[Jasper]
Apesar da imensa lua, ela me oferecia uma luz fraca, apenas o suficiente para enxergar a silhueta de três senhoritas que estavam andando pela estrada deserta.
Eu não conseguia enxergá-las perfeitamente, mas alguns de seus traços estavam gritantes para mim mesmo neste breu.
Fiquei incerto se eu deveria desmontar do cavalo e lhes oferecer ajuda. Resolvi ir ao encontro das donzelas.
Quando estava a caminho, senti meus pelos da nuca se arrepiarem, e eu tinha quase certeza de que alguma coisa estava por vir naquele momento, eu só não sabia o quê, especificamente.
De instantâneo, todos os meus sentidos se aguçaram o suficiente de forma que eu pudesse ouvir ou sentir qualquer coisa que passasse ou estivesse perto de nós. Cada passo que avançava, eu podia ouvir o som abafado de meus coturnos ao se chocar com o solo. Havia algum animal por perto também – além do cavalo, é claro – mas eu não sabia distingui-lo.
O vento aparentava me avisar de algo com suas leves e tímidas brisas. A lua agora iluminava toda a cena a minha frente, me dando conhecimento da situação, ainda que não o bastante. E aquela sensação ruim ainda não havia dispersado.
Lembrei-me que, como soldado, eu não poderia jamais demonstrar alguma fraqueza, ainda mais com mulheres. Elas estavam paradas bem de frente a mim, face a face, no possível – eu era mais alto do que elas.
Quanto mais perto eu chegava delas, mais a sensação estranha me assolava – creio que aproximar de fantasmas estava me deixando confuso. Próximo, eu percebi o quão magníficas elas eram.
Suas feições combinavam com a mais pura porcelana que uma família financeiramente bem poderia ter, seus cabelos sutilmente bagunçados – talvez pela migração – e suas roupas banhadas em algo escuro, talvez um líquido ou lama, mesmo que não existisse isto por esta região no Texas.
Ainda assim, eu nunca havia visto três mulheres tão lindas em toda a minha vida.
Resolvi afugentar toda a minha covardia, e perguntar qual era o problema destas lindas criaturas – ah sim, por que humanas elas não eram... Elas deviam ser fantasmas divinos...
Parei a poucos passos delas, mas pestanejei no local onde me encontrava. Limpei minha garganta, como se assim o fazendo me daria mais coragem para proclamar qualquer que fosse a palavra, mas eu apenas não conseguia. Eu não conseguia parar de olhar assustado para elas.
Elas deram as honras.
- Ele está perdido – uma delas disse. Ela tinha os cabelos dourados e a voz mais linda e delicada que eu já havia ouvido. Elas pareciam sinos, pequenos e delicados sinos de vento. Um fantasma, certamente, não seria tão magnífico assim com ela, muito menos quanto às outras.
A encarei incrédulo por sua beleza, mergulhando-me em meus mais profundos e insanos pensamentos, o que me fez assustar levemente ao ver que a outra mulher ao seu lado estava quase que encostada a mim. Ela apenas estava se inclinando, talvez para me observar melhor, o que me proporcionou a belíssima vista de sua face angelical.
Ela me analisou intensamente com seus olhos semicerrados, olhou cada traço de minha face.
- Hmmm... Adorável – ela disse aos suspiros, o que me fez sentir mais calafrios ainda com o toque de seu hálito frio em minha quente pele.
A terceira mulher, que tinha feições mexicanas, estatura mais baixa que as outras e cabelos negros, se aproximou rapidamente onde se encontrava a que estava próxima a mim. Ela simplesmente pôs uma de suas mãos no braço da companheira e falou muito rapidamente, tão rápido que eu não pude perceber de imediato o que ela estava falando.
- Concentre-se, Nettie – ela disse soando como a mais graciosa música para meus ouvidos.
Naquele tom, a única coisa que consegui fazer era com que meu cérebro aceitasse era a suavidade com que as palavras soavam de seus lábios. E esta aparentava ser realmente a sua intenção – ela tinha um plano a ser posto em ação, e por alguma razão, ela não queria que isto saísse errado, o que me fez perceber que ela deveria ser a “líder” do grupo em que elas andavam.
- Ele parece perfeito: jovem, forte, um oficial – ela disse me olhando dos pés à cabeça. – E há algo mais... está sentido? – ela disse perguntando às outras duas atrás e novamente me olhando, agora mais próxima a mim provavelmente procurando por algo. – Ele é... – ela suspirou e buscou por palavras para me descrever, – convincente.
- Ah, sim – concordou Nettie rapidamente, vindo novamente em minha direção e se inclinando, agora com as pontas de seus dedos passeando delicadamente por meu pescoço, descendo aos meus ombros e depois braços. Ao seu toque, senti meus pelos se eriçarem mais uma vez.
- Paciência, não quero perder este – a morena avisou, creio que não só a Nettie, mas como a outra também.
