Solitário - Capítulo 53: Ainda Sou Um Monstro

“Ra-p-p-paz...” ele tentou falar sem gaguejar, mas não conseguiu. Respirou fundo e tentou novamente. “Rapaz, você... não está... bem...”

“Não, agora eu realmente não estou bem!” – ele estava se assustando cada vez mais. Alguma hora, ele sairia correndo.

“Seus... seus... seus olhos... sua pele... Você não está bem! Precisa de... cuidados!”

“Meus olhos são vermelhos por causa do sangue! E quem precisa de cuidados aqui é você, senhor guarda!”

“Eu... eu... Você... não... Por que eu... preciso de... cuidados?”

“Por que você se intrometeu em meus assuntos! Você não deveria ter vindo até mim! Você veio até a morte, e ignorou este fato ao querer me levar com você! Você é bondoso, mas é um ser de sangue...”

“O que... que... você vai... fazer?”

“Seu erro foi ter me levantado!” – ele continuou parado, mesmo que agora já estivesse tremendo. “Você se entregou à morte me pondo perto o suficiente de seu pescoço! Você me fez sentir o cheiro! Como eu poderia deixá-lo ir agora, assim?”

“Quem é você?”

“Jasper Whitlock, já lhe disse!”

“O... quê... é você?”

“Um vampiro!” – ele ficou quieto tentando remoer as informações.

“Vampiros não... isso... isso não... não... existe!”

“Se não existem, o que sou eu? Quem sou eu? Ajude-me a descobrir!”

“Você é um pobre rapaz que apenas caiu da ribanceira e foi parar no rio, e se machucou muito!”

“Sabe, até seria divertido mesmo se isso fosse a verdade!”

“Mas... não...”

“É a verdade, senhor guarda! Eu sou um monstro! Sou o monstro que não consegue mais se segurar, se barrar...” lhe respondi lambendo os lábios. Eu estava com água na boca – era uma metáfora, a água não é a do rio...

“Se segurar... do... que?”

“Desculpe-me, senhor guarda. Mas foi você quem errou!”

Fui até ele em minha velocidade de vampiro, ele se assustou ao me ver do seu lado. Cravei minha mandíbula em seu pescoço. Pude sentir o líquido quente correndo para dentro de mim.

Soltei-o quando ficou sem sangue algum. Empurrei com meu pé e ele foi parar dentro do rio. Ele mesmo tinha dito que lá havia animais mortos. Ele era só mais um.

“Frank? Frank? Onde você está?” – ouvi uma voz gritar de lá de cima. Olhei e encontrei um homem vestido da mesma roupa que o outro guarda. Deveriam ser companheiros de serviço. Ok, essa foi a minha vez de cometer um erro.

Subi silenciosamente a ribanceira, e para trás de onde o homem estava. Ao se virar, o homem de expressões jovens se assustou.

“Opa, rapaz, você me assustou! O que aconteceu com você? Está com sangue no rosto... aqui...” ele disse apontando para o seu próprio queixo.

“Quem você está procurando?”

“Frank, ele é meu companheiro de ronda, sabe?! Sempre fazemos as rondas juntos! Eu fui para um canto ver se estava tudo ok, e ele veio para este, mas o combinado era que ele estivesse aqui há cinco minutos! Vai ver ele se atrasou!”

“Vai ver ele se machucou!”

“Nossa, ele se machucou? O que aconteceu? Você o viu?”

“Sim, o vi!”

“Onde?” – apontei para a ribanceira. Ele instintivamente correu para a beirada para dar uma olhada. “Minha Virgem Maria, será que ele está bem? Você tem notícias dele?”

“Ele morreu!”

“Ha! Não brinque comigo. Onde você o viu, mais especificamente?”

“Ali embaixo!”

“Quando?”

“Há pouco tempo!”

“E o que ele estava fazendo?”

“Tentando me ajudar!”

“Ahn, ok. Então fique aqui, irei procurá-lo e já volto!

“Você não vai encontrá-lo!”

“Por que não?!”

“Seu corpo foi jogado no rio.”

“Por quem?

“Por mim!”

“Por quê? O que aconteceu com ele?”

“Porque eu não sou uma boa pessoa, e por sua causa, terei que cometer o mesmo erro!”

Cheguei até ele e suguei todo seu sangue. Assim que tudo estava terminado, percebi que eu realmente estava precisando de uma camisa nova. Esta estava suja demais.

