Solitário - Capítulo 19: Reunião

24 de maio de 1861

Hoje eu me sentia mais velho, mais maduro – e não era por acaso, hoje eu comemorava meu aniversário. Finalmente eu teria dezessete anos, apesar de não ser ainda a idade aceitável para o alistamento do exército.

Por enquanto, eles ainda estavam dando preferência por homens maiores a vinte anos – em uma de minhas reuniões com a alta patente do exército daqui da base, o tenente-coronel me disse que, se fosse necessário, eles teriam de aceitar os homens mais novos e até os mais velhos. Muitos menores de idade, como eu, se alistaram com sua real idade, mas não puderam entrar ainda pelo fato do exército não precisar tanto de soldados por enquanto.

E quando precisarem, eles pegarão os homens (e até mulheres) menores de idade e os que já trabalharam e se aposentaram no exército americano. A única diferença entre os homens e as mulheres nesta guerra é que, muitos homens saíram do lugar em que trabalhavam para servir ao exército como voluntários, e as mulheres saíram do conforto de suas casas para trabalhar como enfermeiras nos hospitais.

Percebeu a troca mútua? O hospital acabou por perder os homens que trabalhavam lá abrindo espaço para as mulheres, e é nesse tempo de guerra em que as mulheres estão trabalhando mais. Soube também que muitas foram trabalhar em fábricas de construção de armas, munições, roupas e até calçados para nós.

Quanto à guerra, não perdemos muitas batalhas. É nesta hora em que me lembro daquele ditado: “Podemos ter perdido a batalha, mas não perdemos a guerra.”

Hoje o dia estava como qualquer outro – eu só não fazia aniversário nos outros dias...

Em breve eu teria mais uma reunião com o tenente-coronel e mais alguns senhores. Eles estavam preocupados por que, cada vez mais, a União está avançando para os Confederados e invadindo. Algumas frentes de batalha estão difíceis, muitos estão morrendo. Não há muita estratégia em alguns lugares também, o que facilita a morte de inocentes.

Houve ataques surpresa dos inimigos ultimamente. Não há o que comentar... muitas pessoas morreram além do comum. Mulheres e crianças não tiveram tempo de fugir, muitas casas foram atingidas por bombas, os soldados nortistas estão atacando com novos e mais atualizados instrumentos, como uma coisa muito grande que pelo que entendemos, chama metralhadora – ela é medonha, não só pelo tamanho, mas por conta da quantidade de balas que ela consegue atirar em pouco tempo, e sua fonte vem de um cinto de munição. Assim está fácil ganhar do Sul, e está sendo doloroso defender e mesmo assim perder para o Norte.

A intenção de nossa reunião daqui dez minutos tem como objetivo discutir estes assuntos: como proteger Galveston dos ataques inimigos, principalmente as mulheres, as crianças e os idosos, e montar táticas de combate que darão certo – digo isso, pois as últimas tentativas de defesa do nosso litoral tem falhado, e quem irá propor a defesa das mulheres, crianças e idosos será eu.

Está na hora. Voltei para o alojamento apenas para conferir como estava o meu cabelo e se minha farda estava amassada ou não. Percorri todas as camas e cheguei ao espelho ao fundo do quarto, olhei e procurei algo que estivesse fora do normal em mim... quase tudo, mas tudo bem... o melhor era ir mesmo assim já que eu não tinha jeito...

Sai e cumprimentei alguns de meus companheiros que estavam terminando de carregar algumas armas que chegaram arrumadas para nós, pois não tínhamos dinheiro sobrando e o que tínhamos, ele estava contado para comida e gasolina para os carros. O que podíamos economizar, nós economizávamos. Deus sabe como está sendo difícil passar por isso, por ter de usar a mesma roupa por três ou quatro dias ou então os dias que fossem possíveis ficar sem que o cheiro infectasse os nossos narizes.

