Solitário - Capítulo 37: Divisão

Um dia depois – 1862

Depois dos ataques que recebemos dos clãs do Sul, Maria resolveu tomar alguma atitude em relação a proteção das cidades.

Nós iríamos proteger as nossas outras cidades a todo custo. E isto significava que teríamos que nos separar. Novos vampiros teriam de entrar e ser arrebatados para nosso auxílio. Os nossos confiáveis seriam distribuídos pelas cidades mais fortes que Maria tinha em mãos.

Lucy e Nettie não estavam nem um pouco contentes com esta situação. Seus companheiros haviam sido mortos. E quando um companheiro morre, esta é uma coisa que um vampiro não perdoa.

Elas estavam num misto de sensações que eu mal podia descrever. Quando me viam perto de Maria, elas tinham ciúmes e ganância. Elas não achavam justo que Maria continuasse comigo enquanto elas estavam sem os companheiros delas.

O engraçado de tudo é que nunca me vi como companheiro de Maria. E mesmo sabendo disso, elas não gostavam muito de me ver com ela.

Agora, neste exato momento, eu estava correndo em direção a alguma base militar da Confederação no Sul do Texas. Os que estivessem sozinhos ou desconcentrados seriam meus.

No breu da noite, ninguém me via, por mais pálida que fosse a minha pele.

Delicadamente, me aproximei de três soldados que estavam descansando. Pela farda, eles deviam ser os guardas da noite. Deveriam estar “guardando” o lugar então, não descansando!

Escolhi um deles, o mais forte aparentemente. Tampei-lhe a boca para que nenhum grito ecoasse dali, e então cravei minha mandíbula em seu pescoço. Seu corpo caiu desacordado. Corri para um lugar onde havia uma árvore muito peculiar que ficava na divisa com o México.

Fui correndo para outro local. Encontrei dois vigias. Um era forte, outro falava com ele sobre estratégias. Era inteligente. Fiz de propósito um barulho atrás de um arbusto. No exato momento em que eles foram ver o que havia causado aquele barulho estranho, eles já caíram no chão desacordados.

Os peguei e corri de volta para a árvore.

Fui para outra cidade. Encontrei mais um perdido por lá. Deve ser por isso que os Confederados estão perdendo a guerra: todos ficam assim, à paisana. Se estiverem em tempo de folga, descansem! É o que se espera fazer em um dia de descanso, não?!

Consegui atraí-lo para um canto, e então ele caiu no chão.

Voltei para a árvore e então, apesar de complicado, catei os quatro inconscientes de qualquer jeito e os levei correndo para Monterrey. Seus pés batiam no chão de tempo em tempo, mas eu não me preocuparia com isso. Eles estavam se tornando vampiros mesmo! Que diferença faz a beleza do pé?

Cheguei a Monterrey e então os depositei em um canto em nossa casa. Maria me encontrou e me ajudou a deitá-los.

“Que ótima caça, Jasper! Vejo dons muito úteis nestes!”

Ri em resposta. Que mais eu diria? Cada um com seu dom?

“Eu já me alimentei e aproveitei e peguei alguns nas cidades mais ao Sul para o resto de nós.”

“Você entrou em território inimigo, Maria? Você está louca?” me assustei com sua falta de perspectiva da nossa situação.

“Sim, mas foi rápido e ninguém percebeu nada!” ela disse confiante. Deus... mulheres!

“Mas... por quê?”

“Oras, eles tem comida de sobra por lá. Quanto mais eu pegar deles, mais eu tenho e menos eles tem!”

“Você sabe que isso é arriscado, não?!”

“Sim, sei” ela disse como se fosse inocente – como SE fosse... Mas não é...

Bufei com sua resposta tão simples e de tão pouco caso com tudo. A própria pessoa que tinha nos ensinado a ter respeito pelos outros de nossa espécie, estava indo atacar o inimigo. E o pior de tudo: sozinha.

“Você anda escolhendo bem seu alimento?” – resolvi gozar um pouco de sua imprudência. Quem sabe assim ela recobre a responsabilidade.