Abri o casaco do guarda jovem e vi que a camisa dele não era tão perceptível, diferente das usuais - não aparentava ser de um guarda. Era bege, e ela devia servir em mim. Ele tinha o mesmo tamanho que eu.

Arranquei-lhe o casaco e a camisa. Vesti-lhe a minha camisa e o seu casaco novamente. Vesti a sua camisa, que agora já me pertencia, e empurrei seu corpo para a descida. Ele rolou e caiu bem no meio do rio, fazendo com que fosse espirrada água para todo lado. Ele boiou por um tempo e depois sumiu.

Ótimo! Maravilha! Duas vítimas, dois corpos e uma camisa nova!

Ok, agora eu teria de tomar cuidado com o que diria a Peter... E teria que ter mais cuidado ainda para pedir que fossemos embora, pois eles vieram de um... um carro, que não sei qual é, e alguma coisa falava lá dentro. Era uma mulher.

Olhei lá dentro apenas por segurança, para ter certeza que não havia mais ninguém, e realmente não havia mais ninguém. A voz saia de algum lugar, mas não tinha corpo para sair...

Resolvi ir embora.

Voltei ao local de onde não deveria nunca ter saído. Cheguei lá e tornei a deitar entre as raízes. Olhei para os gravetos no chão e comecei a rir. Agora, tudo aquilo estava parecendo tão distante.

Peter e Charlotte chegaram.

“Então, se divertiram?” perguntei-lhes.

“Sim, muito! Mas... vejo que você também!” Charlotte respondeu.

Oops... “Por quê?” me fiz de inocente.

“Camisa nova? De onde surgiu?”

“Bem...” fiquei envergonhado.

“Ok, já entendi! Arrume as suas coisas, minha querida. Vamos partir hoje pela tarde!”

“Mas...”

“Por favor!”

“Mas eu quero saber o motivo! Gostei daqui!” – ok, eu sou o culpado, Charlotte! Feliz?!

“Mas podemos continuar pelo cânion, é só que precisamos andar um pouquinho. Mudança de ares, sabe?!”

“E nos outros lugares teremos a mesma visão?”

“Não sei, mas quem sabe temos uma visão até melhor?!”

“Hmmm... Ok.”

“Obrigado minha querida!” – ela saiu toda contente. Parecia uma criança ao saber que irá ganhar uma passagem grátis para um parque de diversões. Ou que iria ganhar o doce que ela queria há anos...

“Obrigado, Peter!”

“Pelo quê?”

“Por tudo!”

“Não agradeça, Jasper. Eu sei que está passando por maus momentos ultimamente!” – oh ow, ele tocou em assuntos delicados...

“Bem... obrigado, mesmo assim” – meu bom humor foi embora e nem ao menos deu tchau para mim.

“E não se envergonhe. Está tudo bem!”

Sim, está tudo bem. E você não é o único que está tentando enganar a si próprio!

“Está, não está?”

“O que?”

“Tudo bem?”

“Eu... creio que... não sei... Acho que sim!”

“Quer conversar?”

“Não... Creio que seja o melhor!”

“O melhor para quem?”

“Como assim?”

“O melhor para quem, Jasper? Para nós? Você sabe que não precisa se preocupar com isso! Você deve ser você mesmo, não importa o que você sinta!”

“Charlotte se sente mal quando fico... sentindo... essas coisas...”

“Mas ela entende, Jasper! E eu também! Não queremos ver você sofrendo mais, mas, se este for o jeito de fazer com que você se sinta livre... é o que faremos!”

“Obrigado!”

“Você não tem mais nada a dizer? Nada mais?”

“Desculpe-me!”

“Não, não desculpas...”

“O que mais então?”

“Nada. Deixa para lá... Descanse, mais tarde partiremos!”

“Ok.”

Pensei no assunto, tinha muito ainda a dizer...

Vivi tantos tempos de matança e carnificina, que perdi quase toda a minha humanidade. Eu era inegavelmente um pesadelo, um monstro. E, no entanto, a cada vez que encontrava outra vítima humana, eu sentia uma fraca lembrança daquela outra vida. Era difícil lembrar essas coisas pelas outras pessoas, pelas minhas vítimas enquanto eu as matava... Lembrar do que eu sentia enquanto era apenas aquele velho e adorável Jasper Whitlock...

Eu não era mais o mesmo há muito tempo...

Eu era um ninguém. E nada, nem ninguém me conheciam como eu realmente era.

Eu continuava solitário...

1 comentários:

Leticia disse...

obrigada por postar mais. to amando♥

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