Solitário - Capítulo 18: Galveston

Em pouco tempo chegamos a Galveston – maldita Galveston, nos custou tanto até agora, já passamos por tanta coisa para chegar até aqui. O senhor Regallo nos deixou num porto ali construído bem em frente a uma base do exército da Confederação.

O agradecemos e então ele partiu, Dulce apenas dando ‘tchauzinho’ para nós na parte da trás do barco, atrás da cabine do comandante e do manche.

Fomos direto a base, e nos identificamos. Dois dos três soldados da porta entraram e voltaram em seguida com o tenente-coronel daqui, o senhor Charles Jackson. O cumprimentamos com continência e tomei a dianteira da situação – como todo o resto, idiota...

“Senhor, soldado Jasper Whitlock se apresentando, senhor. Nós todos viemos de Pasadena a mando do tenente-coronel Coltrane.”

“Claro jovens, recebi uma carta avisando ontem pela tarde da possível chegada dos senhores” – como assim? A entrega de cartas foi mais rápida do que nós? Nós estávamos correndo, como a velocidade máxima de um jipe de última geração pode ser ultrapassado por cavalos e barcos? Fiquei pasmo... “Sejam bem vindos soldados.”

Agradecemos e então entramos no galpão que era basicamente idêntico ao que estávamos alojados. Deveria ser padrão a construção deles, apenas um modelo de estrutura.

“Desculpe minha intromissão, senhor. Sei que não tenho direito de lhe perguntar coisas pela qual estou com vontade de lhe perguntar, mas... quem lhe enviou a carta nos avisando?” lhe questionei, eu queria saber se o tenente-coronel Coltrane estava bem, vivo pelo menos.

“Não te preocupe soldado. Aliás, soldado por enquanto” me disse ele dando risadas – Xiii, me enfiei em confusão sem saber... o que será que eu fiz?, “sei que está me perguntando por ser um grande amigo e aluno do tenente Coltrane, certo!?”

“Sim, claro. Eu estou preocupado com ele desde que saímos de lá. Ele nos mandou escapar pela garagem da frente do galpão enquanto outros oficiais estavam enfrentando os inimigos pelo quintal.”

“Não se preocupe, ele está bem. Foi com os sobreviventes para Friendswood, perto de Pearland. Ele está bem. Lá, há uma base de alistamento, e ele está lá auxiliando novos voluntários com os treinamentos.” Ufa, pude respirar tranquilamente sabendo que o tenente, o homem que havia me ensinado tantas coisas estava vivo, e bem de saúde.

“Que bom, estou mais tranquilo agora... Obrigado” lhe respondi, totalmente grato pela notícia.

“Tudo bem, mas agora venha até minha sala, preciso conversar com você. Aliás, eu e o comandante de nossa operação precisamos conversar com o senhor, soldado Whitlock” ele disse me olhando, não de uma forma maléfica, como se eu tivesse feito algo de errado, mas de uma forma contente, feliz por algo – eu só não sabia o que era.

Ele foi andando e fui atrás dele. “Ah, soldado Daniels, levem os recém chegados a um quarto e dê apoio a eles na adaptação com seus bens materiais” – o que não era necessário, visto que estávamos apenas levando conosco nossas roupas no corpo, o cantil, as armas e, no meu caso, uma meia e saborosa maçã vermelha.

Todos não hesitaram em seguir o soldado, Julio fez um sinal para mim, dizendo com palavras sem som, me deixando saber apenas pelo movimento de sua boca e com os gestos de suas mãos: “Guardarei uma cama para você!” Sorri com aquelas palavras, eu adorava o seu humor. Apenas fiz um gesto de “Ok” com a mão e então continuei seguindo o tenente até sua sala.

Entrei em sua sala, exatamente como parecia ser a de Pasadena, o tenente-coronel me mandou sentar, o que fiz sem discutir – eu estava cansado, e mancando ainda por conta do joelho, que agora estava enfaixado. Ele se sentou, ainda rindo – Deus, como aquilo estava começando a me irritar – e apenas me disse:

“Quer beber algo? Está com fome?”

“Não senhor, obrigado.”

“Seu joelho está bem? O que lhe houve? Vi que está mancando, soldado...”

