17 de maio de 1851
Mais um dia, mais uma manhã. Senti a claridade atravessando as leves e claras cortinas de minhas janelas. Algumas delas estavam entreabertas, permitindo que o ar entrasse, circulasse e levasse embora o quente ar de minha respiração.
Me levantei e saí correndo para o quarto ao lado do meu: o quarto do Bryan, meu irmão. Ele ainda estava dormindo. O lençol branco subia e descia, subia e descia, conforme a sua respiração. Ele já estava maior, em tamanhos de larguras. Ele tem comido muito, está ficando roliço.
É estranho vê-lo assim, mais forte, pois sempre fomos tão parecidos, um com o outro, tanto fisicamente quanto mentalmente. Gostamos de quase as mesmas coisas: brincamos com os mesmos brinquedos, comemos as mesmas comidas, bebemos as mesmas bebidas.
É estranho saber que somos tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo. Ele gosta de se exibir para as mulheres que passam por aqui – e para algumas escravas também. Eu não, sou tímido, e prefiro me abrir apenas com as pessoas com que eu me sinto confortável, que me implique confiança.
Não são em muitas pessoas em que confio. Elas podem ser resumidas em pai Joe, mãe Mary, Bryan, vovó Edimary e Noah.
Mas ele ainda tinha outro defeito – que, particularmente, ganhava de todos os seus outros –: ele roncava. Isso era ridículo, horrível, terrível, patético... era o inferno dos infernos. Do meu quarto eu podia ouvir aqueles agudos como se estivesse bem ao meu lado...
Mas hoje, o dia tinha um gosto diferente. Faltava exatamente uma semana para o meu aniversário. Finalmente eu teria sete anos. Então me faltaria apenas oito anos para meu tio Juan me levar para conhecer os saloons que meu vovô Johnny tanto comentava.
Mas enquanto este dia não chegava, eu iria aproveitar o dia de hoje. Pulei sob a cama de meu irmão, o acordando muito assustado. Ele fez uma careta quando viu que quem havia pulado tinha sido eu – ele era o rei das caretas, eu adorava as que ele fazia com nojo.
Ele simplesmente me empurrou para fora da cama. Desequilibrei e caí com o rosto no assoalho de madeira. A dor foi incrivelmente rápida, mas ela veio em parceria com a raiva e, lógico, alegria (é que eu achei engraçado o modo pelo qual caí desengonçado no chão, acho que eu pareci uma batata caindo).
Ele tornou a dormir, como se nada tivesse acontecido. Boa tentativa! Subi novamente na cama e comecei a gritar em seus ouvidos. Nem sei ao certo o que eu gritava, apenas gritava.
Segundos depois de minha tentativa cruel de acordá-lo, ele me empurrou novamente – desta vez eu apenas rolei, não caí – e se levantou.
“Jasper, por que você está tão feliz assim? Você viu um pássaro roxo?”
Pássaro roxo? Isso existia?
“Ah, é que hoje falta exatamente uma semana para meu aniversário. Não é legal isso? Ser mais velho em apenas 7 dias?” perguntei, uma felicidade incontida em minha face.
“Depende, eu acho que eu ficaria feliz, mas você sabe que mamãe odiaria esta ideia de ser mais velho em alguns dias.”
“É, mas mamãe é linda, mais nova ou mais velha. E, aliás, a gente fica velho cada dia que passamos, não envelhecemos um ano no dia de nosso aniversário assim, de uma hora para outra.”
“Tente dizer isso para mamãe então, não para mim. A última vez que tentei falar isso, ela ficou brava e quase me bateu. Tive que sair correndo!” Sorri com essa imagem que estava se formando em minha cabeça: minha mãe costurando algo calmamente no sofá, quando meu irmão chega e fala para ela que ela fica velha todo dia, e então ela explodindo de raiva e meu irmão correndo de medo... Eu teria que explicar encarecidamente para mamãe um dia que ninguém no mundo é imortal, e que todos envelhecem...
Mas mesmo assim, eu gostaria de ter visto esta cena. Eu nunca vejo essas coisas, viu...