Para você ter noção do motivo de estarmos sofrendo tanto, é por nosso litoral estar todo bloqueado, não conseguimos mais exportar nosso algodão e importar armas de fora, então temos de nos contentar em tirar dinheiro do bolso do próprio povo, seja da onde for que fosse possível. O preço do imposto estava aumentando exponencialmente, e o preço dos produtos então, se o povo estava acostumado a pagar vinte dólares por um sapato, hoje ele o encontra por volta dos duzentos. A inflação estava judiando toda a população e a guerra.

Espantei todos os pensamentos depressivos de nossa situação e fui em direção a sala do tenente-coronel Jackson e entrei após bater na porta. Quase todos já estavam aqui para a reunião, apenas faltava o brigadeiro Roussel e o general Grimes que já estavam para chegar – eles tiveram um infortúnio no caminho da vinda: foram emboscados, mas pelo que soubemos há cerca de quinze minutos, eles já tinham se libertado e estavam vindo para cá.

“Entre Major, disponha rapaz.” Era o tenente-coronel Jackson que me disse apesar de continuar conversando com outros homens. “Aliás, pessoal” ele terminou sua conversa com os demais e olhando para mim, “hoje é teu aniversário, não rapaz?”

“Sim...”

“Quantos anos hoje?”

Oh ow, quantos anos? Dezessete, pensei comigo mesmo.

“Vinte e um, senhor.”

“Meus parabéns jovem, continue inteligente e perspicaz que você irá longe” um senhor me disse. Recebi neste momento vários palmadas amigáveis em minhas costas, o que afirmava que, não importava o quão sério o assunto a ser discutido aqui, todos estavam a meu favor na história desta guerra.

“É claro que ele irá longe, caro Burty. Ele já é o mais jovem Major de toda a história americana. É perfeito termos ele do nosso lado, nossa maior arma, nossa celebridade particular...” o tenente Jackson disse a todos orgulhoso de mim. Eu estava ficando envergonhado, apesar de estar gostando daquela atenção toda.

“Obrigado pelos elogios, senhor...”

“Quantas vezes preciso lhe dizer para não me chamar de senhor, Jasper? Somos todos amigos aqui dentro...”

“Desde que não haja nenhum infiltrado por perto, certo!?” brinquei com o que havia acontecido, e todos riram de meu infame trocadilho.

Os senhores Roussel e Grimes já estavam subindo as escadas e entrando pela porta. Assim que entraram, toda a atenção que estava voltada para mim foi para eles.

“Então, os senhores estão bem?” o comandante os cumprimentou – o comandante Kimpkers, não o outro novato que chegou recentemente, o Damon.

“Sim, estamos. Eles vieram conosco até uma parte do caminho, metade, acredito. Os vagabundos estavam se passando por motoristas, estavam nos levando para todos os lados, ouvindo todos os nossos segredos, táticas, tudo. É por esta razão que não estávamos tendo bons resultados, eles estavam atuando como agentes duplos, espiões...” um deles disse, creio que era o Roussel.

Ouvi uma onda de exclamações por toda a sala. Todos os homens presentes, eu estimava uns quinze me incluindo, estavam assustados com a informação. A ideia de ter homens roubando nossas informações não agradava a ninguém, e tínhamos motivos o suficiente para os odiarmos até a morte: eles mataram vidas inocentes, e se não mataram, permitiram que fizessem.

“Vocês conseguiram saber quem eram a tempo? Capturaram eles?” alguém os perguntou.

“Sim, capturamos eles. Não sei onde estão, mas devem estar ali embaixo com o resto dos soldados que nos acompanhavam...” Roussel disse.

“Jasper, por favor filho, chame um soldado que estiver perto e pergunte onde estão os homens” o comandante Kimpkers.

“Claro” lhe respondi já fazendo a volta e indo em direção a porta. Abri-a e não vi ninguém por perto, então desci as escadas e encontrei o soldado Daniels, que de tanto estar por perto do alojamento, já estava virando meu companheiro também. “Daniels, faz me um favor?”

Ele veio em minha direção correndo. “Claro, Major Whitlock. Pode pedir.”

