Solitário - Capítulo 33: Apodaca

Algum tempo depois – ainda em 1862

“Um deles era Elliot!”

Esta maldita frase ficou ecoando por minha mente por dias, talvez semanas. Já perdi a noção do tempo. Não me ocupo mais por segui-lo. Cada um segue seu rumo. Eu sigo o meu enquanto o tempo segue o dele.

Cada um deixou uma marca no outro. Uma cicatriz que, apesar de não ser pálida, doía tanto quanto fosse.

Se eu não tivesse ficado tanto com Maria, Nettie e Lucy planejando o ataque, eu poderia ter conversado com Elliot sobre o meu passado. Ele era quem eu tinha mais próximo da minha vida anterior. Era ele quem sabia de fatos que eu tinha feito, e fatos que eu nem imaginava ter feito.

O tempo me marcou como uma adaga corta algo. Foi profundo o suficiente para fazer com que um vampiro caia de joelhos com dores insuportáveis.

Mas se me lembro bem, eu também havia marcado o tempo. Eu tinha sido o mais jovem Major da Confederação. Quem sabe, até de toda a guerra que ainda estava em andamento.

Aliás, a situação para o lado deles, dos humanos, estava ficando cada vez mais complicada. Os produtos que eles usam como costume estava ficando cada vez mais longe do alcance deles. Mas eu não me importava com isso, desde que houvesse soldados da União para que eu pudesse me alimentar por perto...

E nisso eu quero dizer, soldados da União bem alimentados, pois estou cansado de soldados fracos. Alguns estão até ficando doentes... o que não me agrada nem um pouco – não porque eu sou um homem bondoso e me preocupo com eles, mas é que o sangue fica com um gosto horrível.

E Maria também não está mais permitindo que a gente pegue muitas pessoas daqui de Monterrey. Ela está desconfiada ainda. Tem medo que nós acabemos com a raça daqui e os Volturi voltem!

Enfim, fato é que eu precisava de Elliot para saber mais de meu passado. Infelizmente, minha única salvação se foi. Aliás, eu o mandei ir. Mandei correr contra a sua vontade para um lugar que ele queria ir... Ok, ele estava querendo pegar o que eu matei, mas... mesmo assim... Se ele não tivesse ido lutar, então ele estaria vivo ainda!

Eu poderia ter agido de outra forma, mas não o fiz... Agora não posso ficar aqui chorando lágrimas que nem ao menos brotam de meus olhos. Nem sempre ser vampiro é fator de uma vantagem.

Há coisas que precisamos sentir e, mesmo estando perto dos humanos ou agindo como um, nunca mais será assim. Esta é a verdade. É ela nua e crua!

Enfim, o que já passou... passou!

Maria agora estava querendo as cidades próximas a Monterrey. Levará um tempo para que um novo plano seja elaborado e seja posto em ação, mas mesmo assim, ela quer! Não seria uma boa estratégia usar o mesmo plano, mas... Maria está difícil de manipular ultimamente.

Ela está se tornando cada vez mais gananciosa. As únicas coisas que ela anda pensando são: as próximas cidades e o poder local.

Poder. É tudo o que ela quer. Uma palavra tão pequena com um significado tão grande, tão avassalador.

O decidido será que teremos como base o mesmo plano de ataque que Monterrey – mesmo que eu não goste. Agora, o alvo da região é Apodaca.

Estamos nos preparando para o ataque. Alguns soldados da União foram emboscados por dois de nós para jantar. Um perfeito trabalho, eu diria – isso se eu não fosse um dos dois, e falando assim pareceria que eu estou muito contente e orgulhoso com o meu próprio feito. E isso não é de minha personalidade.

Quem me conhece sabe!

Iremos então todos, os dezenove vampiros – não há a necessidade de transformar mais vampiros por enquanto – mais Maria, Nettie e Lucy.

Se bem que... hmm... ok, são vinte vampiros. O Daniel de Lucy está conosco, sempre esteve... mas agora temos um “novo viajante” conosco...

O tal do Carlos Antônio, o que sem vergonha que ficava arrastando o dentinho para cima de Nettie, resolveu se juntar a nós. Nettie, quando estava fugindo, o viu e o puxou pelo punho. Desde então, eles são como pé e sapato – o mais fedido é o Carlos.

Ele até que é um cara legal, mas não muito. É bem... digamos... tímido. Creio eu!

Não sei...

Tanto faz. Fato é que estamos partindo em breve!

“Jasper, você está pronto?” Nettie me encontrou em um alto galho de árvore.

“Nettie? O que você faz aqui? Por que... o que é? Vamos partir?” lhe perguntei assustado.

