Solitário - Capítulo 45: Novo Século

1901

Passei as últimas décadas em plena calmaria com Maria. As ameaças inimigas diminuíram drasticamente ao longo do tempo – talvez uma batalha a cada dois anos...

Inclusive, chegamos a encontrar ocasionalmente Nettie e Lucy, mas devo ressaltar que este “ocasionalmente”, bem... literalmente não foi ao acaso, pois elas é que vieram até nós. Mas... Pasmem! Elas vieram contra! Ok, realmente não nos encontramos “ocasionalmente”!

O resultado não foi diferente das demais lutas. Perdemos alguns dos nossos, o inimigo perdeu vários dos seus – inclusive Nettie e Lucy –, mas ainda assim conseguimos manter Monterrey. Nós lutamos com todas as nossas forças, não importando o preço que nos custava continuar lutando.

Percebi que nunca consegui passar mais do que uma década com apenas um vampiro – logicamente que, com exceção de Maria.

Cheguei a conclusão que no início de um novo século, estou completando mais de quarenta anos. Isso, em vida humana, me daria muito dinheiro, uma grande e aconchegante casa, uma esposa para me satisfazer e crianças brincando pela casa.

Em vida humana...

Já em vida vampírica, apenas uma casa caindo aos pedaços – trocamos de casa duas vezes desde 1883 porque Maria, que não é mais minha mulher nem nada há várias décadas (e nem sei se algum dia foi) além de ser a líder principal do grupo, estava enjoada do ambiente –, e alguns amigos, que são mortos por mim mesmo ao fim de doze meses.

Ok, não são completamente amigos... Camaradas, talvez...

Amigo mesmo, só um!

Enfim, eu e Maria raramente decidimos que eles devem continuar conosco. A exceção vem com os casos extremamente raros. Apanhamos mais alguns há exatamente um ano atrás. O que significa que estamos na época do expurgo.

“Jasper, alguma chance de salvar algum deles?” Maria questionou-me ansiosa – ela queria viajar e caçar alguns pela região.

“Bem, se há algum que possamos salvar é o Peter. Ele é o único!”

“Ah, mas... Não sei, Jasper.”

“Pense bem, Maria: Peter sempre teve um relacionamento com novatos e com quaisquer outros vampiros que encontrávamos. Ninguém até hoje, pelo que me lembro, odiou ou tentou lhe fazer algum mal!”

“Sim, por esta parte, tudo bem. Mas... ele não gosta de lutar!”

“Eu sei disso, mas não lutamos mais com tanta frequência quanto antes.”

“Mas você sabe que se ele fosse mais... mais...”

“Mais o quê, Maria?!” – ela ficou me encarando pensativa. “Ele é apenas, digamos, mais civilizado que nós. O que tem de mau nisso?”

“Não tem mau algum, é que...”

“Se não tem mau, não há problema em mantê-lo conosco. Apesar de não gostar e lutar, ele é muito bom nisso. É veloz e um excelente estrategista. Sabe utilizar o local como arma e fazer com que, muitas vezes, os próprios inimigos voltem-se contra si!”

“É que eu só acho que você está deixando-o conosco por ser seu amigo!”

“E qual o problema disso? Eu preciso mesmo de ajuda com os novatos constantemente. Ele poderia me ajudar, cuidar dos novatos, treiná-los e ensinar sobre nossa vida...” fiz cara de inocente com minha afirmação – neste momento de minha vida, nem me importava mais com o que Maria sentia ou deixava de sentir em relação a mim e as minhas decisões. Controlar ela? Creio que também não, salvo raras vezes...

“Ok, se você acha que vai ser melhor... Por mim tudo bem!” ela desistiu. Vitória!!! “Amanhã então?”

“Amanhã o quê, mais especificamente?”

“A nova colheita?” ela sugeriu.

“Sim, por mim está tudo bem!”

“Ótimo, então vá avisar do novo cargo de Peter para o próprio!”

Fui avisar a Peter de que não precisávamos deixar de ser amigos. Ele estava sentado olhando o por do sol na parte mais alta do telhado da imponente Catedral de Monterrey, a mais antiga igreja da cidade. Fui ao seu encontro o mais rápido que pude.

“Então, quando devo partir?” ele me recepcionou tristonho. Havia decepção nele, talvez não pensasse com tanta esperança que eu pudesse mantê-lo em meu auxílio.

