Solitário - Capítulo 25: A Morte

04 de junho de 1861

Apesar da imensa lua que me oferecia uma luz fraca, apenas o suficiente para enxergar quem eram aquelas três senhoritas que estavam a minha frente, eu ainda não tinha a capacidade de enxergá-las perfeitamente. Alguns de seus traços estavam gritantes para mim neste breu, mas outros estavam camuflados.

Desmontei do cavalo e fui ao encontro das donzelas. Quando estava a caminho, senti meus pelos da nuca se arrepiarem, e eu tinha quase certeza de que alguma coisa estava por vir naquele momento, eu só não sabia o quê, especificamente.

De instantâneo, todos os meus sentidos se aguçaram o suficiente de forma que eu pudesse ouvir ou sentir qualquer coisa que passasse ou estivesse perto de nós. Cada passo que avançava, eu podia ouvir o som abafado de meus coturnos ao se chocar com o solo. Havia algum animal por perto também – além do cavalo, é claro – mas eu não sabia distingui-lo.

O vento aparentava me avisar de algo com suas leves e tímidas brisas. A lua iluminava toda a cena a minha frente, me dando conhecimento da situação, ainda que não o bastante. E aquela sensação ruim não havia dispersado.

Lembrei-me que, como soldado, eu não poderia jamais demonstrar alguma fraqueza, ainda mais com mulheres. Elas estavam paradas bem de frente a mim, face a face, no possível – eu era mais alto do que elas.

Quanto mais perto eu chegava delas, mais a sensação estranha me assolava – creio que se aproximar de fantasmas estava deixando meus sentimentos confusos. Próximo, eu percebi o quão magníficas elas eram. Suas feições combinavam com a mais pura porcelana que a casa de família financeiramente bem poderia ter, seus cabelos sutilmente bagunçados – talvez pela migração – e suas roupas banhadas em algo escuro, talvez um líquido ou lama, mesmo que não exista isto por esta região no Texas. Ainda assim, eu nunca havia visto três mulheres tão lindas em toda a minha vida.

Resolvi afugentar toda a minha covardia, e perguntar qual era o problema destas lindas criaturas – ah sim, por que humanas elas não eram... Elas deviam ser fantasmas divinos...

Parei a poucos passos delas, mas pestanejei no local onde me encontrava. Limpei minha garganta, como se assim o fazendo me daria mais coragem para proclamar qualquer que fosse a palavra, mas eu apenas não conseguia, eu não conseguia parar de me maravilhar com toda a magnificência delas. Elas deram as honras.

“Ele está perdido” uma delas disse. Ela era mais alta do que as demais, os cabelos dourados e, o que me deixou mais instigado: a voz mais linda e delicada que eu já havia ouvido. Eles pareciam sinos, pequenos e delicados sinos de vento. Um fantasma, certamente, não seria tão magnífico assim com ela, muito menos quanto às outras.

A encarei incrédulo por sua beleza, mergulhando-me em meus mais profundos e insanos pensamentos, o que me fez assustar levemente ao ver que a outra mulher ao seu lado, uma mais loura ainda que a primeira e de pele igualmente a giz, estava quase que encostada a mim. Ela apenas estava se inclinando, talvez para me observar melhor, o que me proporcionou a belíssima vista de sua face angelical.

Ela me analisou intensamente com seus olhos semicerrados, olhou cada traço de minha face.

“Hmmm. Adorável” ela disse aos suspiros, o que me fez sentir mais calafrios ainda com o toque de seu hálito frio em minha quente pele.

A terceira mulher, que tinha feições mexicanas, era de estatura mais baixa que as outras e cabelos negros, se aproximou rapidamente onde se encontrava a que estava próxima a mim. Ela simplesmente pôs uma de suas mãos no braço da companheira e falou muito rapidamente, tão rápido que eu não pude perceber de imediato o que ela estava falando.

“Concentre-se, Nettie” ela disse soando como a mais graciosa música para meus ouvidos.

Naquele tom, a única coisa que consegui fazer com que meu cérebro aceitasse era a suavidade que as palavras soavam de seus lábios. E esta aparentava ser realmente a sua intenção – ela tinha um plano a ser posto em ação, e por alguma razão, ela não queria que isto saísse errado, o que me fez perceber que ela deveria ser a “líder” do grupo em que elas andavam.