“Sim, bem, estávamos procurando um jeito de chegar até aqui, e então encontramos um senhor com um barco. O único problema é que seu barco estava encalhado nas rochas, ele tinha subido junto com a maré que ficou alta nesta noite, e o senhor já não sabia mais o que fazer quando chegamos” lhe disse, procurando não citar a minha preguiça, e a de todos os soldados, em levantar o barco no braço. “Ofereci-lhe ajuda para retirar o barco das rochas, e ele nos ofereceu comida, bebida e a viagem até aqui. Montamos estratégias que se apropriavam ao caso, que se mostravam mais propícias de darem certo com o barco e então resolvemos colocar madeiras embaixo do barco e empurrá-lo.”

“Hmmm, muito inteligente soldado. Uma estratégia e tanto. Estratégias são sempre boas aliadas numa guerra, é preciso pensar para estar sempre um passo a frente do inimigo, o que cá entre nós, estamos muito bem fazendo isso...” – eu soube pelo senhor Regallo que boa parte das batalhas estavam sendo ganhas por nós, os sulistas. Que apesar da alta dos preços da maioria dos produtos comerciais, dos produtos utilizados com maior necessidade como roupas e calçados estavam altíssimos por conta da elevação descontrolada da inflação, a Confederação estava fazendo o possível e impossível para seguir bancando toda a guerra. “Mas me diga, e como machucou o joelho? Precisa de um médico?” ele disse por fim, cortando a minha linha de pensamentos.

“Não, não precisarei de atendimento, obrigado. O soldado Cristiano entende de enfermaria e já cuidou de meu probleminha” lhe respondi rindo. “O machuquei quando empurrávamos o barco pela dianteira em direção ao mar. Meu pé escorregou, e como eu estava fazendo força, meu corpo foi com força ao chão, mas por sorte apenas machuquei pouco o joelho. Não houve corte nem fratura, não houve nada, apenas uma batida um pouco forte.”

“Você foi corajoso, mesmo assim soldado. Estou orgulhoso de sua atitude. E digo isto não só em relação a seu ato com o problema da embarcação, mas com todo o resto da viagem.” Como assim? Agora eu não entendi de vez... minha face deve ter se retorcido numa careta muito grande, pois ele começou a rir e me disse: “Não fique espantado assim. Você não percebeu que era você quem estava no comando de toda a operação? O tenente Coltrane te escolheu como aluno por que era você quem tinha coragem o suficiente para agir sem fazer besteira. Você tinha a cabeça no lugar, não era como todos os outros.”

Hmmm... interessante. Eu nem havia percebido tudo o que ele estava me contando, mas... sabe que pensando agora, ele tinha razão. Desde o começo eu havia recebido tratamento diferente dos demais soldados, eu sempre recebia algo a mais, uma instrução a mais do restante.

“Você provou ser mais talentoso do que os demais soldado Jasper Whitlock, e é por isto que está aqui comigo nesta sala. Mas não posso lhe dizer o por que ainda, pois o comandante não está conosco ainda. Assim que ele chegar, explicaremos para você tudo melhor” – sabe, isto não me fez relaxar muito, eu ainda não sabia o por que de estar aqui exatamente... – “Aceita um golinho de uísque?”

“Ah...” se aceitar, eu poderia ficar bêbado como os vagabundos, se não aceitar, ele poderia entender como desfeita. Ok, antes bêbado e empregado do que sóbrio e desempregado. “Sim, mas apenas um golinho.” Enfatizei o ‘golinho’, eu não queria ficar de porre justo quando eu precisava saber o que estava acontecendo que estava me envolvendo por aqui.

Ele pegou dois pequenos copos, abriu a garrafa de uísque e os encheu. Pegou um copo e o outro entregou a mim dizendo: “Acalme-se soldado, você parece muito tenso” – sim, eu estava tenso, e com razão por estar sendo envolvido em algo que nem faço ideia...

“Façamos um brinde a você! Antecipadamente, lógico.”

“Um brinde?” – pensei comigo mesmo, brinde é igual a alguma coisa boa, então não deveria ser algo muito ruim que estava por vir... eu espero...

“Sim, vamos lá...” TIM TIM... o fiquei observando e o vi virar o pequeno copo de apenas uma vez, o fiz também, apenas não engoli... quando percebi que ele voltou com a cabeça e já tinha engolido, resolvi engolir também... Deus, eu não poderia ficar de porre hoje, agora!!! Me ajude a não ficar de porre, por favor!!!

Engoli e no mesmo momento que o fiz, senti minha garganta arder com o gosto. Não segurei e dei algumas tossidinhas... talvez aquilo fosse forte demais para mim, para um jovem de dezesseis anos ainda – sim, dezessete apenas em duas semanas...

