Solitário - Capítulo 46: Peter & Charlotte

1903

Muita coisa se passou durante estes dois anos – e isso inclui batalhas e vampiros para o nosso grupo.

Peter encontrou uma companheira, e eu soube desde o momento que vi os dois lado a lado, que o amor que sentiam era intocável. Nada mudaria nem interferiria. Seria mais fácil o mais duro bloco de pedra se desmanchar com o vento do que o amor deles se desfazer...

Eu não influenciava em nada o que eles sentiam, e me recusava a fazer qualquer coisa em relação a eles. Nunca havia visto Peter tão feliz quanto o dia que ele encontrou Charlotte!

Peter era meu amigo, e eu não podia fazer nada contra! Se ele amava Charlotte, e ela o amava tanto quanto, eles deveriam ser felizes juntos, e nada nem ninguém deveria interferir ou influenciar.

E eu prezava para que isso não ficasse apenas pelas palavras. Se alguém os incomodava, eu tratava de dar um “jeitinho” com meu dom para deixá-los em paz. Apesar de Peter não gostar de lutar, ele sabia muito bem como se virar. Por fim, ele se mostrou um excelente mestre para os novatos. Tudo o que precisavam saber, eles podiam recorrer ao Peter.

Eu tinha de agradecê-lo de alguma forma por todo o seu serviço. Não deixar que os outros o atrapalhasse me parecia uma boa forma de retribuição de favores.

Encontramo-nos agora quando um ano se passou e Maria e eu temos de eliminar os que não são mais tão úteis, e arranjar novos! Mas o problema principal era que muitos não nos eram mais úteis. Mais especificamente, Charlotte não nos era mais útil.

Eu já sabia desde o começo de que algo teria de ser feito em relação a Charlotte, pois ela não nos era útil, mas ao mesmo tempo, eu não poderia trair a confiança de Peter destruindo sua amada.

Eu estava andando em uma fina e comprida trilha sob o fogo ardente. Estava entre a faca e a espada, como se diz – apesar disso não fazer sentido para nós vampiros...

Eu sabia que tinha de tomar alguma decisão sobre tudo, alguma atitude. Mas e a coragem? O que eu seria obrigado a fazer, afinal? O que me permitiria fazer? O que eu poderia fazer contra?

Havia tantas perguntas e nenhuma resposta. Eu estava confuso, e muito, muito abalado com a provável morte de Charlotte. Aquilo mataria Peter... Eu sei disso! E, provavelmente, poderia matar um de nós também, seja Maria ou simplesmente eu!

“Está pronto?” Maria perguntou decidida a dar um fim a todos.

“Depende a sua definição de pronto!”

“Não brinque comigo hoje, Jasper! Não estou em um bom dia!” – eu que o diga...

“Estou pronto, creio eu” respondi respirando fundo tentando fazer que isso resultasse ao menos em um pouco de coragem, mas não deu muito certo – mas isso não era problema, sou eu quem sabe das emoções mesmo...

“Ótimo, pois não estou querendo demorar. Quero acabar logo e já ir atrás de outros. Não quero correr o risco de ficarmos a sós nestes três dias. Se alguém vier nos atacar, estaremos vulneráveis!”

“Então por que não espera mais um pouco em vez de aniquilá-los todos de uma só vez? Assim, aos poucos, teremos sempre cobertura!”

“Mas estou cansada deles. Eles estão me irritando há dias, e não quero aguentar nem um segundo a mais quando já posso me livrar deles!”

“Tem certeza de que esta é uma boa escolha?”

“Eu sou a líder deste grupo há décadas, Jasper. Não subestime meu conhecimento!”

“Ok, mas não estou subestimando-a. Só estou dizendo que...”

“Está dizendo que você se aparenta ser mais inteligente do que eu, e que eu não sou boa para estas coisas...” ela me interrompeu, mas então lhe devolvi!

“Não, Maria! Não disse e não quis transparecer o que você disse! O que eu disse foi apenas um conselho! Por que você não o aceita?”

“Porque não estou a ponto de ouvir conselhos nem de você, nem de ninguém!”

“Ok, então. Se acha melhor assim!”

“Vá e avise Peter que nenhum sobreviverá. Quero todos livres de meu caminho. Não quero ninguém comigo!”

“A namorada de Peter se encaixa no padrão ‘ninguém sobreviverá’?”

“Já tivemos esta conversa ontem, não, Jasper?!”

“Sim, tivemos, mas pensei que houvesse alguma chance de que ela pudesse ser poupada!”

“Pois não há, e você está muito bem ciente de tudo! Ela não nos é útil e não tem dom, então terá seu fim!”

“Mas não é culpa dela não ter algum dom...”

“Não discuta comigo, Jasper! Eu já tomei minha decisão e não voltarei atrás!”

