Maré Vermelha - Capítulo 22: Vingança

Passadas quase 24 horas desde que Edward saíra de La Push e Renesmee ainda derramava o oceano pelos seus olhos. O choro incontido e soluçado havia passado, agora as lágrimas escorriam incessantemente sem que fosse possível controlá-las. Um gosto de fel lhe descia pela garganta, mas ela não se importava mais, preferia o amargo da raiva ao gosto da decepção. De tudo, o mais difícil de suportar era o tamanho do amor que ela ainda sentia no peito, Ness queria poder arrancá-lo de dentro de si, apagar as lembranças de cada momento que ela e Jake um dia tinham vivido juntos. Era inaceitável conviver com o desejo de estar com ele, que teimosamente insistia em permanecer ali em cada célula nervosa de seu cérebro e em cada milímetro de pele que burramente ainda pediam pelas sensações que aquele corpo quente e moreno lhe faziam ao menor dos toques. Sentada ali, nas escadas da frente da casa, com o olhar parado e vazio dirigindo-se ao nada Renesmee prometeu a si mesma que nunca mais seria enganada pelo falso amor de Jacob, o tempo trataria de afastar os dois.

Bella sabia exatamente a dor que haviam infligido a sua filha e seria capaz de dar a sua própria para que Renesmee não tivesse que sofrer o que ainda estava por vir. Pois Isabella sabia o quanto, as duas eram muito diferentes, por mais que ela mesma, Edward, o próprio Jacob ou quem quer que fosse no mundo tentassem explicar as motivações por trás da atitude de Jacob, nada nunca demoveria Nessie da ideia de deixá-lo. Era comum ouvi-la dizer nas pouquíssimas vezes que o episódio da partida de seu pai anos atrás surgiu em pauta, que Edward era um homem de sorte por ter se apaixonado por Bella, pois Renesmee não seria capaz de perdoá-lo como sua mãe fez!

- Quanto tempo você acha que ela ainda vai ficar sentada naquelas escadas? – Rosalie perguntava com a voz embargada, abalada por ver a sobrinha naquela dor.

- Renesmee não é como eu Rosie, ela irá se por a reagir!

- Acho que isto me preocupa ainda mais! Ela será capaz de tudo para esquecê-lo. Você me desculpe, mas nem todos aqueles insultos que você disse a ele são suficientes, por mim eu iria até lá matá-lo com as minhas próprias mãos, você é pacífica demais Isabella! – Rosie fazia um esforço sobrenatural para controlar seu instinto vampiro de matar, pois o ódio que sentia de Jacob era suficiente para fazê-lo, mas o amor que ela tinha por Renesmee era maior que tudo, era só isso o que ainda a mantinha ali falando aos sussurros, a fim de não magoá-la ainda mais.

- Rosie não é necessário matar quem já está morto! O ódio que fiquei pela inabilidade de Jacob, justamente por ele ter vivido comigo toda a dor que passei, foi sem tamanho, mas eu o conheço mais do que ninguém e acredito no amor dele pela Nessie, por mais idiota que sua atitude tenha sido... Sei que isso ainda o matará de muitas formas, ninguém precisará fazê-lo, tenho até medo de como tudo venha se refletir no que ele ainda tem que enfrentar para defender seu povo e sua terra.

- Pois para mim qualquer castigo para aquele cachorro nojento e irritante é pouco!

- Não diga isso se algo acontecer a ele, mesmo ela se esforçando para matá-lo dentro de si, não é isso que Ness realmente quer... – Bella tinha se tornado mãe acima de qualquer coisa, estava estraçalhada por dentro, mas não perderia o equilíbrio em hipótese alguma, ela seria o porto seguro de Renesmee. Estava decepcionada sim com Jacob, mas não conseguia se quer olhar para Edward, desde que o marido tinha voltado com a filha ela não havia lhe dirigido uma única palavra, demoraria a desculpá-lo. Ela não conseguia deixar de pensar em como os homens podiam ser tão lamentavelmente insensíveis na tentativa de serem racionais e práticos.

Infindáveis horas se passaram, os Cullen mal respiravam a fim de não perturbar Renesmee que insistia em manter-se sentada a chorar na escada. Mas de repente, sem que, nem para que, ela levantou-se e enxugou as lágrimas jurando que não deixaria mais nenhuma outra cair por Jacob. Sentou-se a mesa onde costumavam se reunir para conversar e chamou a todos, o tom era de convocação.

- Preciso falar-lhes... tomei uma decisão!