“Nossa, Jasper, meus Deus!” ela exclamou – ela estava surpresa, sabe-se lá com o quê.

“Que foi? Qual o problema?” eu quis saber – a curiosidade me matava cada vez mais.

“Bem, você se assustou!” ela disse com inocência. Franzi o cenho com o que ela disse, mas resolvi ser brincalhão.

“Ah sim... meus parabéns Nettie, você conseguiu assustar um vampiro soldado!”

Ambos rimos. “E então, vai ficar aí embaixo só me olhando? Olha que o tal do ‘cucaracha’ não vai gostar, heim...” brinquei novamente. Estendi a minha mão e então ela subiu pelo tronco da árvore até se aconchegar ao meu lado no galho mais alto.

Ela me encarou. Estava tensa. “Você sabe que eu não gosto de quando chama meu Carlinho de ‘cucaracha’, não!?”

“Você está ficando boa em esconder seus sentimentos...” tentei começar me esquivando de sua afirmação – sim, aquilo me soava mais como afirmação em vez de pergunta.

“Não venha com isso, Jasper. Você é muito mal, sabia?!” ela me disse olhando em meus olhos.

“Posso ser sincero?”

“Uh uh...” ela concordou com a cabeça.

“Sim, eu sei que sou mau. Sou muuuito mau. Muitíssimo mesmo!”

Ela simplesmente gargalhou o suficiente para quase se desequilibrar – quase!

“Sim, eu sei...”

“E mesmo assim não tem medo de ficar aqui perto de mim?”

“Hmmm... eu deveria sair correndo e gritando por socorro agora?”

“Gosta de sair correndo e gritando por socorro? É um tipo de atividade física nova?”

“Pode ser... quem sabe...”

Deixamos que o tempo passasse sem nos incomodar. Nós dois continuamos como bons amigos apenas olhando para o horizonte. Mesmo com a noite chegando rapidamente, ainda podia-se ver um leve resquício dos raios solares lá entre as altas montanhas.

Com a escuridão, muitas outras “vidas” começaram a aparecer. Uns lagartos, coiotes, corujas... Eles apenas estavam em busca de alimentos, mas eram espertos para manter distância o suficiente de nós.

“Eu queria que, por mais uma pequenininha vez, eu pudesse tocar um animalzinho” Nettie disse. O leve som de sua voz dançou pelo ar naquela escuridão.

“Mas você pode!” afirmei a encarando.

“Eu quero dizer, enquanto eles estiverem vivos e calmos. Comigo ‘assim’ eles só pensam em fugir.”

“Com você ‘assim’? Como assim?” insisti.

“Assim, como vampira. Eu sinto tanta falta dos meus amigos.”

Opa, assuntos delicados... Mandei-lhe uma onda de calma juntamente com uma pitada de felicidade – falando assim até parece aula de culinária... Mas não é.

“Não me manipule, por favor...” E então retirei meu poder sob seu alcance. Instantaneamente ela retornou ao seu estado melancólico de antes. Olhei para frente e então lhe respondi.

“Pelo menos você se lembra da sua outra vida!”

“Não fique chateado, Jasper. Sua vida é mais recente e você até que é famoso. Você não ouviu o que aquele soldado que você trouxe para nós disse quando te viu?!” – ela estava começando a se animar.

“Sim. Mas... como você soube?”

“Lloyd me disse!”

“Hmm... fofoqueiro” lhe disse baixinho, um mero suspiro.

Ela riu uma risada tão cintilante que me fez esquecer meus problemas. Assim que parou, tudo voltou!

“Não se preocupe” ela disse pondo suas mãos em meus ombros, “um dia você ficará sabendo de tudo. Não se arrependa de fazer o que quer agora.” Ela parou, olhou para a escuridão – na verdade, procurando o dono do pio esguichado de uma coruja – e retornou a me encontrar com seus olhos vermelhos sangue. “O que você quer fazer agora?”

Pensei profundamente no que eu queria fazer agora. Havia tantas coisas que eu queria saber. Coisas de meu passado. Se eu tinha família e se eles sentiam saudade de mim.

“O que quero realmente fazer agora é ouvir uma explicação do ‘você está pronto?’ Por acaso, e só por um acaso, uma força máxima da natureza, você poderia me ajudar?” lhe propus.

“Claro, eu já estava me esquecendo. Maria acha melhor que partamos agora de noite para Apodaca. Quanto antes, melhor.”

Concordei fisicamente, por que mentalmente eu discordava dessa decisão por completo.