“Sim. Por que, Jasper?”

“Bem, porque se fez isso, pode ser que algum tinha uma doença. Um deles podia ter problemas mentais ou outra coisa que influenciasse...”

“Ahh, cale a boca!” ela disse rindo.

Arrumamos os quatro capturados um ao lado do outro. Ao final de três dias, eles acordariam e estariam famintos. E mantê-los assim, em plena cidade, seria outro desafio.

Assim que terminamos, Nettie e Lucy entraram – Nettie pela porta, como qualquer outro teria feito. Lucy quis ser a diferente, então entrou pela janela. Ela devia estar carente para fazer isso...

“Olá, Jasper!” Lucy me cumprimentou feliz. Esta deve ter se alimentado de um palhaço de circo, creio eu! Que felicidade!

“Olá!” respondi, meio sem jeito.

“Nettie, você vai para Austin. Lucy, você vai para Chihahua” Maria começou nervosa – ela não queria se separar das duas. Apesar das duas não demonstrar o mesmo pela Maria. “Tudo bem assim?”

“Austin? Aff... nunca gostei daquele lugar!” Nettie disse impaciente.

“Mas nós precisamos que seja feito assim. A gente tem de ficar divida para que tudo ocorra bem!” Maria explicou.

“Eu já sei disso, Maria. Eu só disse que não gosto daquele lugar.”

“Você não gosta de lugar nenhum, Nettie” Lucy lhe disse irritada. “Nunca gostou!”

“Eu gosto sim, viu!”

“Então me diz um local. Só um!”

“Apodaca!”

“Ah, só porque foi lá que você conheceu o Carlos Antônio. Fora esse, não tem mais nenhum!”

Nettie se aquietou depois que Lucy lhe trouxe novamente as lembranças de seu companheiro que nunca mais irá ver novamente. Lucy parou, cruzou os braços como se tivesse agido corretamente. Sentia-se triunfante.

“Querida, por favor, vamos cooperar?” Maria tentou amenizar.

“Cooperar com o quê, Maria? Com seus planos ridículos? Estou cheia disso! O companheiro da Net já era. O meu também! Você só diz isso porque o Jasper está aí do seu lado!” Lucy disse ficando, a cada palavra, mais triste.

Ok, já passou da hora de eu interferir nessa conversa.

Toda a tristeza, raiva e desgosto sumiram daquela sala. Elas respiraram pouco mais confortáveis com o ambiente.

“Obrigada, Jasper!” Lucy me disse encabulada. “E desculpe dar mais trabalho a você!”

“Não se preocupe, Lucy. Está tudo bem!” – na verdade, não estava. Mas... nada que eu não possa dar um jeitinho, não?!

“Bom, então retornando... Nós temos de nos dividir...”

“Já entendemos essa parte, Maria. Não dá para pular para a próxima?” Nettie disse – mais uma manipulaçãozinha...

“Bem, então, quem ficar em uma cidade, terá de tomar conta da cidade sozinha. Terá toda a cidade para si. Poderá se alimentar quando quiser, desde que não saia criando novos vampiros por aí.”

“Alguma coisa que não sabemos, Maria?” Nettie – de novo. Fui ao seu lado, encostei minha mão em seu ombro.

“Nettie, não fique assim. Sei que está chateada com tudo o que aconteceu, mas esta é a melhor maneira de se resolver. Se temos uma chance contra o grupo do Sul, é fazendo assim. Lá na outra cidade, você poderá ficar sozinha sem ninguém ter de se falar o que fazer” lhe disse, sempre manipulando suas emoções a fim de que ela assimilasse completamente o que eu estava lhe falando. “E eu sei que você gosta disso! De liberdade! Não gosta?”

“Sim” ela disse em um sussurro.

“Então, se quer vingar a morte de Carlos Antônio, esta é a melhor forma por enquanto. Assim que tivermos alguma chance contra os vampiros do Sul, iremos vingar a morte dele. Eu te prometo!”

Ela sorriu e então percebi que estava em paz novamente.

“Jasper, não sou boa em luta!” Lucy começou.