“Mas, então... não quer brincar comigo hoje?” Hoje... falando deste modo até parece que nós brincamos uma vez a cada colheita... “De... hmmm... cowboy?”
“Hmm... acho que cowboy não é uma boa ideia...” Oops, me esqueci da nossa última brincadeira de cowboy – chegamos ao fim dela correndo com medo o suficiente para nunca mais tentar outra dessa.
“Então, do quê? Carrinhos? GUERRA!” gritei. “Guerrinha é legal. Você fica como soldado e eu como general!” propus.
“Mas eu nem disse se aceitava ou não. E eu não quero ser um soldado. Se for para brincarmos de guerrinha, eu vou ser pelo menos o bonequinho que é o marechal” meu irmão afirmou. Ele é chato às vezes, é um dos defeitos dele.
“Marechal não. Ele é superior ao general, e eu quero ser o superior de todos.”
“Mas eu não vou ficar com os soldadinhos patéticos. Eu quero ser um do alto escalão, e do mais alto escalão de verdade.”
“Ah não, o mais alto ponto do escalão vai ser o general e ele vai ser eu.”
“Por que tem que ser você, docinho?” Uma careta da vovó quando fica me mimando. “Você é o mais novo e eu sou o mais velho, portanto, eu mando e você obedece!” meu irmão, muito bruto, disse.
“Isso não é justo! Eu quero ser do mais alto ponto do escalão... e além do mais, quem propôs guerra foi eu, não você! Eu tenho direito de escolher mais do que você!”
“Jura? E se eu lhe disser que a vida não é justa? Você já ouviu isso por aí, não ouviu?” ele ficou me olhando como se isso fosse a frase mais eventual possível. “Aposto que sim, então eu, como mais velho, escolho ser o de maior patente!”
“Não, não, não, NÃO!!! O aniversário que está chegando é o meu, então eu é que devo ser de maior patente...” Preparando a voz mais doce que eu podia, e lá vai: “Você podia me dar isso de aniversário, não podia? No seu aniversário eu te deixei pular na minha cama, e olha que depois você sujou toda ela, e mamãe não deixou que Noah trocasse os lençois, e eu tive de dormir nela toda suja!”
Eu estava quase lá, quase. “E você sabe como nós dois somos teimosos. Mamãe sempre nos disse que alguém sempre tem que abrir mão de algo pelo bem do outro, e entre nós dois, esse alguém não vai ser eu!”
“Aaaahhhh, ok, então.” Vitória!!! Que maravilha!
Neste exato momento, mamãe abriu a porta do quarto de Bryan e nos disse:
“Meninos, por que estão ainda de pijamas? Vamos, se troquem que nós vamos para a casa da vovó.” Assim que ela terminou a frase “nós vamos para a casa da vovó” enfatizando muito bem a palavra “nós”, nós dois, Bryan e eu, dissemos aquele triste e prolongado “Ahhhhh...”
“Não, não, meninos, não adianta fazer essa cara de piedade para mim, pois eu não vou mudar de ideia”. A cara de piedade que ela disse foi para mim – oh ow, ela dava certo antes, acho que mamãe conseguiu se tornar imune a ela. “Vamos, se aprontem e desçam para o café da manhã, que logo após iremos para lá.”
“Mas mamãe, não podemos ir” comecei a dizer, tentando pensar em alguma boa desculpa – detalhe: nada passava pela minha cabeça...
“É mamãe, não podemos ir...” meu irmão repetiu.
“Hmm... e eu posso saber o motivo disto?” mamãe disse se aproximando de nós curiosamente – ela queria saber por que a gente não quer ir à casa da vovó ou por que a gente estava mentindo? Para as duas eu tinha as sinceras respostas: primeiro por que vovó apertava as minhas bochechas até elas ficarem de um rosa muito forte, e segundo por que estávamos preparando nossa guerra em que eu seria o soldado da maior patente.
Mas o que dizer para ela agora? Uma desculpa... uma qualquer... pensa, pensa, pensa!!! Já sei... o que sempre tira as pessoas de suas obrigações sem que as outras pessoas não fiquem chateadas?
“Estamos doentes, mamãe.” Eu estava muito contente em ser um general, então eu estava até quente com o calor da emoção. “Estou me sentindo um pouco febril.”
