Purgatório - Capítulo 05: Luz

Minha mente submergiu em um oceano de lembranças, e eu desejei me afogar nelas, nunca encontrar a superfície. As ondas com seu magnífico rosto me atingiam, e eu me entregava, apenas deixando-me levar, e esperando a hora em que eu descobriria o que realmente acontecera.

Qual é a força atingida pelo primeiro amor? Pela minha perspectiva, infinita. O que você seria capaz de fazer pela única pessoa que você realmente ama? Eu fiz tudo, e mesmo assim não foi o bastante para que nós realmente ficássemos juntos. Apenas pelo meu medo ingênuo de perdê-la, fui estúpido a ponto de deixá-la. Não foi um motivo nobre, foi um motivo egoísta.

Bella despertou os mais horrendos e maravilhosos sentimentos em mim, foi a primeira que me fez enxergar que toda a dor pela qual passei durante a transformação era única e exclusivamente para que minha vida tivesse um real sentido. Apenas quando eu soube da existência dela, e do que ela sentiu por mim desde aquele primeiro momento, me dei conta de que eu nasci para amá-la. Eu só existia para ser mais um a me estirar sob seus pés e implorar o seu afeto, tão grandiosamente correspondido.

Eu não fazia ideia da magnitude dos sentimentos dela, duvidei quando falou que achava gostar de mim mais que eu gostava dela, mas tudo era verdade. Me envergonharia até meu último pensamento por causa disso, e seria extremamente feliz pelo mesmo motivo.

Todos os momentos que fiquei longe dela foram de tortura cruciante. Não menos do que eu merecia, por ser tão atrevido a colocá-la em tamanho perigo quanto sabendo o que eu era.

Inquieto, sentei-me ao pé da escada, contando cada segundo, na ânsia de o tempo passar depressa, e que Black tivesse a velocidade dos transmorfos. Os pedaços do meu coração, congelado e destroçado, retumbavam inconscientemente, tentando reconstruir aquele pedaço de mim, à menor menção de Bella.

O crescente desespero me atingiu até o íntimo dos ossos, quando escutei o barulho do motor se aproximando. Seus pensamentos estavam silenciosos, o que me deixava ainda mais apreensivo. Ao sair do veículo, sem dizer uma palavra, abriu suas memórias para mim. Não sabia por onde começar, então pedi que ele organizasse desde a minha imperdoável partida. Achei que iria aguentar, que iria suportar ver as imagens dela, mas estava completamente errado. Um sentimento estranho se apoderou de mim, a inveja estava me consumindo, inveja de Jacob ter tido uma vida ao lado de Bella, algo que eu jamais teria.

“Quando eu estou derrubado

E me sentindo deprimido

Eu fecho os olhos

E assim posso estar com você

Oh, amor

Seja forte para mim

Amor, pertença a mim

Me ajude a passar

Me ajude, preciso de você”

Primeiramente ele me mostrou imagens de uma Bella ‘zumbi’, a imagem se demorou em dias, semanas e meses diferentes, até que ela riu de novo. Uma tonelada de culpa caiu em meus ombros, saber que eu era o causador do seu sofrimento durante tanto tempo. Me voltei para os pensamentos de Jacob, pois eu iria receber minha punição. Daquela imagem de Bella sorrindo, centenas se seguiram. Fiquei imensuravelmente feliz, mas a culpa não me deixou. Então o rosto de Bella começou a mudar, ela começou a ficar mais velha, a virar uma verdadeira mulher. E que linda!

Meu peito oco guardava todas aquelas imagens, porque na memória elas iriam acabar se desgastando pelo uso. Jacob, que não havia dado uma palavra nas decorrentes duas horas desde que havíamos começado aquilo, abriu um sorriso lacrimoso com o pensamento de Bella, na frente do espelho, sorrindo magnificamente, enquanto acariciava sua enorme barriga de grávida. A tortura era monumental, mas valia a pena ver Bella daquele jeito.

A imagem seguinte era num quarto de hospital, onde segurava aquele mesmo embrulho cor de rosa, pronta para ir embora dali. Ri internamente, lembrando de como Bella odiava hospitais, odiava que tentassem cuidar dela mais do que o necessário. Jacob me mostrou vários dos aniversários de Bella que eu perdi, a menininha perto dela crescendo enquanto os anos se sucediam.

Então parou no eco da voz de Bella na porta de sua casa.

- Tenho que ir buscá-lo, Jake. Não se preocupe, eu já volto.