“Bem, não é mesmo, mas é ótima estrategista!” – ela riu com minha sinceridade.

“É que eu também quero vingar a morte do Dan.”

“Bom, então está tudo certo. Irei vingar a morte deles por vocês!”

“Não, não quero isso!”

“Não estou entendendo!”

“Eu... eu... me ensina a lutar?” ela pediu.

“Não sei se isso é uma boa, Lucy! Você é delicada. Gosto mais de você quando você não tenta agir como uma leoa feroz.”

“Mas era meu companheiro, não seu. Eu é que tenho que vingar!” ela disse começando a se desesperar.

“É verdade, Jasper. O Carlos era meu companheiro. Não tem motivo para que você vá lá batalhar!”

“Ah, não tenho?” lhes perguntei. Ambas se entreolharam e sacudiram negativamente a cabeça. “E eles não eram meus amigos, não?! Não tinha sido eu quem havia lhe ensinado a batalhar, não?!”

“Bem, o Carlos não...” Nettie disse sutilmente.

“O modo de lutar dele era desconexo com o nosso. Sem contar que aquilo que ele chamava de luta não passava de uma dança!” fiz cara como se tivesse sido ofendido. As três riram em resposta.

“Eu farei com que eles paguem pelo que fizeram. Não importe o que me custar, eu vou fazer, ok?!” – elas ficaram bem mais contentes com a notícia. “Ninguém ficará como injustiçado aqui!”

Após alguns segundos em total silêncio e felicidade, Maria se desfez de sua imagem de estátua de mármore, foi até a janela e gritou.

“Lloyd, Javier e Marcos, por favor, venham até aqui o quanto antes!”

Logo, entraram na sala os três – todos pela porta.

“Ok, precisam de nós?” Lloyd perguntou.

“Sim” Maria respondeu. Lucy estava rindo, o que me deixou curioso.

“Por que está rindo?”

“É que eles chegaram tão rápido! Parece que eles estavam aqui no outro lado da porta” ela me respondeu.

“Ah” não consegui dizer mais nada além disso. Eu não tinha achado engraçado aquilo...

“É o que acontece quando se está com o Marcos, Lucy! Dá para saber se estão nos chamando a quilômetros de distância...” Lloyd brincou com Lucy, que continuava achando graça em tudo aquilo.

“Bem, voltando ao assunto...” – eu não era o único que estava perplexo com as gargalhadas de Lucy. Maria também. – “os chamei aquilo para dizer que vocês vão cada um para uma cidade me ajudar a tomar conta. Algum problema?”

“Claro que não. O que for preciso fazer, nós faremos!” Javier disse se oferecendo.

“Obrigado, Javier” ela agradeceu muito contente – contente até demais para mim. “Aliás, você vai para Juarez. Tudo bem?”

“Claro que sim! Quando vou?”

“Amanhã de noite, ou quando o Sol estiver se pondo.”

“Ok” – foi a única coisa que ele disse. Mas, o mais estranho era que eles dois estavam estranhos. Ok, isso não era da minha conta. Pelo menos, não por enquanto!

“Lloyd, você irá para Midland. E você Marcos, para Torreón, que é mais perto daqui.”

“Sim, por mim tudo bem!” Lloyd disse.

“Por mim também!” Marcos afirmou.

“É melhor mantê-lo aqui perto, mesmo. Ele tem uma ótima audição. Poderá nos avisar quando algo estiver para acontecer!” conclui.

“Com absoluta certeza, Jasper” ele me respondeu.

“Então está tudo ok por aqui. Irei encontrar os outros e designar mais dois para outras cidades. Em breve voltarei!” Maria se explicou.

“Ok, ficaremos aqui!” lhe respondi.

“Ah não, eu não vou ficar aqui. Eu vou dar uma volta na montanha!” Lucy disse como criança que quer passear. Só que uma criança um pouco mais crescida. Pouco mais crescida. Só uns cem anos.

Olhei para Maria rindo com a esquiva de Lucy.

“Então, ficaremos aqui sem a Lucy!”

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