Imediatamente todos pararam o que estavam fazendo, mesmo quem estava no andar de cima desceu ao ouví-la.

- Não é um pedido, já vou logo avisando, antes que alguém se ponha contra... pensei que talvez possa viver uns tempos longe... dessa maneira as coisas por aqui se acalmariam e vocês finalmente poderiam resolver os problemas, sem ter que além de tudo, se preocupar comigo!

- Mas que idéia é essa Nessie, por favor, filha, você jamais nos atrapalhou em coisa alguma, ao contrário desde que nasceu você deu novo sentido às nossas vidas! – Na voz de Bella podia-se ouvir o desespero, essa era uma situação que ela não aguentaria viver em nenhum momento de toda sua eternidade.

- Mamãe, primeiro me ouça, por favor...

- Docinho, não faça isso, nenhum de nós suportaria sua ausência... tudo isso vai passar, quando a crise em La Push acabar...

- Nada mudará Emmet, nada mudará... está acabado!

- Ness, querida Jake te ama, ele sofreu um imprinting com você, eu não teria porque lhe mentir sobre isso filha. Você não confia em mim?!

- Mamãe, não acredito em imprinting, não acredito em amor possível entre lobos e vampiros, Jacob deixou claro a mulher que deve permanecer ao seu lado, aquela que pertence ao mesmo mundo que o dele! Não sou eu, simplesmente não fomos feitos da mesma matéria.

- Ness, não pretendo em hipótese alguma defendê-lo, também não poderia julgá-lo, pois não sei como eu reagiria se estivesse no lugar dele, nenhum de nós poderia dizer... Mas, não se engane, vocês são feitos da mesma matéria sim... pelo menos em parte... a MELHOR parte... são HUMANOS! Coisa que nenhum de nós somos, por mais que nos esforcemos para tentar parecer! – Era inacreditável para alguns dos ouvidos ali que estivessem escutando aquilo justamente da boca de Jasper, aquele que de todos mais teve dificuldade em negar seus instintos vampíricos!

Edward estava imóvel, faltava-lhe o ar, sentia-se co-responsável pela imensa dor de sua filha e agora isso... vê-la partir...

- Renesmee, você vai se afastar das pessoas que mais te amam no mundo, justamente nesse momento que você está fragilizada e precisando de consolo. Por mais que esse seja seu desejo, não posso permitir filha!

- Se me ouvirem, não acharão a ideia tão má!

- Nessie como você pode sequer cogitar que estar longe de nós não seja ruim! –Rosalie estava visivelmente desesperada. – Você não vai concordar com essa loucura, não é Edward?! Você é o pai dela afinal!

- Por favor, Rosie... – Ness tentava falar.

- Acho que devemos ouvi-la antes de ficarmos todos incomodados com a NOSSA própria dor, Nessie já sofreu demais por isso, foi a vítima por Jacob não saber conviver com o medo de perdê-la, está mais que na hora de aprendermos essa lição! – Carlisle se pudesse estaria sangrando por dentro, mas desta vez ele estava determinado a que sua família finalmente entendesse que não podiam mais repetir os mesmos erros!

- Quando o ano escolar acabar parto para Phoenix, não será difícil conseguir uma bolsa para universidade de lá! Quero morar com Renné, está mais do que na hora de eu conhecê-la. Inventamos uma boa mentira, afinal a minha vida já é repleta delas, uma a mais, uma a menos, não fará diferença.

- Ness, não seja sarcástica, filha!

- Ora papai, estou aprendendo a ter senso de praticidade assim como você!

- Filha, sei que está com raiva de mim, mas procure entender que nossa vida não é uma mentira, é uma escolha, uma opção!

- Vai passar pai... estou com muita raiva mesmo de você, mas vai passar... a ideia é boa... há tempos converso com vovô Charlie sobre conhecer Renné, não é justo eu não conhecê-la ainda e agora, mais velha, sei que posso encarar um bom disfarce. Mamãe, eu poderia ser uma prima do papai e você pediria a vovó que me recebesse em sua casa até que eu me organizasse na nova cidade, tenho certeza que ela concordaria!

- Sim, ela certamente concordaria, ultimamente não tem acompanhado Phill, já que ele está para se aposentar. Ela tem ficado em casa para organizar tudo para quando ele retornar no final da temporada.

- Bella, eu não estou acreditando... você está considerando a hipótese! – Rosalie estremeceu com a idéia.

