Caminhei lentamente até Peter, que me olhava estranhamente como se eu fosse o mais cruel dos traidores, como se eu fosse uma aberração no mundo. Mas eu não podia fazer outra coisa. Eu estava limitado a fazer apenas uma coisa, que era o motivo por ter o fogo aceso bem atrás de mim!
Olhei em seus olhos e vi o quanto de dor que ele estava se segurando para que não me influenciasse. Ele estava tentando se controlar, mas nunca é possível se controlar por completo. Eu sempre consigo captar algo, nem que seja por uma fração de segundo.
Olhar para Peter estava doendo mais a mim do que a ele. Eu não acreditava no que estava prestes a fazer. Resolvi olhar para Charlotte, que estava toda encolhida assustada.
Fui em sua direção. Eu não podia acreditar no monstro em que me tornei. Eu estava há tanto tempo me alimentando dos sentimentos mais profundos e obscuros das pessoas, que agora, eu simplesmente estava fazendo com que Charlotte tivesse o mesmo fim!
Apesar de saber controlar as emoções das pessoas, eu não podia controlar a minha. E diante do que estava prestes a fazer, eu nem sabia mais se eu tinha algum sentimento. Meu coração não batia. Era duro e gelado há tanto tempo.
Eu não podia acreditar que estava prestes a acabar com a vida de meu melhor amigo. Eu não queria acreditar nisso. Mas era a verdade. E a verdade tinha de acontecer, mais cedo ou mais tarde! A verdade tinha de vir à tona! Ela sempre vem!
Deslizei delicadamente a ponta de meus dedos em seu queixo. Charlotte sempre foi tão sincera no que disse às pessoas. Ela era uma pessoa magnífica!
Peter, que sempre estava muito atento aos sinais, percebeu o que eu tinha de fazer. Ele pôs a mão sobre meu ombro.
“Jasper?”
“Sim” – soltei o rosto de Charlotte.
“Você...?”
O que eu poderia fazer agora? Somente contar-lhe toda a verdade!
“Desculpe-me.”
Ele ficou olhando paralisado para mim. Ele não acreditara no que acabou de ouvir.
“Por favor, me diga que isto é uma brincadeira!”
“Não, Peter, isto não é uma brincadeira! Maria me mandou fazer isso, e não tenho mais alternativas! Desculpe-me, por favor!” – eu já estava implorando perdão a ele, quando ele reagiu. Me empurrou com força o suficiente para que eu caísse longe o suficiente dele. Na queda, bati com força no muro do quintal.
Apenas o olhei de lá. Eu não tinha opções, mas eu queria ter. Ah, como eu queria ter!
Não me levantei, eu não queria agir. Não queria reagir. Sabia que estava derrotado!
“Jasper, eu te entendo...”
“Não, não entende!” lhe cortei.
“Você tem alternativas!”
“E qual, por exemplo?”
“Bom, você pode deixá-la ir!”
“Não, não!!” Charlotte gritou em resposta. Uma forte onda de mágoa e angústia lhe tomaram por completo. Ela não queria ser deixada por seu companheiro.
“Mas querida, você precisa ir, caso contrário... Jasper... ele...”
“Mas você não me ama?”
“Sim, te amo mais do que tudo que já senti em minha vida!”
“Então não se dispense de mim!”
“Mas você não pode...”
“Eu quero ficar com você!”
“Eu também quero, mas há coisas que precisamos respeitar, meu amor...”
“Então me respeite, antes de tudo!” Charlotte finalizou. Peter não sabia o que fazer. Ele estava dividido entre sua mulher e seu amigo.
Eu tinha ficado em silêncio vendo a cena de discussão entre os dois, mas então resolvi que já estava na hora de tomar alguma decisão. Se havia algo que eu podia realmente fazer, era o que eu esperava que fizessem por mim!
“Peter” disse quebrando o silêncio ali instalado e a conexão de amor olhos nos olhos dos dois, “não posso fazer nada além do que estou a fazer!”
“Eu sei, e compreendo muito bem seus afazeres, Jasper!”
“Desculpe-me por tudo que já lhe fiz passar. Por tudo mesmo!” – creio que nunca fui tão sincero em minha vida!
“Sim, eu lhe desculpo!”
“Charlotte, me desculpe por tudo também!”
“Sim, Jasper” ela disse ainda intensamente chateada, “eu lhe desculpo. Desculpe-me também pelos problemas que causamos a você!”