E bem... Como é? Ela disse Nettie? As coisas estão evoluindo – espero que para melhor, pois nunca se sabe o que... o que... hmm... elas, podem fazer – e agora, eu já tinha um nome por enquanto.

A morena afastou delicadamente a que estava perto de mim, a Nettie, e então ficou me analisando criticamente.

“Ele parece perfeito: jovem, forte, um oficial” ela disse me olhando dos pés à cabeça. Apesar de eu aclamar por sua voz, eu não estava gostando do que estava sentindo ou de estar sendo analisado. Eu precisava falar algo, o único problema era a falta de vontade de meus lábios e de meus músculos.

“E há algo mais... está sentido?” ela disse perguntando às outras duas atrás e novamente me olhando, agora mais próxima a mim provavelmente procurando por algo. “Ele é...” ela suspirou e buscou por palavras para me descrever, “convincente.”

Como? Franzi o cenho em dúvida com sua afirmação, eu não estava gostando mais disto, e menos ainda do que eu podia ver pela expressão na face da morena: havia luxúria. Por quê?

“Ah, sim” concordou Nettie rapidamente, vindo novamente em minha direção e se inclinando, agora com as pontas de seus dedos passeando delicadamente por meu pescoço, descendo aos meus ombros e depois braços. Ao seu toque, senti meus pelos se eriçarem mais uma vez.

“Paciência, não quero perder este” a morena avisou, creio que não só a Nettie, mas como a outra também.

Nettie pareceu não concordar muito com a preocupação da morena, pareceu se irritar com o que ela tivesse dito, como se aquilo fosse o maior dos crimes cometidos no Texas. Ela apenas ficou me rondando, caminhando em pequenos passos ainda me olhando milimetricamente.

“É melhor você fazer isso, Maria” a loura mais alta retomou a fala, e percebi que havia semelhanças entre elas: a voz e a face. “Se ele é importante para você. Eu mato mais vezes mais do que os mantenho vivos.” Sua expressão estava diferente da morena, que finalmente soube se chamar Maria: ela tinha uma raiva crescente em si, ou seria irritação como a outra loura menor? Fato é que Maria estava me cobiçando, sabe-se lá para quê ou por que, só sei que não me aparentava ser boa coisa.

“Sim, vou fazer isso” Maria concordou com a loura mesmo de costas, mas se virou para encará-la, “eu gosto mesmo deste. Tire Nettie daqui, sim?” e então voltou sua atenção para mim. “Não quero ter de proteger minhas costas enquanto tento me concentrar.” Um sorriso maléfico desenhou-se em seu rosto, havia mais do que luxúria ali.

Enquanto tudo acontecia, finalmente eu tentava aceitar tudo – me obrigava, seria a palavra correta – o que acontecia em minha mente que não estava cooperando, que estava inerte. Eu apenas sentia meus pelos e cabelos eriçados na nuca crescendo exponencialmente em mim, tomando cada parte de meu corpo com a tentativa de me fazer correr, gritar por socorro, salvar a mim mesmo. O único probleminha, como já havia percebido, nada parecia estar funcionando bem, nem uma parte de meu corpo parecia responder a alguma vontade ou desejo.

E se eu havia escutado bem, ela havia tocado no assunto morte? Ela estava pensando em me matar? As três estavam pensando nisto? Mas... como? Eu soube então que estava em perigo real, mas eu não fui educado para temer as mulheres, e sim para protegê-las, não importe o que aconteça.

O anjo estava falando verdades, estava sendo sincera quanto a possibilidade de me matar, mas ainda assim, meu molenga corpo e inútil mente não me permitiram mover sequer um centímetro.

“Vamos caçar” Nettie concordou com Maria entusiasmada. De surpresa, ela foi esbanjando felicidade à outra mulher, ao outro anjo, pegando em sua mão e a arrastando para a estrada novamente. Apenas espero que elas estejam brincando quando Nettie disse que iria caçar, aquilo seria perigoso e totalmente exclusivo de serviços masculinos. Mas então, a imagem delas correndo me cortou o pensamento... elas eram tão velozes, corriam tão rápido que quase poderiam alçar voo. Seus vestidos claros, brancos, apenas voavam para trás com o ricochetear do vento. Como aparentavam ser anjos, podemos dizer que seus vestidos passariam facilmente a ser reconhecidos como delicadas asas.