De tempos para cá Alice estava muito silenciosa e entristecida e hoje não era diferente, mas, resolveu se pronunciar, e contrariamente aos que os demais achavam, ela apoiou Renesmee.

- Você não poderia estar em melhores mãos querida, Bella bem sabe disso tanto que passou a considerar a ideia... Renné tem uma alegria de viver que lhe fará muito bem, além de você estar coberta de razão quando diz que teremos que resolver os problemas por aqui. Teremos mesmo e é melhor que tudo esteja resolvido quando você retornar!

- Obrigada Alice... – Nessie falou sinceramente agradecida!

- Meu bem, você sabe que o sol de Phoenix não permitirá que a vejamos sempre! – Esme falou sem ter certeza se aquilo era um apoio a neta ou não.

- Eu sei vovó, mas sei também que vocês são os vampiros mais habilidosos em camuflagem que possa existir, afinal misturam-se aos humanos, raramente despertando desconfianças! – E sorriu, pois apesar de reconhecer que Esme sofreria com sua partida, teria nela também o apoio que precisava.

Fez-se o silêncio, estavam todos profundamente tristes... e nada mais precisou ser dito, a decisão estava tomada e consentida. Nessie iria embora.

* * *

Há menos de 80 km dali, na sofisticada suíte ônix do Grand Hyatt Seattle, localizado a uma quadra do Centro Estadual de Comércio e Convenções de Washington e a alguns passos das mais renomadas lojas, butiques, do famoso mercado de Pike's Place e do lendário Experience Music Project de Seattle estavam deleitando-se com a estadia duas personalidades conhecidíssimas dos Cullen, causando estranheza e arrepios nos breves contatos que tinham com os funcionários do hotel, Aro e Caius Volturi. Marcus havia preferido permanecer em Volterra e como ele mesmo dissera, não estava disposto a sujar as próprias mãos, dessa vez aguardaria as boas novas pacientemente no conforto de sua majestosa propriedade. Aro absolutamente seguro do sucesso da empreitada lisonjeou-se percebendo que Marcus se auto-dispensara, pois também acreditava que teriam êxito. Acomodados em suítes igualmente luxuosas estavam os componentes da “guarda real”, Alec e Jane, Felix, Demetri, Chelsea e Renata. Outros que estariam também a serviço dos Volturi chegariam dali a algumas horas, quando então partiriam para Forks.

- Gianna nos serve muito bem Aro, dessa maneira não precisamos nos aproximar demais desses humanos, a ideia de trazê-la foi realmente apropriada. No devido tempo deveríamos transformá-la, antes que ela perca essa beleza jovem e estonteante que ainda tem.

- No devido tempo, meu caro irmão, no devido tempo, por hora, ainda nos é mais útil na sua frágil forma humana, mas que convenhamos lhe confere lindos olhos verdes e um cheiro doce e suave, arrebatador.

Gianna havia cuidado de tudo, desde as roupas que seus mestres vestiriam, os vôos noturnos que os levariam até a América em horários diferentes, de maneira que tantas figuras, no mínimo peculiares, não chamassem atenção, bem como a reserva no hotel e alguns pares de óculos escuros para alguns e lentes de contatos para outros que melhor conseguiram se adaptar a elas.

- Aliás, Caius, não pense que ignorei o fato de você servir-se do programador, o hackerzinho, como sua refeição, os conhecimentos dele ainda nos seriam muito úteis, demorei anos para encontrar alguém com a capacidade daquele rapaz aliado a uma boa dose de falta de escrúpulos, você ao menos podia tê-lo transformado.

- Ora, ora meu caro irmão, bem sabes que aquele rapaz depois de transformado não serviria a ninguém a não ser a si próprio, era um tolo prepotente, foi obediente enquanto temia pela vida, já estávamos arriscando alto, mantendo-o vivo. Ademais, alimentar-me da escória da humanidade, não é algo que combine com a nossa estirpe, menos ainda que me satisfaça, deixe isso para os menores, para guarda.

- Que seja, Caius, mas por favor, em uma próxima vez gostaria ao menos de ser consultado, para evitarmos constrangimentos entre nós, não é mesmo, meu querido? – A fala doce e pausada de Aro era digna de causar arrepios a quem quer que fosse, aquela figura esguia e pálida em tudo lembrava um anjo da morte, até mesmo na maneira como articulava as palavras, sempre sussurrantes. No entanto, Caius o respeitava e admirava-o por sua capacidade de liderança, mas não o temia, de modo algum.