Nettie pareceu não concordar muito com a preocupação da morena, pareceu se irritar com o que ela tivesse dito, como se aquilo fosse o maior dos crimes cometidos no Texas. Ela apenas ficou me rondando, caminhando em pequenos passos ainda me olhando milimetricamente.
- É melhor você fazer isso, Maria – a loura falou... – Se ele é importante para você. Eu mato mais vezes mais do que os mantenho vivos.
Ok, essa era a minha deixa... Nada de continuar ali.
Obriguei meus músculos saírem do transe daquela situação, e correrem o máximo que pudessem. O cavalo estava assustado, quase que fora de controle, então tomei algum trabalho para acalmá-lo antes de montar novamente.
Olhei para as três senhoritas e percebi que elas não fizeram nenhum movimento. Nada! Elas pareciam três estátuas de mármore muito bem entalhadas... E isso só piorava ainda mais a minha situação!
Quem é que acreditaria quando eu contasse que vi três fantasmas? Ou então três estátuas falando comigo? Ou pior, três estátuas fantasmas que eram lindas senhoritas perdidas em uma estrada abandonada?
Ninguém acreditaria e todos falariam que eu estava mal da saúde! Eu seria internado em um desses hospitais de saúde mental... E isso não é boa coisa, principalmente para a família...
Parti em galope o mais rápido que eu pude. Não queria olhar mais para trás, pois estava com medo que aquelas... senhoritas, viessem atrás de mim. E pela voz e beleza delas, eu podia afirmar facilmente que elas não eram pessoas normais, comuns...
Algo estava errado, e se elas já eram diferentes daquele modo, quem me garantia que elas não eram mais rápidas do que o cavalo?
Resolvi não arriscar e voltei pela mesma estrada da qual eu vinha.
Tempo depois, eu olhei para trás e não havia nada novamente. Nada! A Lua ainda brilhava lá em cima iluminando toda a vegetação daqui debaixo. Aquela sensação ruim já tinha se passado no momento em que resolvi fugir...
Fugir...
Inferno! O que minha família irá pensar de mim quando souber do que acabou de acontecer? Eles vão sarrear de mim pelo resto de minha vida! Serei a vergonha da família, pois estou fugindo de três senhoritas, mesmo que elas não aparentassem ser meras senhoritas inocentes...
Bem, se eu já seria motivo de vergonha em casa, mais ainda eu seria na base. Ok, o jeito é ir para o lugar em que eu estaria mais seguro contra tudo! – ou aparentemente tudo. A imagem das três moças lá na estrada continuava em minha mente. Cada vez que eu fechava os meus olhos, eu via a imagem delas ali presente.
Eu estava completamente atordoava... e perdido.
Na escuridão, quase que me perdi do caminho de volta. Só então percebi que eu estava mais próximo de minha casa do que por minhas contas...
Devo ter ido mais rápido, ou então fui na mesma velocidade, só que como me distraí na tentativa de fuga e com meu medo, acabei não percebendo...
Sim, deve ser isso...
De qualquer forma, agora eu já estava seguro – pelo menos, eu gostava de acreditar nisso...
Bati na porta. Minha mãe abriu a porta.
- Jasper, meu filho... O que você...
- Eu desisto, mãe!
- Você... desiste? – ela disse feliz.
- Sim, eu não quero mais ficar no exército, mãe. Quero outra vida para mim... Quero viver!
- Meu filho... Mas é claro... Venha, entre!
Entrei e vi Cris deitada no sofá dormindo. Fui ao seu lado e me ajoelhei para afagar seus finos cabelos. Desta forma, ela parecia um pequeno anjinho descansando.
- Linda, não?! – minha mãe veio ao meu lado.
- Sim. – Olhei para ela e então me levantei. – Precisamos conversar!
- Sim, claro. Vamos para a cozinha, então...
Chegamos lá e ela abriu um dos armários para pegar a caneca de fazer chá. Ela pegou algumas ervas de cima da fruteira e então começou a encher a caneca com água.
- Eu fico muito feliz por saber que você resolveu voltar, meu filho... – sim, ela estava realmente feliz... Dava para perceber de longe a sua felicidade. Contagiava a todos, mesmo que o “todos” só fizesse referência a mim...
- Obrigado, mãe. Obrigado por me receber novamente. Eu sei que errei, mas estou arrependido...
- Errou onde, Jasper? Você não precisa se sentir assim... – ela sempre foi tão compreensiva comigo...
- Sim, mãe, preciso sim, por que fui eu quem arruinou toda a felicidade e o bem estar desta casa! Eu preciso pedir perdão por ter arruinado tanto nessa casa. Eu tenho de pedir desculpas por ter sido tão ignorante e arrogante com a senhora e com todos daqui...
- Não precisa, não, meu filho. Eu sou sua mãe, e não importa o que aconteça, você sempre terá o meu perdão. Eu sou sua mãe e você é meu filho. Não importa o que aconteça, sempre te amarei!
- Mas, mãe... E todas aquelas vezes que te vi chorando?
