Maré Vermelha - Capítulo 17: Ciúme

O sol já se punha no horizonte, os raios que escapavam agora discretos por traz das esmaecidas nuvens, saudavam a noite com um espetáculo alaranjado, tingindo um dégradé de tons avermelhados no encontro do mar com o céu que se esparramava como um manto até morrer nas areias da praia.

Mas apesar da beleza na paisagem, Jacob só conseguia associá-la ao sangue de seu povo derramado e um frio percorreu-lhe a espinha por imaginar o que teriam que enfrentar. Nessie notou quando ele se ausentou, ela sabia no que ele pensava, só não podia prever que ele já fazia planos para tirá-la da reserva brevemente.

- E o que acontece agora? – Nessie quebrou o silêncio.

- Certamente haverá reunião do conselho e se o padrão se mantiver como nas vezes anteriores, teremos algumas semanas para nos preparar... – Uma sombra de preocupação e dor atravessou o semblante severo de Jacob. Mas, foi só o que disse, pois sabia que antes de qualquer crise que tivesse pela frente, uma outra provavelmente tão árdua e dolorosa ele iria se deparar quando contasse a Ness que não a queria ali, pelo menos não antes de La Push tornar-se segura novamente.

Caminharam de mãos dadas de volta à casa de Jacob, a noite já havia caído quando se aproximavam e logo perceberam que praticamente toda alcatéia já estava por lá, Nessie não conhecia cada um dos cheiros que podia sentir, somente alguns, apesar de reconhecer todos como familiares, mas Jacob... ele sabia cada uma das pessoas que estavam na casa, mas dentre todos odores que ele podia reconhecer apenas um lhe atingiu de maneira a fazê-lo estancar, sentiu o estômago revirar e apesar do esforço para controlar-se, não conseguiu evitar que seu coração disparasse. Nessie pôde ouvi-lo claramente e naquele exato momento entendeu o que se passava. Seus olhos estreitaram numa linha fina de ódio e sua voz saiu sibilante. Em tudo ela se assemelhou a uma cobra:

- Ela voltou, não é? É Leah que está aí! Foi por causa dela que você reagiu dessa maneira, não foi Jacob?

- Depois de um ano longe... ela voltou. – Ele não tinha se preparado para o reencontro e apesar de saber que era previsível que Leah retornasse assim que soubesse da maré vermelha, ele não havia se dado conta que seria logo. Afinal então, alguém tinha visto a maré no mínimo um dia antes, para ela já estar ali.

Nessie expirou o ar para fora dos pulmões, levou as mãos ao rosto numa nítida reação de insatisfação e falou:

- Se esse dia não chegar logo ao fim, não sei se sobrevivo a essa montanha russa de emoções!

Mas, mal sabia ela o que mais lhe estava reservado.

- Vamos Ness, vou levá-la para casa do Charlie, você esteve fora o dia todo ele deve estar preocupado. – Jake ia falando enquanto tirava as chaves da CRV dos bolsos e puxava Nessie em direção ao carro.

- Como assim, não estou entendendo... você não vai entrar Jacob? Eles estão a sua espera... Você está tentando me tirar daqui, é isso?

- Nessie, por favor... não vamos discutir, não hoje... não vamos deixar que nada estrague o que aconteceu entre a gente!

- Não precisamos discutir... é só a gente entrar! Ou você quer me esconder?

- Renesmee, você está com ciúme?!

- Não, ciúme não é bem a palavra! Uma predisposição a matar seria mais adequado!!!!

Jake sorriu do temperamento explosivo de Nessie, pensando que essa era a versão mais humana dela, puxou-a para perto de si, e beijou-lhe carinhosamente os lábios, então percorreu-lhe o rosto e o pescoço em desenhos, até alcançar a orelha dela e sussurrou:

- Linda! Você fica ainda mais linda enciumada!

Nessie manteve-se firme no seu propósito, não se deixando levar pela voz sedutora, nem pelo hálito quente que ao tocar sua pele a fazia arrepiar.

- Não me desviarei um milímetro do meu objetivo Jacob Black, não vou ceder aos seus encantos!

A brisa fria que soprou remexendo os cabelos cacheados de Nessie levou o cheiro dos dois pela janela e assim como Jacob reconheceu o cheiro de Leah, ela também reconheceu o dele e imediatamente soube que ele estava ali.

- Será que alguém pode ir chamar o Jake... quanto tempo mais vamos ficar esperando?

Seth soube imediatamente que a irmã estava tramando alguma coisa, olhou-a seriamente e balançou a cabeça num claro sinal de desacordo. E não fora apenas dele a manifestação de desagrado, todos se manifestaram ruidosamente.

- Qual o problema de vocês, vamos parar com as hipocrisias, todo mundo sabe que eu o amo... e detesto vê-lo para cima e para baixo com a san...