O tenente Jackson olhou para mim e riu, novamente – mas que diabos este homem pensa que é, que ele tem para rir de tudo?

“Achou ruim o gosto soldado?”

“Não, é só... apenas... não sei... quente...” E ele simplesmente caiu na gargalhada, claramente encantado com minhas palavras tentando ser delicadas com a situação – pelo amor de Deus, não me deixe de porre!!! Esta era a primeira vez que eu bebia algo alcoólico.

“Ok, quer água?” Ele ainda teve a cara de pau de me oferecer água, eu não era tão fraco assim. Ok, só um pouco. Mas foi como um desafio para mim, eu estava vivo ainda, inteiro, e não estava sentindo nenhum sinal de porre por enquanto – por enquanto e por todo o tempo em que eu estiver aqui dentro, eu pensei.

“Não, obrigado, estou bem. Obrigado...” tentei lhe dizer escondendo o meu orgulho manchado por ele – ele estava brincando comigo? Como é que eu teria respeito com alguém que fica me fazendo passar por estas situações? Aff, claro. Para todos, eu tinha vinte anos, e não dezesseis. Mas creio que quatro anos não diferencie em nada, visto que eu com dezesseis estava me saindo melhor do que outros que estão aqui há muito mais tempo e são mais velhos do que eu.

Eu já disse, isto aqui é meio bagunçado, mal organizado. Mas quem sabe se eu sendo amigo do tenente, eu pudesse expor algumas opiniões, dicas para que tudo melhorasse? Era uma oportunidade... mais um desafio...

Então, um senhor já aparentando ter uma idade avançada, entrou na sala, batendo a porta ao passar. Eu me levantei em sinal de respeito em posição de continência, mas ele apenas me ignorou – seu arrogante...

“Comandante Kimpkers, este é o soldado Jasper Whitlock, o que temos recebido informações de seus atos.” Foi o tenente quem me apresentou ao comandante, que então olhou para mim e apenas disse:

“Rapaz, deixa isto de lado, continência serve apenas nas horas mais rígidas da ordem militar, por hora, você não precisa disto.” Ele apenas me ofereceu a mão, pela qual o cumprimentei me desfazendo da pose de soldadinho de chumbo.

Desconcertado, ainda assim o respondi.

“Obrigado, senhor.”

“E não precisa se dirigir a nós por senhores, por favor. Sou apenas Kimpkers, e ele é apenas o Jackson. E você será apenas o Whitlock entre nós, alto escalão...” Ok, ele terminou de me confundir ainda mais...

“Me desculpe senhores... quero dizer... Kimpkers e Jackson, mas estou confuso. Não estou entendendo onde vocês estão querendo chegar” lhes disse.

“Sei que está confuso rapaz, mas lhe direi agora o que está acontecendo...” Kimpkers disse. Ele pausou e olhou para o tenente-coronel Jackson. “Soubemos de sua ampla atuação nos acontecimentos ocorridos até sua chegada até aqui. Você comandou os soldados em toda a vinda, e olha que todo o percurso era longo, distante. Vocês correram perigo, tiveram de montar táticas para sair deles, socorreram os que precisavam de ajuda. Soubemos de tudo. E soubemos também que havia soldados da União por perto, e vocês correram o risco o tempo todo de serem atacados, e quem sabe, dizimados, mas com sua coragem, seu talento, eles não resolveram atacar. Até eles já sabiam o quão esperto você é meu jovem rapaz...” – Eu deveria acreditar em tudo o que ele estava me dizendo, só que estava difícil. Eram tantas informações para assimilar de apenas uma vez...

“Meu jovem, você sabe que o nosso exército é pequeno, novo, então precisamos de pessoas como você...” o tenente-coronel Jackson disse.

“E precisamos de você não no campo de batalha, mas em outro lugar” Kimpkers afirmou confiante, otimista. Ok, eu estava ficando mais confuso conforme eles chegavam onde queriam chegar – até agora eles estavam apenas ‘preparando o terreno’ para depois atacar...

“Onde sou mais útil, senhor? Onde, mais especificamente?” lhes perguntei.

“Bom” Kimpkers começou a falar olhando para o Jackson, “precisamos de alguém que seja inteligente que saiba montar estratégias de guerra e atuar conforme seus superiores, e também precisamos de alguém que saiba se comunicar bem com os soldados...” Ele parou novamente, e então os dois olharam para mim, Kimpkers continuou. “Precisamos de um Major nesta base. Jasper Whitlock, gostaria de se tornar nosso Major? O Major da base 56-C de Galveston?”