“Quando quiser!” lhe respondi sem dar-lhe a notícia.

“Ok!” ele aceitou, e abaixou a cabeça.

“Você deve partir quando quiser, pois você não é preso aqui!” – ele me olhou confuso.

“Como assim? Não entendi!”

“Peter, você é meu amigo. Meu único amigo. Não posso deixar que Maria lhe faça algum mal. Depois de todos os treinamentos, ataques, batalhas... Como poderia permitir que alguém fizesse mal à uma pessoa tão benevolente, tão cheia de compaixão como você? Você é capaz de se alimentar e depois pedir desculpas ainda para o corpo imóvel no chão!”

“Bem” ele disse acanhado, “obrigado por tudo, Jasper. Você é meu único amigo aqui. Justamente neste mundo onde tudo aparenta ser surreal, mesmo você fazendo parte dele, mesmo você conseguindo tocar, sentir, ouvir tudo. Obrigado por ser tão condolente comigo!”

“Não me agradeça, sou eu quem deveria agradecer, já que você consegue me fazer esquecer os problemas ‘deste mundo’!”

“Isso é apenas uma questão de prática, sabia?!”

“Sim, sabia, mas creio que meu cérebro não funcione exatamente como deveria com estas questões...”

“E isso te desanima por quê?”

“Não sei.”

“Você sempre foi assim, não foi?”

“Não, nem sempre, na verdade. Eu estava incrivelmente feliz com isso no começo.”

“Mas então logo a sensação foi embora.” Não era uma pergunta. Ele me entendia melhor do que muitos.

“Foi embora muito rapidamente. Antes mesmo que eu pudesse desfrutá-la mais.”

“Quanto tempo, exatamente?”

“Hmm... não sei. Creio que em um ou dois anos eu já percebia pequenos sintomas disso tudo. Eu me cansei muito rápido desta vida. Mesmo com as batalhas e as caças... No fim, eram sempre as mesmas coisas...”

“Eu te entendo!”

“Eu sei que me entende. Você é o único que me entende, aparentemente!”

“Eu entendo porque é o mesmo que aconteceu comigo. No começo há aquela maravilha, fascinação com o novo tipo de vida, mas a partir do momento em que você se vê limitado com tudo o que não pode fazer, você começa a se chatear...”

“Não me lembro de ter te visto desanimado!”

“É porque eu procurava não demonstrar isto. Eu tinha medo de que sentindo isso perto de você, Maria poderia perceber e acabar comigo!”

“Eu não permitiria. Você sabe! Você é meu amigo, sempre foi!”

“Eu sei, mas eu não podia correr o risco de que isso acontecesse. Eu tinha de fazer algo...”

“Por isso sumia às vezes!”

“Por esta razão, eu achava melhor ficar fora algum tempo e voltar totalmente recarregado por completo. Eu não gostava da ideia de ficar perto de Maria pensando em minhas dores, pesares, sacrifícios...”

“Te entendo!”

“Que bom! Me sinto bem ao saber que você me entende! Obrigado!”

“Ok. Não precisa agradecer.”

Ficamos conversando por mais um bocado de tempo até que percebemos que o dia todo havia se passado na nossa frente como se fossem meros segundos. O tempo era assim com as pessoas que se compreendiam e respeitavam mutuamente, pensei comigo mesmo.

Voltando à nossa casa, me lembrei do que eu deveria ter lhe falado, mas acabei esquecendo com a mente tomada de problemas.

“Aliás, Peter, você nos ajudará agora com os recém criados. Nós iremos amanhã caçar novos membros para nosso grupo e então você me ajudará com tudo, desde a explicação complexa de nossa espécie até os treinamentos. Tudo!”

“Por mim tudo bem! Será um prazer ajudá-lo!”

Acenei afirmativamente em completa alegria com sua opinião a respeito das notícias.

Fora isso, não tinha mais o que fazer ou dizer a respeito desta época – com exceção de um aparelhinho estranho que muitas pessoas julgaram ser coisa do ser ruim de lá de baixo que transmite a voz humana a longas distâncias pelo ar. E outra também, de que nunca me arrependi por ter defendido Peter. Mais à frente, vocês irão entender minuciosamente o motivo desta conversa – mas não o motivo do aparelhinho, rádio, como estão chamando. Ele foi citado apenas por ter me assustado ligeiramente também!

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