“Você sabe onde estão os soldados da União que foram capturados?” lhe perguntei.

“Sei sim, senhor. Estão lá no quintal, numa prisão que montamos de última, de improviso” ele me respondeu obedientemente.

“Um minuto.”

Voltei para a sala e perguntei ao comandante. “Comandante, eles estão presos num local improvisado especialmente para ambos os intrusos. O senhor prefere que eu peça para que eles entrem aqui?”

“Entrar? Bom, não creio que seja a melhor alternativa, se eles entrarem aqui eu sou capaz de matá-los... eles atrapalharam muitos dos meus planos, não quero vê-los pelo menos por agora. Mande deixa-los presos, depois eu vejo qual será a punição ou o que será feito com eles. Obrigado!”

Voltei e apenas agradeci ao soldado Daniels. Subi novamente e procurei ficar apenas absorvendo o assunto.

“Soldados da União infiltrados, hãn? Por isso que não confiei neles desde o começo” o general Grimes disse inconformado.

“Falando assim até vai parecer isto mesmo, general. Você era o único que dizia confiar plenamente em todos os nossos soldados” – eles estavam numa outra base, ao Norte da ilha de Galveston, enquanto nós estávamos ao Leste. “Não queira agora parecer ser outra pessoa, se tornará um mau exemplo aos novatos” Roussel lhe disse gozando de sua cara, o que fez com que todos os outros gargalhassem às suas custas.

Todos riram com a piada de Roussel, com exceção de Grimes. Inclusive eu, mas eu só espero que a quem ele se referiu não tenha sido a mim, aos novatos, sabe... não aos novatos recém chegados, mas aos novatos da alta patente...

Mas eu estava com a consciência limpa, não havia feito nada de errado por enquanto – as gozações que eu e Julio fazíamos sobre os outros não devia entrar no quesito “problemas”, eu apenas impunha alguns pequenos detalhes, alguns limites para que não prejudicasse o quadro geral do esquadrão.

Eu não queria prejudicar os meus inferiores, e muito menos decepcionar os meus superiores. Eu tinha de controlar os dois lados para que pudesse me sair bem, sabe como é, manter um equilíbrio entre os dois lados te ajuda a ter maior controle sob ambas as partes.

“Contanto que ele não influencie negativamente meus soldados, por mim tudo bem...” o tenente-coronel Jackson disse a todos rindo, me tirando de minha veloz viagem mental, meu transe. Ele olhou para mim e continuou: “Não quero nada de mal acontecendo com meus soldados, eles são como tesouros para mim...”

“Sim, claro tenente... eles? Tem certeza senhor?” Roussel disse.

“Pois bem... que assim seja, ele...” o tenente disse.

E então, novamente todos voltaram suas atenções para mim. Eu gostava da sensação de ser adorado, mas não admirado assim numa guerra, principalmente numa sala em que você está rodeado a experientes soldados que podem te mandar a qualquer minuto para um encontro com a morte, face a face.

Eu estava começando a ficar com problemas, problemas mentais. Muitos problemas.

“Ér... muito obrigado, senhores.” Juro que não sei como consegui proclamar uma frase sem gaguejar uma única vez.

“Ok...” um senhor já de idade começou a dizer cortando todo o meu momento de aflição camuflado a admiração, “Bom, vamos direto ao assunto, senhores... não saímos de nossos quartéis para ficarmos jogando conversa fora como nossas mulheres e sogras.”

Não sei a razão, mas ele estava preocupado e nervoso. Talvez fosse a responsabilidade de comandar um quartel, ele estar em perigo e você ainda estar num local apenas jogando conversa fora. Soldados, civis, pessoas em geral, poderiam ser salvos. Almas inocentes não deveriam ser mortas por conta da falta de prudência dos soldados, que por acaso, estão sendo altamente instruídos.

“Claramente que não perdemos a viagem, caro Velásquez” um senhor disse – não sei teu nome, mas teu uniforme informava que ele era um general – “vamos discutir as possibilidades de ataque inimigo contra nossa ilha.”

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