Uau, por esta eu não esperava... Mas, tudo isso só pra me promover? Isso não era necessário, foi alarde demais para mim, exagero.

“É claro que eu aceito, e fico imensamente grato por estar recebendo esta proposta de promoção” lhes respondi, agora os três rindo. Creio que agora eu poderia fazer a diferença neste exército mal organizado – eu teria, pelo menos, como influenciar mais os soldados de maior patente para que fosse criado algum procedimento de ordem no quartel, não sei.

“Pois então temos de comemorar... Kimpkers? Aceita um uísque?” Jackson disse.

“Claro, por que não?”

Então, o tenente-coronel foi até a mesa de onde saíram os dois copos, o meu e o do tenente, e pegou mais para o comandante Kimpkers. Pegou a garrafa de uísque e tornou a encher os três pequenos copos.

“Um brinde ao nosso novo Major!” Kimpkers me saudou.

“Corrigindo: outro brinde... eu já havia o saudado antes de você chegar sem ele saber do que se tratava, mas desta vez será mais completa com o senhor Kimpkers...” e quando os três copos estavam quase se tocando, o tenente olhou para mim, “da segunda vez ele queima menos.”

Há, que engraçadinho que ele é, não!?

“O quê? Acalme-se filho, não vai doer...” Kimpkers disse.

Por que é que eu tenho que aturar essa gozação deles? A minha careta foi involuntária, mas eles vão ver. Desta vez, nada me sairá do controle – aliás, eu não creio que eu esteja bêbado. Ufa!!!

TIM TIM...

E lá vai o uísque queimando por minha garganta novamente, mas pelo menos agora eu não fiz nenhum careta para ambos.

“Major Whitlock, o senhor está dispensado por hora. O senhor pode voltar aos seus aposentos, e para chegar lá pode procurar pelo soldado Daniels. Pedirei para que lhe entreguem a farda da alta patente, tudo bem!? Agora vá e descanse este joelho!” Jackson concluiu nossa conversa.

“Sim, irei, e muito obrigado.”

Saí da sala do tenente-coronel, mas não procurei pelo tal soldado Daniels, pois Julio estava andando por lá perto me esperando. Apenas fui a sua direção e ele, quando percebeu que eu já estava fora da sala, veio até mim também.

“Então, como foi? Muitas broncas para nós?”

“Na verdade, não, nenhuma.”

“Mas... por que então?” – ele estava tão curioso quanto eu quando fui chamado.

“O tenente-coronel Jackson e o comandante Kimpkers queriam falar comigo. Eles me promoveram a Major, pois a base precisava de um, e como eles souberam de tudo o que nós fizemos e deixamos de fazer pelo caminho até aqui, eles concordaram em me promover.” Julio estava espantado, só não sei se foi por causa da minha promoção ou por conta da vigia que passamos. “E também soube que o tenente Coltrane está bem numa cidade próxima a Pasadena... preciso lhe dizer, fiquei feliz e muito tranquilo por saber que tudo está bem com o tenente!”

“Concordo, mas não foi por sua causa que o deixamos lá. Foi pela ordem do próprio tenente, então não podíamos o desobedecer...”

“Eu tentei, mas mesmo assim ele escreveu uma carta ao tenente daqui o avisando de tudo o que aconteceu lá, inclusive da minha tentativa de desobediência.”

“Mas, pelo jeito, isso não afetou em nada a sua chegada aqui, já que você foi promovido.”

“É, pode ser...”

“Major Whitlock agora, então, hãn... combinou pelo menos...” Julio me disse dando um soco no ombro, ele estava feliz com aquilo, e eu também...

Fomos então para o alojamento em que estávamos. Meus poucos pertences já estavam jogados por cima da cama – eu os entreguei ao Julio antes de subir com o tenente-coronel. Assim que entramos, percebi que as camas estavam todas do mesmo modo que estavam as de Pasadena, e que todos os soldados já tinham se acomodado na mesma ordem que Pasadena.

“Com licença senhor, com licença. Abram espaço para o Major passar, e se não abrirem espaço, ele irá punir cada um de vocês...” Julio entrou já fazendo brincadeiras animando a turma e os avisando da notícia, tudo ao mesmo tempo.

“Magnífico Major Whitlock?” Rafael me cumprimentou assim que eu passei por ele, não em continência, mas me fazendo reverências... Seu puxa saco. Eu gostei disso!