“Eu também te desculpo, e obrigado por me desculparem! Eu...”
“Sabemos do que tem a fazer, Jasper. É sua obrigação, e deve cumprir o que lhe foi designado.”
“Não, Peter...”
“Jasper, você tem de fazer a coisa certa. Mate a mim!”
“Nãaaao!!!” Charlotte gritou em desespero.
“Acalme-se, meu amor. Tudo vai ficar bem!”
“Não, mas... não... Jasper, por favor... não!” ela se atrapalhou.
“Charlotte, por favor, compreenda!” Peter tentou acalmá-la. “Eu sempre irei te amar independentemente do nosso fim!”
“Mas, não... por favor, Jasper! Por favor, não faça isso!” ela implorou de joelhos ao chão. Se pudesse chorar, já estaria com o rosto todo molhado. O que podíamos ouvir de seu chorar eram apenas os soluços...
“Jasper, não dê ouvidos a ela!” Peter disse inflexível.
“Sim, Peter, não darei!”
Charlotte me olhou em pleno desespero. Ela se rastejou até mim de joelhos, e depois me segurou pela camisa.
“Por favor, Jasper... por favor, eu lhe imploro! Eu lhe imploro! Não faça... não faz isso! não!!!” ela terminou, pois a segurei pelos pulsos a empurrando para longe de mim.
“Mas também não darei ouvidos ao que você está me dizendo, Peter!”
“Como assim?” ele me olhou confuso. Ela também me olhou ao parar com os soluços.
“Cheguei a uma conclusão!”
“Mas, Jasper, você não pode!”
“Sim, eu posso! Eu me viro com Maria depois! Já vivi e passei muito tempo com ela. Sei ludibriá-la!”
“Não, Jasper, você vai acabar se ferindo! Maria ficará extremamente brava com você!”
“E você espera que eu faça o quê, Peter?! Quer que eu acabe com a vida do meu melhor amigo? Se eu destruir sua mulher, você nunca mais será o mesmo! O amor entre vocês é um elo intenso. Se isto algum dia for quebrado, seja lá quem sobreviver, ele não será o mesmo!”
“Mas, Jasper, por favor... entenda!”
“Não, Peter, é você quem deve entender! Agora me escutem bem os dois!” – me levantei. Peter ajudou Charlotte a se levantar também. “Maria não queria mais pegar pessoas daqui da região, e aproveitei para entusiasmá-la a escolher bem os próximos. A animei para que ela demorasse o tempo que fosse possível para que encontrasse excelentes dons.”
“Jasper, não...”
“Não me interrompam, por favor! Maria sempre vai procurar mais ao Norte do México e Sul do Texas. Vocês tem duas possíveis rotas de fuga que não sobressaem as rotas de Maria: ou vocês vão para o Sul ou então para o Norte atravessando a fronteira com o Novo México ou o Arizona. Esta é a chance de vocês! Vocês não podem desperdiçá-la!”
“Não, Jasper, você tem que...”
“Não, não posso! E vocês também não podem ficar mais aqui! Vão e não voltem nunca mais! Aconteça o que acontecer, não voltem!”
“Mas, Jasper...”
“Não! E me prometam que não voltarão!”
“Jasper, não podemos...”
“Sim, podem sim! Agora me prometam!”
“Mas...”
“Peter!”
“Ok!”
“Charlotte?”
“Tudo bem, se é assim que você prefere!”
“Ok, ótimo. Vão embora agora!”
Peter veio e me deu um abraço, e Charlotte o repetiu só que me dando um leve beijinho nas bochechas.
“Obrigado, Jasper!”
“Sim, obrigada por tudo! Um dia voltaremos!”
“Mas eu acabei de pedir para que vocês...”
“Eu sei, Jasper, mas eu sou descendente de italianos, lembra? Sou teimosa até não poder mais!”
“Guarde sua teimosia para outra hora!” lhe respondi.
“Mas, mesmo assim, um dia ainda voltaremos para ver como você está! Devemos muito a você! Obrigada!”
“Ok, agora vão! Rápido! E não olhem para trás!” os ordenei.
“Ok, ok!”
E então eles saíram às pressas de Monterrey. A única coisa que eu podia ter feito, eu fiz. Só me restava agora ficar aqui sentado esperando que os corpos terminassem de queimar, e... bem, já que eu fiz a escolha de deixá-los vivos, o pior ainda estava por vir então! Maria!