“Algum problema? Você está bem?” – ela estava preocupada.

“Hey, quem vê os sentimentos dos outros aqui sou eu!”

“Mas isso não quer dizer que eu não possa me preocupar com você!”

“Por que isso?”

“Porque você faz parte da minha família, da nossa família. Todos nós vampiros, o nosso clã, é uma família só!”

“Hmm...” – isso não a convenceu de que eu estava bem...

“Eu sei que não temos nem sobrenome, mas pelo menos temos um ao outro. Sempre teremos quando precisarmos de ajuda.”

Ok, ela estava se esforçando para que eu ficasse bem logo. Eu era um péssimo ator, mas era eu quem manipulava os outros aqui. Ninguém conseguia me enganar. Espero!

“Sim, teremos” respondi alegre – a parte em que eu enviei uma leve onda de tranquilidade para ela não conta. “E estou bem, acredite em mim!”

“Sim, eu acredito!” ela respondeu feliz e muito mais calma.

“Que bom!” retruquei mais feliz ainda – como se estivesse em paz comigo mesmo.

Ela parou e me olhou espantada. “Eu concordei fácil demais. Você está me manipulando?”

Oops...

“Eu também ando trabalhando bastante minhas habilidades de manipulação. Você sequer sentiu essa!”

Ela amarrou a cara. Raiva tomando conta dela. Parte por parte – e eu não sou o homem que deveria estar com ela nessas horas... não é justo! Mandei-lhe outra onda leve de tranquilidade sob ela – mais uma vez ela nem sentiu.

“Aff... que posso fazer?”

“Ah, pode me acompanhar de volta à nossa casa?” propus ainda brincalhão – e vitorioso.

“Quer dizer, a casa que está caindo aos pedaços e ainda fede mesmo depois de uma limpeza?” ela disse com desgosto – eu não era o único que não estava gostando de ficar na cidade. Era o fedor da região da casa com o maravilhoso cheiro de sangue fresco. Não combinava sabe?! – não que eu entenda muito de combinações...

“Se prefere chamar ela assim?”

“Não me vá dizer que gosta daquilo?” – ela estava começando a se irritar.

“Não gosto. Odeio. Infecta o cheiro de sangue, que é bem melhor. Mas, afinal de contas, que disfarce melhor tem para nos proteger? Para não chamar a atenção?” – era verdade, eu realmente não gostava daquilo, mas estava sendo útil por enquanto.

“Ok, mas avise a todos que se eles quiserem falar comigo, terão que me encontrar deste lado da cidade. Aqui perto do campo, ok?!”

“Sim, ok...”

Precisávamos voltar e então partir.

Chegando de volta a casa, todos estavam na frente esperando pacientemente. Se não soubesse que eram vampiros, poderia afirmar com a maior certeza que são estátuas de mármore. O mármore mais branco e brilhante a luz do luar que já havia visto em todo o mundo.

Na ponta mais extrema do conjunto, lá estava ela. A morena mais cativante que já tinha visto em minha vida. Maria.

Ela estava discursando para os outros – repassando as informações do ataque.

Ao chegar, fui para seu lado. Ela me olhou e então fiquei bobo com a quantidade de emoções que aquela mulher estava sentindo. Nunca havia visto tanto assim de uma só vez. Havia ganância, luxúria, poder, coragem, orgulho, medo, tristeza, felicidade... tantos sentimentos perigosos e opostos que me fez pensar ‘você não viu nada ainda, Jasper!’

Ela queria muito mais!

“Então que assim seja!” eu disse por fim após Maria ter me cutucado para dizer algo – ela estava brava para dizer a verdade. Não sei se estava por ter ficado pensando ou então por analisar suas emoções.

Ao fim disso, um coro de vozes em torno de três ‘hurras’ levantou e então fomos correndo em nossa velocidade vampiresca em direção ao Nordeste.

Não havia quem pudesse nos deter! Não havia quem pudesse deter Maria!

...

Em pouco tempo chegamos lá. Apodaca era uma cidade pequena tanto quanto Monterrey. Ela era visivelmente mais sem vida que Monterrey...

Sei que estávamos errados entrando assim sem mais nem menos, invadindo o território de outros, mas... fazer o quê? Esta cidade me fazia sentir bem, talvez lembrar alguma coisa de meu passado. Só não sei o quê, especificamente.

Apenas entramos na cidade procurando por algum de nossa espécie.

Vasculhamos cada beco e subúrbio. Não havíamos encontrado nada, e confesso que até cheguei a acreditar que a cidade estava livre. Até darmos de cara com quatro adolescentes vampiros e dois mais idosos.

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