Eu não estava acreditando no que eu havia acabado de ver, era como se tudo fosse irreal, apenas um terrível sonho que eu esperava ansiosamente acordar. Pisquei os olhos e fechei minha boca – que nem percebi o quão escancarada estava com a cena.

Elas se foram num curtíssimo espaço de tempo, em um mero piscar de olhos. Então percebi que ainda me restava uma senhora aqui. Virei-me para ela e ela ainda me olhava curiosa procurando, examinando algo que eu não sabia ter, algo que eu estaria escondendo sem saber.

Sua expressão moldada pela claridade do luar e seus traços delicados me fizeram lembrar do quanto eu era incrédulo a estes tipos de absurdos que meus pais contavam... eu realmente acreditava que estes tipos apenas existiam em contos... De repente, eu já não podia afirmar categoricamente se tinha certeza da ‘não-existência’ deles.

“Qual é seu nome, soldado?” Maria me perguntou ainda curiosa.

“Major Jasper Whitlock, senhora” tentei lhe responder firme, entretanto, como já disse que nada parecia trabalhar corretamente, gaguejei tentando ser respeitoso, mesmo que ela fosse um fantasma ou sabe-se lá o quê...

“Eu sinceramente espero que você sobreviva, Jasper” ela me disse gentilmente, mas percebi o grau de ansiedade em sua voz por mim... ela me ansiava... “Tenho um bom pressentimento com relação a você” ela completou sorrindo vitoriosa.

Ela se aproximou lentamente de mim, um passo, o que fez com que eu pudesse sentir a temperatura de seu corpo – fantasmas são tão frios assim? Ela apoiou suas carinhosas mãos em meus braços, mas não pude retribuir o toque, eu estava paralisado pela nossa proximidade. Ela se inclinou como se fosse me beijar, perto o suficiente para que eu sentisse seu gelado hálito, o que me fez mais uma vez sentir a necessidade desesperada de sair correndo. Era como se uma pequena voz dentro de mim gritasse contra o que eu estava permitindo acontecer, mas deixar que esta mulher fique sozinha aqui não é seguro, mesmo sendo uma fantasma.

Fechei os olhos mortificado com o leve toque que eu sentia de seu envolvente corpo no meu, em cada toque pequenas sensações opostas: por um lado, em sentia calor e sentia meu sangue correr freneticamente por todo meu corpo, borboletas em meu estômago; por outro, eu sentia apenas a necessidade de me afastar e fugir daquilo tudo o quanto antes.

Mas eu estava preso, traído pelo próprio corpo. E foi então que eu senti aquela sensação da carne sendo rasgada rapidamente. A dor foi extremamente dolorosa, me fazendo com que eu caísse de joelhos ao chão. Quando pensei que tudo havia acabado, apenas senti a arfadas de ar provindas do movimento rápido de Maria ao meu redor seguidas de outras dores por todo meu corpo, desde meu pescoço até minhas pernas. Eu tentava gritar, mas em vão...

Nada nem ninguém poderia me encontrar e ajudar naquele momento, em minha cena particular de agonia, de dor e de lamento... fosse ele fantasma ou qualquer outra coisa que eu não acreditava há alguns minutos atrás.

Conforme a dor se espalhava queimando pelo meu corpo, eu fui perdendo a noção de onde eu estava ou o que estava acontecendo. Minha consciência foi me abandonando lentamente, apenas me deixando ciente de que eu ainda sentia a carne rasgada, mesmo que aos poucos fosse cessando, e a crescente queimação por todo meu corpo.

E foi agonizando que eu simplesmente me encontrei na mais profunda escuridão.

2 comentários:

Lucas' disse...

Foi agoooora!

Marcela disse...

Nãoooo, Jasper!!! Coitadinho dele! Só se lascou até agora!

Postar um comentário

blog comments powered by Disqus
Blog Design by AeroAngel e Alice Volturi