“Mas... como direi isso a Peter?”

“Simples, não diga! Apenas faça!”

“Não posso simplesmente chegar até Charlotte e matá-la! Peter mataria a mim e a você!”

“Sou mais forte e sua líder, ele não se atreveria a isso!”

“Será? O amor que eles sentem um pelo outro é muito forte, infinito e enraizado. Sei que Peter é capaz de enfrentar o mais forte dos vampiros por Charlotte!”

“Você está se tornando muito covarde, Jasper!”

“Não estou, não!”

“É claro que está! Está com medo de acabar com os do nosso grupo. Sempre lhe deixei claro que quando o tempo terminasse, teríamos de exterminar e arranjar outros. Sempre lhe disse isto, e agora está querendo abrir exceções?!

“Mas por que não?! Por que não com Peter e Charlotte? Peter sempre nos foi de grande ajuda, e Charlotte sempre se mostrou muito útil quando precisávamos interagir com os humanos.”

“Por que está defendendo tanto Peter?”

“Porque ele é meu amigo!”

“Ninguém é amigo de ninguém, Jasper” – inclusive você de mim, não é?!, acrescentei mentalmente. Assenti com a cabeça. Eu teria de dar um jeito naquela situação. Eu tinha de dar um jeito! “Você vai agora ou vai ficar aí sentado me encarando?”

“Eu vou!” – decidi. Eu iria fazer tudo, inclusive conversar com Charlotte antes de tudo acontecer. Eu pediria desculpas, e esperava honestamente que ela as aceitasse! “Mas... na verdade, Maria” disse a retraindo, pois já estava a sair pela porta da frente, “eu gostaria de acabar com todos sozinho. Por que você não vai a busca de outros já? Assim adiantaria todo o nosso serviço e você poderia escolher com calma os que quisesse!”

“Sabe que esta não é uma má ideia?!” ela disse pensativa animando-se. “Pois bem, eu vou agora. Não demore e seja cuidadoso e organizado na matança! Não quero saber de fugitivos ao saber que você está prestes a matá-los. Seja responsável!”

“Sempre sou responsável! Confie em mim!” – disse isso, mesmo que eu próprio não confiasse em mim... Quem sabe se eu botasse tudo para fora eu tinha alguma possibilidade de enganar a mim mesmo? Poderia dar certo! Não custava nada tentar!

“Sim, confio!” ela disse, mas seus sentimentos não disseram o mesmo. Ainda assim, ela se virou e saiu em direção a uma das saídas de Monterrey – Maria ainda não queria transformar pessoas daqui, pois achava que seria mais complicado já que eles teriam por perto família e amigos... Isso sempre complica as coisas, na verdade!

Tentei me acalmar, mas em vão. Eu tinha de fazer algo. Eu tinha de falar com Peter... mas como? Como é que eu falaria para Peter o que estava prestes a acontecer? “Oi Peter, vim aqui matar sua mulher! Desculpe-me Charlotte e não fique bravo comigo Peter!”, pensei comigo mesmo. Isto seria, no mínimo, ridículo!

Mesmo assim, algo tinha de ser feito.

“Peter, eu preciso que você me ajude a chamar todos! Encontre-me aqui em cinco minutos!” lhe ordenei com o maior autocontrole que eu tinha!

“Sim!” ele apenas concordou – mal sabia o que estava prestes a acontecer com sua amada.

Corri para a montanha, pois de lá de cima eu tinha a visão ampla da cidade. Percorri com os olhos cada canto da cidade, cada sombra e casa. Por fim, encontrei boa parte deles.

Fui em direção a Capilla de los Dulces Nombres, uma pequena e adorável capela que, depois da Catedral, é a mais antiga da cidade – ela foi construída em 1830... Eu nem tinha nascido ainda!

Encontrei Benjamin, Richard, Ashley, Roy e Kristin sentados atrás do imponente e maciço sino de ouro. Fui até eles.

“Hey, por que se distanciaram tanto de casa?”

“Queríamos dar uma olhada na cidade antes!” Roy me respondeu.

“Antes de quê?” quis saber o quanto eles sabiam do que estava por vir.

“Bem, você sabe... Antes de saber o que acontecerá conosco agora que nossa força está diminuindo!”

“Ahn, ok! Preciso de vocês em casa agora. Preciso ter uma conversinha com todos exatamente agora.”

“E quanto aos outros?” Kristin questionou-me curiosa.

“Peter já foi buscá-los.”

“Você irá dizer o que vai fazer conosco na frente de todos?” Benjamin se preocupou.

“Não, os juntarei em duplas e falarei com vocês.”

“Há alguma chance de algum de nós sobreviver?” Ashley disse temendo o pior – e ela tinha razão de se sentir assim, pois era o que estava por vir mesmo! Resolvi tranquilizá-los emocionalmente e oralmente.