Antes que ela pudesse continuar Seth pediu-lhe, já prevendo o desastre.

- Leah, será que dá para pegar leve! A Nessie...

- Posso saber que parte de “nós somos inimigos naturais” que vocês não entendem? – Sentindo-se incompreendida e injustiçada pelos irmãos, Leah cuspia as palavras.

- E qual parte de “Jake teve um imprinting com Nessie” que você não entende Leah? – Embry retorquiu irritado.

- Não acredito nesse imprinting! Na minha opinião, foi um subterfúgio que Jake criou para suportar a rejeição!

- Não seja ridícula Leah! – Seth perdera a paciência com a irmã.

- Ridícula, é mesmo? Pergunte ao Sam o que ele acha desse imprinting com uma sanguessuga!

E todos pousaram os olhos curiosos em Sam, na expectativa de uma resposta. Ninguém disse nada, mas o pensamento era único: “Estaria Sam de acordo com Leah?”

Sam sentia a presença de Jacob e apesar de receoso com a iminência de uma discussão com o amigo, falou o que realmente pensava.

- Entendam... apenas não acredito que um lobo possa sofrer imprinting com um vampiro, mesmo que seja só meio vampiro, isso iria contra a nossa natureza, o motivo pelo qual existimos, não faz sentido!

Os rostos foram todos tomados por completa perplexidade, nenhum deles em momento algum tinha sequer cogitado a possibilidade de duvidar do imprinting que Jacob sofrera, ficaram se olhando ainda em dúvida sem saber muito bem o que pensar ou em que acreditar. Jacob que a tudo ouvira revirou os olhos, insatisfeito e apesar de num primeiro momento querer tirar Nessie dali, ficou parado sem conseguir se decidir se ia embora levando-a ou se entrava para acabar com a discussão.

- Desculpe Sam, mas essa história não faz o menor sentido, Jake não teria porque mentir para nós! – Embry foi o porta voz daquilo que na verdade todos os demais estavam se perguntando. – Até porque é só vê-los juntos, é realmente como se tivessem sido feitos um para o outro!

- Embry, eu não estou dizendo que Jake mentiu ou que ele não ame Renesmee, eu acredito que com o passar dos anos ele tenha se apaixonado por ela sim, mas imprinting... isso é outra coisa!

- O que para mim já é mais do que o suficiente... pois contra um imprinting eu não posso lutar, batalha perdida... mas um amor humano... sem nenhuma magia, genética ou seja lá como prefiram chamar... contra esse sim eu posso lutar e vou fazê-lo, pensei muito neste ano que estive fora e resolvi que não vou abrir mão do Jake, eu o amo e se houver uma mínima chance que seja vou me agarrar a ela com todas as forças!

Jacob foi tomado de assalto pelas palavras de Leah que o atingiram como uma bala a queima roupa, reforçando a sua incapacidade de reação. No entanto, Renesmee, não toleraria que Leah prosseguisse com mais uma única palavra e desvencilhou-se de Jacob com a mesma facilidade que se desvencilha de um carrapato preso às calças e invadida por uma onda de ódio, lançou-se ao ar num salto mais parecendo um felino em perseguição a uma presa, tamanha era sua ferocidade. Ela atravessou a porta arrancando-a das dobradiças e imediatamente avançou sobre Leah que caiu de costas sobre a mesa de canto que aparava o telefone, mas antes mesmo de tudo se espatifar no chão Leah já era um lobo. Tudo ficou confuso e a gritaria foi geral, os lobos se controlavam para evitar a transformação, do contrário arrasariam com a casa de Billy pois, a briga das duas já causava estragos suficientes. Nessie instintivamente arreganhou os afiados dentes na direção do pescoço da rival, mas Leah impulsionou as quatro patas lançando Renesmee ao ar que bateu com as costas contra a parede do outro lado da sala, um ganido estridente saiu da garganta da loba no mesmo instante que se colocou em pé e também mostrou as suas presas disposta a arrancar pedaços e avançou enfurecidamente, mas a metade vampira parecia agora sobrepujar e numa velocidade impressionante Nessie desviou-se da dentada da loba que apenas encontrou o solo vazio na investida, ela agora em pé, saltou cravando os dentes no lombo de Leah que esganiçou com a dor lancinante que sentia.

A essa altura os berros eram inevitáveis:

- Jake pelo amor de Deus controle-a, ela mordeu Leah! – Embry gritou em verdadeiro desespero.

- Acalme-se Embry, Ness não é venenosa!

- E por isso você vai deixá-la beber Leah!!!!

- É claro que não, mas você também ainda não conseguiu controlá-las!