- Eu chorava não porque você me fazia mal agindo daquela forma, eu chorava por saber que você estava infeliz... Isso me machucava muito mais do que qualquer coisa. Se alguém cravasse uma espada em meu coração, isso doeria menos do que ver você tão triste daquele jeito...
- Mas, de certa forma, era minha escolha continuar daquele jeito!
- Não, meu filho. Você pensa desta forma porque acha que é mais fácil, mas não é assim que as coisas são. A sua tristeza e depressão foi alimentada por muitos fatos que nem eu, nem seu pai fomos capaz de lhe tirar ou sequer amenizar.
- Mãe, não se sinta culpada. Nunca foi culpa sua... Nada disso foi!
- Jasper, eu sou sua mãe. É meu dever ficar junto de ti o tempo que for necessário, aconteça o que acontecer. Você precisava de carinho e conforto, você precisa se sentir literalmente em casa, e eu não fiz nada disso para você. Eu tinha pouco tempo disponível, e quando ainda tinha, desperdiçava com coisas inúteis...
- Mas, mãe...
- Filho, o meu amor por você é incondicional, ok?! E nada me alegra mais do que saber que finalmente meu filho querido está de volta a casa.
- Mãe, por favor...
- Você não sabe o quanto me magoou saber que você tinha partido assim como seu irmão. Seu pai me disse que os soldados podem enviar cartas à sua família quando estão nas bases, e então eu fiquei esperando cada dia que o carteiro passava na frente de nossa casa esperando por alguma notícia sua.
- Desculpe, mas é que eu não queria incomodá-la mais...
- Eu sei, querido. Eu entendo, no fim das contas. Eu cheguei a pensar que você estava morto em uma certa hora, sabe, ou que não sabia que poderia me enviar cartas. Isso me ajudou a pensar de uma forma diferente, querido. Só com sua partida eu pude perceber o quanto eu estava deixando de cumprir aqui em casa.
- Eu não queria que a senhora se sentisse assim...
- Eu sei, mas eu senti isso...
- Desculpe.
- Não se desculpe, meu filho, pois isso foi bom para mim. Joe e eu estávamos pensando em ter outro filho, ou então adotar alguém. Eu estava ciente do que eu tinha errado e estava comprometida a nunca mais pecar nos mesmos erros. Se eu errasse, seriam em novos erros, mas não os antigos... Eu estava disposta a começar uma vida nova com alguém novo, mas sem esquecer de você, meu filho...
- Então, você quer que eu vá?
- Nãaaao, pelo amor de Deus, Jasper... Não, isso nunca! – ela se desesperou.
- Mas, se é o que a senhora pretendia...
- Eu pretendia isso porque pensava que você não estava mais vivo, meu filho. Eu queria ser mãe novamente, ter alguma criança perto de mim, mesmo que ela não fosse de meu sangue. E aconteceu que finalmente meu filho legítimo voltou para casa com aquela bonequinha na sala.
- Mas, mãe...
- Não, Jasper, pare de me interromper... Você não vê? Estou tão feliz por ter agora dois filhos? O meu caçula e uma menina? Eu sei que errei ao deixar que você partisse uma vez, mas agora não cometerei o mesmo erro. Você não irá embora de mim outra vez... Ou vai?
- Não, se a senhora prefere que eu fique... Se a senhora acredita que é melhor para a senhora que eu fique aqui...
- Eu acredito nisso. Sempre acreditei na verdade, que um dia você pudesse voltar, mesmo que você estivesse sem um braço ou uma perna, mas eu acreditava que você um dia voltaria...
- Mas você disse que chegou a acreditar que eu estivesse morto... – agora eu tinha ficado realmente confuso.
- Eu sou mãe, Jasper, te lembras? Não importa o sentimento que está na base do coração, o que vale é sempre a essência do coração, e a minha essência era você. No fundo, eu sabia ou gostava de acreditar que você estivesse vivo. E para minha sorte, aqui está você!
- Então, tudo bem se eu ficar mesmo?
- É claro, meu filho. Seu quarto está da mesma forma que você tinha deixado...
- Err... Da mesma forma? – aquilo deveria estar todo branco de tanta teia de aranha...
- Sim, da mesma forma. Mas se preferir, podemos trocar como se isso marcasse um novo começo!
- Ah, não, está tudo bem com aquele quarto daquela forma... Eu gostava dos objetos naquele quarto em certos locais respectivos.
- Ok, então. Agora, você prefere chá de hortelã ou camomila? – amor ainda radiava de minha mãe.
- Ahn... Os dois!
Ela riu e então separou duas xícaras para mim, uma de cada sabor.
Finalmente, tudo estava bem. Eu estava em casa, minha mãe agora estava mais feliz do que já a tinha visto em toda minha vida por estar com seu filho desaparecido e com uma filha que sempre quis ter, e... Meu pai!
Onde é que ele estava que eu não o tinha ouvido ainda?
Será que ele não tinha chego ainda em casa?
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