Fiquei olhando o fogo queimar cada partícula que ali estava. Mal percebi que Maria tinha chegado – só vi quando ela gritou para ajudá-la.
“Leve estes três para cima! Tenho mais quatro para pegar em outra cidade!”
“Por que deixou em outra cidade?”
“Simples, porque eu não conseguia trazê-los todos juntos! Então vim trazendo e deixando-os em uma cidade! Assim, eu pegava uma quantia e os levava, e depois voltava para pegar o restante para ir mais uma quantia além da cidade em que deixei os primeiros.”
“E assim você trouxe todos?”
“Sim!” – ela estava explodindo alegria... Mal sabe ela que em breve estará explodindo de outro sentimento que não gosto nem um pouco!
“Quantos?”
“Nove, hoje! Mais tarde voltarei para procurar mais um ou outro aqui mesmo!”
“Ah. Ok, então!”
“E onde está Peter? Preciso da ajuda dele?” – oh ow... é agora!
“Peter está ocupado! Não pode ser eu?”
“O que Peter está fazendo em uma hora como essas? Preciso de ajuda!”
“Mas e eu?”
“Ah, ok. Você serve! Termine antes de carregar estes para cima, e depois venha me seguir até Monclova. Lá está o resto! Mas, enquanto você coloca estes lá em cima deitados, irei trocar de roupa. Estou suja de terra!”
...
“Como assim você permitiu que eles fugissem, Jasper? Como você permitiu uma coisa dessas?” Maria explodiu – nunca a vi tão brava, irritada assim em minhas décadas.
“Eu... Maria!”
“Explique-me o por quê você fez isso? Enlouqueceu?”
“Não, é só que...”
“Você não podia ter feito aquilo! Como ousou me desobedecer?”
“Mas esta é a primeira vez em décadas, Maria! E foi você mesmo quem me deu autoridade para...”
“Então lhe tiro toda e qualquer autoridade! Como ousou fazer isso conosco? Comigo? Por que?”
“Porque ele era meu amigo!”
“Amigo! HA!”
“É sim, Maria. Não tenho culpa se você é antipática e não tem amigo algum, mas eu tenho!”
“Tinha! Ele foi embora, Jasper! E é bom nunca voltar, senão eu acabarei com eles!”
“Eles não vão voltar!”
“Por que tem tanta certeza?”
“Porque pedi para que eles jurassem não voltar!”
“Ah, coitadinho de você, não, Jasper?! Acreditou mesmo neles?”
“Sim, acredito, acreditei e sempre irei acreditar!”
“Mas se confia tanto neles, por que não segue o mesmo rumo?”
“Porque não posso deixá-la sozinha! Não sei se eu sou capaz de viver sozinho, por aí... eu preciso de...”
“Você precisa é abrir estes olhos traiçoeiros seus, Jasper! Como pôde me trair assim deste jeito? Depois de tanto tempo juntos!”
“Mas não foi traição, Maria!”
“Foi desobediência!”
“Você não é dona de mim!”
“Você não tem dona e nunca teve, Jasper. E espero que nunca tenha, pois, coitada a que se juntar a você!”
“Coitada é o que se juntar a VOCÊ, e não aquela que se juntar a mim! É diferente!”
“Olhe, Jasper, estou muito chateada com o que você me fez hoje!”
“Pois fique o quanto quiser! Não me sinto mal pelo que fiz! Estou em paz comigo mesmo!”
“Então é só consigo que está, pois comigo não! Você me traiu! Traiu a minha confiança!”
“Que confiança, Maria? Você mesmo se entregava aos novatos! Como você pode ficar me acusando de traição se é você quem sempre me traiu!”
“Eu já disse que nunca fui sua!”
“Mas bem que fazia questão de aparentar isso quando havia outras pessoas por perto!”
“Não ouse falar assim comigo!!!”
“Pois então não ouse fazer o mesmo comigo!” a desafiei.
“Veja só, querendo ser melhor do que eu!”
“Não quero ser melhor, só quero... quero...”
“Quer o quê?”
“Fazer isto!” e então manipulei seus sentimentos de forma a tranquilizá-la. Mas não de qualquer forma ou força. Simplesmente direcionei todo o meu dom à ela, e então a acalmei com o máximo de força que eu tinha. Em uma pessoa qualquer, ela já teria entrado em coma profundo. Não retornaria nunca mais.
Em uma pessoa qualquer...
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