Não posso tentar descrever o sentimento que perpassou o meu corpo naquele momento. Nada da dor que eu já tinha sentido se comparava. Senti vontade de chorar, meu corpo estava queimando, ardendo violentamente por dentro, a saudade era o combustível que alimentava as chamas.

- Pare, por favor! - implorei, ofegante. Ajoelhei-me no chão, tomado em desespero, medo e angústia. - Essa foi a noite em que ela...?

- Sim - concordou ele. - Bella foi buscar um livro que tinha deixado na casa de uma ex-colega da faculdade. Ela foi à pé, a casa da mulher ficava a algumas quadras da nossa. - Mantive meu rosto coberto nas mãos, não queria ver sua dor. Preferia que ele a verbalizasse. - Quando estava voltando, um idiota bêbado ultrapassou o sinal e acabou subindo na calçada - ele parou por segundos, se recompondo. - Só penso que se eu tivesse a feito ficar, talvez Júlia não sofresse tanto.

Ergui a cabeça e o encarei. Ele estava sendo bravo em não se preocupar apenas com a sua própria dor.

- Obrigado - murmurei baixo. - Pode me fazer um favor? - Jacob não falou nada e eu prossegui. - Pode, por favor, avisar para algum membro do bando que eu cheguei perto demais de Júlia?

- Por que quer que eu minta? - seu tom rancoroso carregava anos de desconfiança. - Já sei. Você não pretende sair vivo de Forks, não é? - Assenti uma vez. - Então eu não vou te impedir de fazer o que já devia ter feito há muito tempo.

- Deixarei um rastro a partir de sua casa, mas Júlia não irá me ver. - Suspirei e dei voz à única pergunta que continuava martelando em minha cabeça mesmo tantos anos depois. - Bella foi feliz?

- Muito - respondeu ele secamente. - Mas acho que não tanto quanto merecia.

“Estou completamente só e preciso de você agora

Disse que eu não viria

Mas perdi todo o controle e preciso de você agora

E não sei como sobreviver, só preciso de você agora”

Agradeci mais uma vez e fiz o que disse, me dirigi para a Primeira Praia. De cima de uma árvore, vi Júlia arrumando uma mala, e percebi que a visão anterior de Alice, quando Júlia se despedia da casa, era por que ela estava indo embora de Forks. Ela conversava animadamente ao celular sobre Vancouver. Me demorei suficientemente para que Jacob tivesse feito o que eu pedi.

Pensei em Bella. Pedi desculpas pela minha modéstia ao dizer que a amava. Como poderia apenas amar um ser tão maravilhoso? Meus sentimentos eram inigualáveis e indescritíveis. Aparentemente diferenciados por nomes, mas igualados em poder. Mesmo que tenha sido pouco, agradeci por esse tempo compartilhado e unificado, vangloriado e indiscernível, que passei ao seu lado. Eu daria o mundo por tê-la perto de mim novamente.

Bem ao longe ouvi as mentes dos membros do bando, quando eles tinham acabado de pegar meu rastro, e corri com velocidade inferior à minha usual, para que eles me alcançassem logo.

Não demorou a acontecer.

Sem dor física eu morri pela segunda vez, mas aquela valeu imensamente a pena. Em suma, nada pode ser comparado, nem toda a felicidade mundana, ao que senti por Bella Swan. Fora ela a impossível união dos diferentes monstros que me compunham, transformando-me no mais tentado dos demônios, e o mais apaixonado dos seres. Como Eros, eu não queria revelar minha verdadeira natureza à minha amada, mas ela me forçou, e eu, por vez, não resisti. Eu tentei me provar merecedor de todo o sacrifício que ela aparentemente fez por mim, e tamanha foi minha força de vontade, que acabei fazendo mais do que deveria, prometido algo a ela que eu nunca teria coragem de cumprir. Porém eu o deveria ter cumprido, feito tudo mais o que ela desejasse pelo resto da eternidade, ser seu escravo particular, ser seu refúgio de amor, ser inteiramente seu, como sempre deveria ter sido.

“Não me diga

Que não vale a pena lutar

Não posso evitar

Não há nada que eu queira mais

Você sabe que é verdade

Tudo que eu faço, eu faço por você

Não há amor, como o seu amor

E nenhuma outra poderia me dar mais amor

Não há lugar nenhum, sem que você esteja nele

Todo o tempo, em todo caminho!”

Enfim terminou meu sofrimento, meu purgatório.

FIM.