“Sim, há sempre chances disto, querida Ashley!” – ela respirou profundamente, mas então percebi que a tensão em volta dela diminuiu drasticamente, muito mais do que com o controle de sentimentos... “Bom, vamos?”

Todos assentiram e então retomamos o caminho de volta para nossa casa, sempre tomando o cuidado de correr em nossa velocidade vampiresca somente quando não havia pessoas por perto. Quando houvesse, éramos meros seres humanos extremamente sortudos pela nossa beleza encantadora.

Chegamos lá e encontramos Peter com os outros.

“Bem, eu gostaria de conversar com todos vocês, mas como são muitos, será que preciso que venham falar comigo em trios. Vocês três” disse me referindo a Benjamin, Roy e Judith, “podem me acompanhar até os fundos?” – isto porque tínhamos um amplo espaço lá atrás, e, nesta época, os povos daqui costumavam acender fogueiras para santos. Eles acreditavam que assim, tudo de maligno seria expulso da cidade. Mal sabiam eles que a coisa não acontecia bem assim...

“Peter, pode me ajudar a acender a fogueira?”

“Claro!” ele disse sem expressar sentimento algum além de preocupação.

Chegando aos fundos. “Você está preocupado com alguma coisa?” sussurrei.

“Bem, o que acontecerá com Charlotte, Jasper?”

“Eu...” oh ow, estou numa enrascada! “Você pode pedir para que os outros fiquem lá fora e não entrem?” mudei de assunto. Ele percebeu, mas resolveu não desobedecer... “E... fique na porta depois!”

“Claro!” ele assentiu e saiu.

O fogo já dançava forte e cruel. Até ele parecia saber que hoje a situação neste grupo estaria tensa além do normal. Ele sabia que todos, sem exceção, iriam para ele!

“Vocês três, Benjamin, Roy e Judith, não irei enrolar mais. Não irei mentir para vocês! Vocês três nos foram muito úteis, mas Maria não quer mais vocês aqui! Desculpem-me, mas vocês não podem continuar vivendo!” – instantaneamente se viraram para sair.

“Pela porta vocês não passam!” Peter os bloqueou – sobravam-lhes os muros, mas até eles chegarem lá, eu já os teria pegado! Para controlá-los então, mandei-lhes uma forte onda de cansaço, aquele cansaço que não se pode mover sequer um músculo, sabes?!

Eles caíram no chão. Peter os segurou pelos braços enquanto eu arrancava suas cabeças – o que me faz lembrar aquela expressão, “cabeças vão rolar!” Bem, por enquanto nenhuma rolou, mas quase...

Pedi para que Peter buscasse os próximos em velocidade humana – assim eu teria tempo, pois, enquanto isso, eu estava limpando em velocidade vampírica o quintal. Todos os corpos – ou pedaços deles – foram jogados como alimento para aquela imensa fogueira que ardia sem parar.

Vi então Peter voltar com Richard, Ashley e Kristin, que estão quase desmoronando de tremer. Estavam com medo.

“Bom, eu gostaria de ser rápido e objetivo com vocês!” disse olhando cada um, olho a olho. Desta vez, resolvi controlá-los desde já. Eles relaxaram. “Vocês nos foram muito úteis, mas chegou a hora de vocês irem embora!”

Acabei com os três sem dó nem piedade. Nada me faria parar agora.

Com exceção de Peter, que me olhava ansioso por saber o meu julgamento sobre Charlotte.

“Peter, vá buscar o restante!” disse inflexível, mesmo que temendo pelo que eu teria de fazer.

Ele foi e em segundos voltou com Artur, Eldren, Elton e... Charlotte. Deus! O que posso fazer? O que devo fazer?

Olhei para cada um deles, mas não olhei para Charlotte. Eu não queria acabar com ela, pois se assim o fizesse, estaria acabando com meu único amigo! Mas... o que Maria faria comigo se soubesse que eu não a destruí? Nossa relação não está nas melhores. Ultimamente, o máximo que ela faz é discutir e ir contra a minha opinião! E o que ela me disse antes de partir hoje? Para que eu não deixasse ninguém! Que eu fosse responsável! Deus, que encruzilhada!!!

“Eu... eu...” manipulei as emoções de todos, inclusive Peter! Ele também percebeu.

“Jasper, isso quer dizer que...” ele não teve coragem para continuar.

“Não... eu... na verdade...” Ok, eu já estava em problemas mesmo! “Vocês três” disse referindo a Artur, Eldren e Elton, “adeus!”

Arranquei-lhes a cabeça sem consentimento. Peguei cada parte de seus corpos e mandei-os para juntos dos outros na fogueira.

Agora! Agora era a hora!

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