- Muito bem irmão, mas não deixemos que esse pequeno incidente obscure o brilho da nossa conquista, estamos muito próximos agora... e tenho estado particularmente satisfeito com você, desde que concordou em extinguirmos os lupinos da face da Terra.

A conversa entre os dois regentes era sempre num tom de grande amenidade, e o tratamento entre eles sempre repleto de reverências, embora, por trás de cada gesto e de cada palavra proferida, existia nas entrelinhas uma constante ameaça velada, que só se mantinha subliminar pela notoriedade das realizações de Aro como comandante.

- Segundo as últimas informações que obtive, a qualquer instante aquele clã de vampiros presunçosos, que insistem em ser chamados de FAMÍLIA, receberão a notificação na qual consta que terão até 72 horas para deixarem a casa onde vivem atualmente. – Aro nunca pretendera esquecer-se do ocorrido em Forks, há 6 anos atrás, por ocasião do nascimento de Renesmee, sua saída estratégica poupo-lhes de um confronto de resultado incerto, entretanto o fez cultivar uma vingança durante anos, que se desenvolveu, como uma planta que germina e adquire forças diariamente quando sob todos cuidados e meio apropriados.

- Ardilosamente perfeito! Essa será sem dúvida a maior de todas as conquistas, você foi de um primor assustador ao estudar profundamente o modo de vida desses infelizes, seus talentos e suas fragilidades, sua paciência foi assombrosa, mas tenho que admitir, fundamental! A idéia de exterminar primeiramente os “cães de guarda” e enfraquecê-los não só em contingente, mas afetiva e emocionalmente é digna de aplauso, meu irmão!

- Nosso grande trunfo foi termos descoberto que a vidente não pode enxergar os lobos! A partir daí tudo ficou mais fácil. Pudemos tramar como íamos dizimar toda a reserva, sem medo que ela previsse o que tínhamos em mente! Mas, temos que ser perfeitos Caius, não podemos permitir que um único Quileute viva e seja herdeiro desse dom! Mulheres, crianças, jovens, velhos... TODOS têm que ser exterminados, nada de correr riscos e deixar viver um só, que seja, que possa perpetuar essa raça de inimigos! – A voz de Aro parecia que tinha perdido a sua pseudo doçura e tranquilidade, naquele momento era contundente e fria, a voz de um assassino, inescrupuloso e sanguinário.

- Quanto a isso meu caro, fique tranquilo, todos os nossos foram bem treinados, pessoalmente por mim. Estudei, como você bem me recomendou, toda a história desse povo, suas origens modo de vida, o surgimento do dom entre eles, seu sistema de defesa, sua capacidade de ouvirem-se mutuamente mesmo a longas distâncias... Penso que, sabemos muito sobre os licantropes, os idiotas tem inúmeras publicações sobre suas origens, crenças e lendas, além do mais, plantar espiões em Forks e em aldeias vizinhas não foi tão difícil assim, há sempre um humano imbecil, ambicioso que se vende por pouco dinheiro! – Vaidoso de si próprio, Caius se considerava muito superior a qualquer um, inclusive a Aro, no entanto, procurava adotar uma postura diplomática, pois via muito mais vantagens nisso. Tinha desprezo pela vida humana, essas só lhe serviam como alimento, destruí-las para ele era um prazer, livre de qualquer tipo de remorso ou arrependimento.

- Está confiante Caius, parece mesmo que não teremos dificuldade nenhuma, então! Com os Cullens sem poder saber de nada e totalmente envolvidos com seus próprios problemas: a “providencial” falta de dinheiro, a necessidade emergente de entregar a casa e a eminente necessidade de se aproximarem cada vez mais de um modo de vida vampiro, visto que, estão completamente falidos, nem terão tempo de oferecer ajuda. Sendo assim, os lobos viraram presas fáceis!

- Assim é que será... abatidos com a sua tão preciosa necessidade de manterem-se o mais humano possível escapando-lhes pelas mãos, tendo que viver entocados, já que perderam uma casa e estão a vias de perder a outra, arruinados pela culpa da morte de seus preciosos “cães de guarda”, pois quando forem buscar abrigo em Forks, logo ficarão sabendo do ocorrido... “voilà”, derrotá-los tampouco será difícil!

- E finalmente calaremos todo comentário humilhante de uma possível fragilidade nossa, frente aos Cullen! – Quando disse isso os olhos vermelhos de Aro viraram fendas impiedosas por onde se podia enxergar uma sombra sórdida e corrompida no lugar do que um dia fora uma alma.