Nessie apesar da sede avassaladora causada pelo gosto do sangue quente que desceu por sua boca virou-se para Embry, enojada e ofendida, suas pupilas eram fendas negras no meio da íris chocolate, o rosto lambuzado de vermelho e com a voz sibilante carregada de ódio, cuspiu no chão:

- Eu jamais me contaminaria bebendo o sangue dessa cade... – Mas não chegou a concluir a frase. Ouviram-se gritos, mas era tarde.

Embora estivesse machucada Leah era corajosa e não permitiria ser humilhada. Virou-se sobre o assoalho e desferiu uma patada no peito de Nessie que distraída com Embry não se apercebeu da reação da loba, suas enormes garras a atingiram em cheio, esfacelando o top azul e rasgando a pele em três longas marcas de onde escorria sangue. Nessie urrou de dor e caiu quase inconsciente, Sam agora também transformado atirou-se sobre Leah, imobilizando-a e um Jacob completamente apavorado pegou Nessie no colo, tirando-a dali.

Desesperado correu, muito e incansavelmente até chegar à casa da única pessoa na reserva que ele sabia que poderia ajudá-lo.

- Seu Ateara, por favor, preciso da sua ajuda, Seu Ateara! – Jake gritava com urgência na voz!

O velho arqueado e de passos vagarosos, saiu à porta, o rosto macilento marcado pelo tempo, os cabelos brancos longos lhe caiam como cortinas sobre a face, mas os amendoados olhos castanhos, esmaecidos por uma catarata carregavam a magia e sabedoria de quase um século da história de um povo. Jake não precisou dar maiores explicações, assim que o velho viu a garota gemendo nos braços dele, deu passagem e apontou para um sofá que apesar de rústico era bastante grande. Assim que Jacob acomodou-a o velho soube de quem se tratava e mais rapidamente reconheceu as feridas em seu peito.

- Quem dos nossos fez isso, filho?

- Foi Leah, as duas se enfrentaram, Nessie também a feriu...

- Entendo... – O velho então se aproximou e analisou melhor os ferimentos. – Vou precisar de sua ajuda, na primeira gaveta na cozinha, pegue uma tesoura, e depois ferva água, precisamos limpar tudo isso primeiro. O velho índio cortou o top que Nessie usava e então com a delicadeza de um neurocirurgião limpou o ferimento com panos limpos trazidos por Jacob.

- Agora escute, filho, você está muito nervoso, se não conseguir se controlar pedirei que a deixe sozinha, o resto eu mesmo posso fazer. Acha que pode lhe fazer companhia sem afligi-la?

E apesar da forte dor Nessie levantou seu braço, mexendo os dedos em busca das mãos de Jacob que logo a alcançaram.

- E...le pode, se... sei que p... pode...- Sua voz era fraca e saía tremida devido ao esforço que fazia para falar.

O velho deixou-os e numa pequena cozinha apanhou uma cuia na qual começou a amassar algumas ervas que dispunha no quintal atrás da casa, macela de aroma agradável, usada como revigorante do corpo e do espírito, arnica e camomila para alívio da dor, alteia para melhorar a resistência da pele, aroeira por ter propriedades anti-inflamatórias, chá de alquemila para o processo de regeneração e transformação da pele, sementes de papoula como sedativo e por fim, essência de maravilhas usada inclusive como componente de produtos cosméticos por sua propriedade de rejuvenescimento.

- Talvez não fiquem cicatrizes já que ela é meio vampira, mas isso, só o tempo dirá! – O ancião concluiu.

Então, se voltou para a moça e com uma gentileza jamais vista despejou com as próprias mãos o unguento nas feridas, a princípio Ness gritou com a dor e apertou a mão de Jake, que procurou esconder o rosto para que ela não visse as lágrimas rolarem. À medida que, a mistura viscosa ia fazendo efeito, a dor aos poucos foi cedendo lugar ao alívio, já era suportável e finalmente ela adormeceu. Jacob então ajudou o velho Ateara a cobrir os ferimentos com bandagens embebidas no mesmo unguento e colocou-a na cama para que repousasse, sentou-se numa poltrona ao lado abatido e inconsolável.

- Jake?

- Sim, seu Ateara?

- Filho, você está trilhando um caminho de incertezas, mas ela escolheu estar com você, então pare de se martirizar, não a subestime, ela sempre soube dos riscos.

- Não quero entrar na vida dela dessa maneira...

- Vocês dois juntos... nunca foi fácil Jake... mas talvez seja justamente disso que todos nós tenhamos que tirar alguma lição... Bem, irei ver Leah... ligue para o Charlie, ele precisa de uma satisfação.

- Farei isso... ah, Seu Ateara diga a Leah que... bom deixe para lá...

- Direi que sente muito filho, por hora será o suficiente!

- Obrigado... por tudo!

- Não por isso!

E Jake ficou por muito tempo velando o sono de Nessie, até que adormeceu exausto, com a cabeça sobre os braços cruzados na cama.