo fosse com toda a minha força para frente, meu joelho batendo em uma das pedras. Não havia me machucado, nada que me fizesse amputar a perna... mas doeu!
“Tudo bem, agora é hora de me ajudar!!” Julio veio e passou a mão em volta de minha cintura e passei o meu braço por seu ombro. Ele me ajudou a andar até ao lado numa pedra, sentei e subi a perna da minha calça para ver o estrago. Não foi nada, eu é que sou um molenga de vez em quando, creio que mimado seria a palavra correta.
“Você consegue dobrar a perna Jasper?” era Cristiano, ele sabia de enfermagem, seu pai trabalhava como enfermeiro num antigo hospital antes dele (hospital e o seu pai) ser atingido por ataques nortistas.
“Sim, consigo” disse a dobrando, “apenas dói um pouco, mas dá para aguentar.”
“Então não se preocupe, te ajudaremos a chegar vivo a Galveston” – há, engraçadinho... – “mas por enquanto, não faça força novamente, isto poderia ter sido pior, poderia ter sofrido alguma contusão ou corte. Depois te ajudaremos a subir no jipe de novo.”
“Obrigado, mas vamos, continuem vocês então. Precisamos por este barco na água ainda hoje...” disse a todos, já que eles estavam me rodeando, creio que preocupados – com exceção de Julio que olhava com cara de safado, como se quisesse me dizer que eu tinha feito aquilo propositalmente.
Apenas balancei a cabeça em sinal de não, e olhei para o barco, o indicando que seu lugar era estar empurrando o barco, não olhando para mim daquele jeito.
“Você me parece meio... meio nervoso companheiro. Algum problema? Não gosto de pessoas assim” perguntei ao Julio, ele estava quase indo embora já em direção ao barco.
“Não, apenas estou... enfim, deixa pra lá...” e Julio se virou rindo de toda a situação – logicamente que eu riria de toda essa loucura depois também, mas por enquanto eu estava sentindo dor, e era deveras difícil rir quando se sente dor. Acreditem em mim...
Repeti o comando e todos empurraram mais, até que o barco finalmente encontrou a água. Pedi aos novatos para que recolhessem as madeiras – que sabe-se lá Deus como isso foi possível, estavam inteiras sem nem um arranhãozinho – e as levassem de volta à madeireira. Eles foram e em breve voltaram.
“Bom, no que mais posso ajudá-los soldados?” o senhor me perguntava.
“Bem, tem algum grupo ou galpão, não sei, instalado aqui? Por que se eles nos transferiram para Galveston deve ser por que eles arranjaram um lugar aqui ou por perto para fazer a travessia” o questionei.
“Sim, na verdade há sim. Há uma base por aqui, só que ela aparenta estar abandonada.”
“Não vovô, eu vi dois homens entrando lá estes dias mesmo...” Dulce disse ao seu avô.
“Bem, então vocês podem deixar seus jipes lá que eu encontro vocês na frente pelo mar. Eu mesmo os levarei até Galveston, é o mínimo que eu poderia fazer por todos vocês...”
“Obrigado senhor Regallo, é muita gentileza da sua parte” lhe respondi.
“Senhor, demora muita a travessia?” Cristiano o perguntava.
“Hmmm... uma hora aproximadamente. Por que?”
“Bem... seria rude da nossa parte pedir para que o senhor nos desse um pouco de água para encher nossos cantis? É que não podemos beber dessa água do mar...”
“Claro, venham, vamos. Os levarei a minha casa, e depois os guiarei pela orla onde a base dos Confederados está aqui.”
Por sorte, a base não estava longe e havia dois soldados ali. Me identifiquei e deixamos com eles nossos jipes, sendo que um deles pegou a chave e já foi o ligando para guardá-lo dentro do galpão. Com os cantis e nossa barriga cheia, embarcamos com o senhor Regallo e sua neta Dulce rumo a Galveston. Estamos chegando. Quase lá.
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