Mamãe caminhou até mim com um olhar cuidadoso e amoroso ao mesmo tempo. Ela sentou na beirada da cama de Bryan e pôs sua suave mão sob minha testa, e depois bochecha, e me examinou por alguns segundos.
“É querido, você parece estar um pouco quente mesmo. Acho que você pode ficar em casa por hoje.” Eu amo a mamãe. “Mas você disse que vocês estavam doentes, não disse?” Oh ow... outra doença para Bryan. “O que você está sentindo Bryan?”
Bryan olhava para mim e depois para mamãe, para mim e mamãe. Incontestavelmente, ele não sabia o que dizer. Assustado, ele conseguiu dizer: “Dor...”
“Onde meu querido? Onde dói?” mamãe atenciosamente o perguntou.
“No... na... ér...” ele tentou começar
“Onde querido? Tudo bem em falar para mamãe, não fique com vergonha.”
“Na...” Olhei para mamãe e percebi que ela estava preocupada e ocupada de mais com o que estava acontecendo a sua volta, então me virei para Bryan e apontei a barriga. “... barriga. Isso, dor na barriga. Ai como dói...” ele disse, fazendo o seu péssimo teatrinho para mamãe – que, ridiculamente, caiu. Como mamãe pode ser tão cega assim para essas situações mal encenadas?
“Tudo bem, mas eu pensei ter ouvido vocês gritando todos felizes antes...”
“É que estávamos tentando decidir o que poderíamos fazer para passar o tempo enquanto estávamos nos sentindo mal...” tentei argumentar, não tendo a certeza de que eu conseguiria a fazer acreditar – mas se ela acreditou no bobo do Bryan, acreditaria em mim.
Havia um certo toque de tensão e ansiedade se misturando a preocupação no ar. Eu conseguia sentir as vibrações de preocupação vindo de mamãe.
“Mas se vocês estão doentes, vocês não devem brincar, devem ficar na cama de repouso” mamãe nos disse, ainda preocupada, mas com amor nos olhos. “Bom, volte para a cama Jasper, irei chamar o médico para vocês dois agora mesmo.”
Ela deu um beijo em nossas testas, se levantou da cama e saiu pela porta entreaberta.
“Jasper, que história é essa de doença? Por que você disse isso?” Bryan me perguntou com uma voz preenchida de raiva – eu não havia percebido que ele estava bravo, acho que ele está se tornando um bom ator.
“Olha, eu disse isso para nos livrar da vovó e da escolta de mamãe. Eu queria brincar de general, de guerrinha... não é justo ela acabar com nossa brincadeira justo quando eu seria o soldado de maior patente...”
Ele continuava bravo. “Mas agora ela foi chamar um médico para vir ver a gente. E agora? Nós não estamos doentes...” Ai como ele é bobo!
“Vamos ter de mentir... mais uma vez...”
“Foi você quem mentiu!”
“E você não mentiu dizendo da dor na barriga, não é? Vamos ter que fingir estar com dor. Na verdade, é você que está com dor de barriga, e se lembre disso. Eu estou com febre” lhe disse.
“Parabéns! Maravilha! E como você vai ficar com febre?” Odeio quando ele é irônico deste modo comigo.
Eu ouvi Noah dizer para Julia, outra empregada, que há muito tempo, uma vez quando era pequenina e morava na casa de seus pais na África, um amigo dela havia esfregado alho na sola do calçado e ficado com febre. Ou será que era cebola? Ou manjericão... arruda? Oh ow... preciso achar a Noah antes que mamãe perceba que estou fora da cama ainda.
“Eu vou dar um jeito, não se preocupe, e você está doente de dor na barriga. E está doendo muito!”
“Ok, mas não esqueça então de que se parecemos doentes, também vamos ter que agir como um doente. Então, se for preciso, você que trate de molhar bem o rosto em água quente.”
Mensagem entregue e compreendida. Nada sairia do controle – não comigo no comando, pelo menos. Corri para a cozinha.
2 comentários:
rsrs meu Deus Jasper era um pestinha inteligente!!kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Com certeza!!! Quem diria, hein Jasper?!
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