“É sério esta história, Jasper? Como foi saber de tudo?” Gabriel estava me perguntando, e Marcos estava do seu outro lado querendo saber também. Aliás, todos estavam querendo saber, todos estavam curiosos.

“Ok, turma. Vou contar o resumo do resumo que eu já contei ao Julio. Eu subi e o tenente-coronel Jackson me contou que o tenente Coltrane, que agora é tenente-coronel, está bem de saúde em uma cidade próxima a Pasadena, e também disse que todo o percurso de nossa saída de Pasadena até a nossa chegada aqui, fomos vigiados por soldados inimigos que podiam muito bem ter nos atacado, mas não o fizeram por já saberem que era eu quem estava no comando.”

“Uhhh... o Jasperzinho botou medo nos soldadinhos... que fracotes...” Cristiano disse gozando não só de mim, mas dos inimigos, principalmente.

“Olha o respeito por mim soldado Cristiano, eu sou teu superior de hoje em diante.” Me arrependi segundos depois de ter dito isto, pois todos vieram me atacar com seus travesseiros. Após esta revolta de todos os soldados – que mais pareciam crianças de cinco anos – me lembrei do poder que eu exercia sob eles, e então resolvi sacanear com Cristiano. Mas antes, chamei o Julio para me ajudar com a gozação dele por semanas ininterruptas.

“Psiu, veja só...”

Muito sério, olhei para o soldado Cristiano. “Eu ordeno que se vire!”

Ele, e todos os outros, me olharam assustados. “O que foi? Não escutou soldado?”

“Bem, sim, mas...” Cristiano tentou me responder, mas creio que estava assustado demais para me perguntar o motivo de eu estar fazendo isto – sem problemas, eu o responderia ser precisar perguntar.

“Então me obedeça soldado, eu sou teu superior. Já esqueceu disto?” Eu estava adorando fingir o tirano – coisa que eu não era...

Cristiano não hesitou mais e se virou ainda assustado. “Agora saia, vamos para o quintal.” Me virei para todos e repeti a ordem. “Todos vão juntos, marchando...” E então eles saíram em fila única marchando com as vestes ainda sujas, maltrapilhas que estávamos vestindo para o quintal.

Eu sabia que estávamos num horário em que não haveria trabalho para nós por enquanto, então quis aproveitar um pouco de meu novo poder. Pedi para que eles parassem numa linha reta, um paralelo ao outro. Caminhei pela frente de todos, olhando para o chão e para a face da cada um. Todos estavam assustados, com exceção de Julio que estava tentando conter uma risada.

“Soldados, eu sei que todos passaram por maus momentos no caminho. Todo o percurso foi árduo sob o escaldante Sol sob nossas cabeças, a água que secava rapidamente de nosso cantil nos apunhalava com uma intensa sede. O desconforto de se andar apertado num jipe por entre o solo irregular e a vegetação seca foi outro dos nossos castigos, mas é preciso sobreviver por muito mais do que isto, senhores. É preciso saber sobreviver à vida. sobrevivemos apenas a uma parte dela, apenas um pequeno caminho da estrada.”

Fui até a frente de Cristiano, e tornei a falar:

“Para ser um soldado é necessário coragem e força. Então vá soldado” fazendo sinal para sair de minha frente, “corre em círculos e sobe naquela árvore ali!”

O pobre coitado do Cristiano acreditou em mim e saiu correndo feito um louco em círculos e depois começou a subir numa árvore que não estava distante do galpão – nesta ilha a vegetação era mais abundante e perene, tinha mais água e Sol, o que fornecia o crescimento saudável das plantações.

Assim que ele terminou de subir até o topo de árvore – que, apesar de tudo, não era alta – lhe gritei. “Agora desça e venha correndo em círculo até nós novamente!”, o que ele fez sem pestanejar. Apenas desceu e voltou correndo em círculos. Os demais soldados da base, os que já estavam aqui antes, apenas pararam o que estava fazendo para ver o que estava acontecendo. Logo, o tenente-coronel Jackson apareceu para ver qual era o motivo da aglomeração de soldados e das risadas.

“Mas o que está acont... Major Whitlock? O que está fazendo? Pode me explicar?” ele me perguntou, mas não estava bravo, estava apenas se segurando para não rir junto.

“Bom, senhor. Como o senhor me concedeu alguns poderes perante aos soldados, eu quis apenas testar. Fiz mal?” Eu estava quase caindo as gargalhadas quando lhe disse isto, estava me contendo com uma força fora do normal, acima de mim para não cair no chão e rir sem parar.

“Claro que não, Major. Divirta-se... quer dizer, adapte bem os seus companheiros de viagem Major. Á vontade!” ele disse e saiu rindo – eu já sabia, pela nossa conversa em sua sala, que ele não ligaria se eu desse apenas uma liçãozinha de moral em meus amigos. E como não havia trabalho para nós momentaneamente, o jeito era dar esta lição o quanto antes, antes pelo menos de chegar algo e eu não conseguir me vingar da gozação dentro do alojamento.

Assim que terminei a conversa com o tenente-coronel Jackson, reparei que todos, exatamente todos, desde os soldados da mais baixa a mais alta patente estavam vendo o meu “treinamento” ou “lição de moral” aos meus companheiros, aos mais novos soldados da base, e lógico, todos riam muito da situação.

Voltei minha atenção para a linha paralela atrás de mim. Todos ainda estavam na posição de formação, de apresentação padrão: pernas eretas, peito para dentro, ombros para trás com os braços colados ao corpo.

“Rafael, um passo a frente” – peguei o bajulador para demonstração livre de loucura agora...

“Sim, senhor” ele me respondeu, todos ainda quietos atrás deles – ainda com exceção de Julio que ria sem parar sem ao menos tentar se conter mais.

“Faça cento e cinquenta abdominais, soldado.” Ele nem esperou eu lhe dizer mais nada, se jogou no chão e começou a subir e descer. Eu até iria pedir para Julio me ajudasse na contagem, mas ele estava rindo tanto que eu percebi que seria impossível fazê-lo lembrar dos números no momento.

Olhei para Marcos: “Soldado Marcos, ajude-o na contagem...” Assim que lhe ordenei, ele começou a contagem seguindo o sobe e desce de Rafael.

Mas não foi preciso ele fazer muitos abdominais, eu queria implicar com eles, fazer com que ele visse minha vingança da gozação deles no alojamento – aliás, raciocinei comigo mesmo, eu poderia implicar apenas com ele agora, pois o Cristiano já foi, e não houve mais nenhum que brincou antes da guerra de travesseiros.

“O que está fazendo soldado?”

Ele parou e disse: “Abdominais, senhor.”

“Com esta posição? Você parece uma folha de palmeira toda torta. Arrume-se soldado, corpo ereto! Corpo ereto!!!” lhe disse, e ele se endireitou rapidinho.

Assim que os cento e cinquenta abdominais estavam feitos, ele voltou a sua posição na fila. Olhei para todos e não resisti, comecei a rir – Julio, nesta hora, já não estava mais de pé, estava no chão deitado entre risadas e tentativas de respirar em vão (por que ele continuava rindo sem parar).

“Soldado Julio!” – agora ele parou de rir, e se levantou assustado. Eu tinha de me parabenizar por minha atuação, eu estava saindo melhor do que esperava.

“Nada. Volte a rir.” Ele não resistiu e continuou a rir, eu não aguentei e comecei a rir também. Apenas nesta hora todos perceberam que era apenas uma brincadeira, e então caíram na gargalhada.

“Eu não acredito que você me fez passar por tudo aquilo!!!” Cristiano me disse rindo.

“Me desculpe, mas ninguém mandou gozar de mim no alojamento, e o mesmo serve para o Rafael com sua adoração extremamente exagerada comigo...” Continuei rindo, rindo sem parar. Meu estômago, provavelmente, já estava grudado de tanto rir. Minha barriga doía. Eu não aguentava mais...

Passado um tempo, quando todos já haviam se recolhido para seu alojamento, e a maioria do nosso já estava dormindo, Julio me cutucou pelo colchão com os pés.

“Jasper, fiquei pensando aqui comigo, você não sabe mesmo por que eles não nos atacaram?” Julio me perguntou.

“Não sei, Julio, te juro. O tenente não me disse nada. E na hora nem pensei em perguntar muito, tudo estava se mostrando estranho lá na sala dele: o assunto, o modo que ele se dirigia a mim, tudo.”

“Ok, boa noite.”

“Boa noite.”

Tentei não pensar em tudo o que havia acontecido no dia, e em tudo o que nos aconteceria nos próximos dias, e com muito esforço, consegui. Consegui dormir, não em ficar sem pensar – era coisa demais para um só dia, para um só jovem de dezesseis anos.

1 comentários:

Lucas' disse...

Tá chegaaando ! HAHA', ele se transforma em vampiro no 25 *-*

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