Solitário - Capítulo 15: Primeira Viagem

01 de maio de 1961

Vários dias se passaram desde que me alistei para o Exército da Confederação. Durante estes dias, tivemos vários treinamentos com armas e táticas de guerra. Até recebemos uniformes azuis escuros, para que quando precisássemos ir à luta, não fossemos vestidos como vagabundos.

Eu estava me honrando por tudo o que eu estava vivenciando por aqui. Eu estava aprendendo com todos os velhos homens daqui, que por serem velhos, não podiam – ou não queriam, mesmo – ir ao campo de batalha e enfrentar os inimigos. Eu ainda era jovem, tinha batalhado pouco em minha vida se comparado com estes senhores.

Mas eu queria aprender mais. Aprender sobre tudo. Qualquer coisa que me fosse útil durante esta minha nova vida: a de um soldado. Agora, sentindo o quente lençol abaixo de mim, percebo o quão longe estava minha antiga realidade, a de um mero filho de fazendeiro de algodão e gado. Eu não tinha futuro lá, eu o tinha aqui.

Este era o meu lugar, e eu me sentia completo por estar aqui. Onde meu coração estava me mandando, clamando para ficar. Eu sentia como se meu coração estivesse realmente vivo aqui, como se ele realmente estivesse fazendo o seu trabalho com orgulho de si. Ele apenas deveria bombear o meu sangue para todo o meu corpo, me permitindo treinar, adquirir conhecimentos sobre tudo o que eu faria em breve.

Era um árduo, mas gratificante trabalho. E isso, tanto ao meu coração, quanto a mim.

Ouvi, então, o grito de um dos soldados. Desci quase em desespero e corri para fora do quarto. Eu já estava de farda apesar do horário – eram aproximadamente cinco e meia da manhã –, então aproveitei para me apresentar a sala do tenente Coltrane – agora tenente-coronel Coltrane, ele foi promovido há poucos dias, talvez uma semana.

Bati em sua porta, mas não houve sinal em resposta. Eu e o tenente-coronel nos tornamos bons amigos durante suas aulas particulares.

Foi então que percebi que todos os soldados corriam desajeitados, alguns estavam segurando canecas e alimentos, do café da manhã, outros estavam saindo quase que caindo pelos cantos tentando andar e pôr os sapatos ao mesmo tempo. Outros corriam pondo as próprias roupas e se arrumando para que a farda não ficasse larga, solta de mais.

Não perdi tempo, corri para a sala em que continha o arsenal de armas. Na havia percebido ainda, mas nesta sala, onde havia pouco menos do barulho do galpão e mais barulho do que acontecia lá fora, eu soube que estávamos sendo atacados.

Apenas peguei as pistolas, pois elas tinham capacidade maior de armazenagem de balas – as espingardas tem capacidade de apenas dois tiros por vez, apesar de que seus tiros são bem mais perigosos, destruidores se de encontro ao corpo humano.

Fui correndo até a porta do quintal, encontrando o tenente-coronel Coltrane.

“Soldado, nossa situação está crítica. Precisamos evacuar todos os soldados que aqui podem ser encontrados. Como meu discípulo, eu lhe peço que me ajude a evacuar todos os que não estão prontos para enfrentar os inimigos.”

Havia chegado mais alguns voluntários, houve algumas aulas, treinamentos, mas o mais recentes não tiveram o mesmo treinamento que os que chegaram comigo aqui. Estávamos a mais tempo, treinados a mais tempo. Éramos nós quem deveríamos tomar uma posição e defender o nosso forte.

“Senhor Coltrane, preciso chamar os demais de minha turma para ajudar os oficiais a defender o galpão...”

“Esqueça isto Jasper, os oficiais darão um jeito, eles tem armas e munição o suficiente para espanta-los momentaneamente.”

“Momentaneamente? O que vamos fazer? Para onde iremos, senhor?”

“Chame os novatos, e alguns de sua turma para lhe acompanhar. Vocês todos irão para o Sul, irão para Galveston, lá estarão seguros. Não se preocupe conosco...”

“Conosco? O senhor irá ficar?”

“Claro Jasper, onde mais eu deveria ficar? Eu sou o tenente-coronel desta brigada, e sou teu superior, e espero unicamente que faça o que me prometeu nos primeiros dias: lealdade e obrigação sempre... não me deixe aborrecido.” Eu não conseguia acreditar no que eu estava ouvindo... o homem que me influenciou, que me ensinou tudo o que sabia para que eu pudesse ser melhor do que os outros estava se dispondo, estava se deixando para trás em prol de sua brigada, de um grupo de míseros trinta ou quarenta homens.

“O senhor não pode fic...” tentei argumentar contra, mas ele me interrompeu.

“Você é que não pode me desobedecer, soldado Whitlock. Me deixe orgulhoso com sua obediência e inteligência. Me faça crer que tudo o que lhe ensinei não foi esquecido, e que o tempo que passei lhe ensinando não foi perdido. Vá... agora!”

Apenas o encarei, seus olhos estavam me olhando esperançosamente, logicamente esperando que eu pudesse salvar pelo menos metade de seu grupo de batalha.

“Estou orgulhoso por ter sido ensinado pelo senhor, e me desculpe pelos meus defeitos, não posso ser perfeito, e por isto tenho de desobedecer o senhor. O senhor tem de ir conosco. Não aceitarei sua ordem.”

“CHEGA! VÁ AGORA!” Ele perdeu a paciência e gritou comigo, o suficiente para fazer com que as suas palavras anteriores entrassem em minha mente. Eu estava compreendendo a situação: eu estava numa guerra, e não numa festa.

Apenas consenti. Fiquei o olhando, e então ele virou as costas e saiu andando. Quase longe o bastante de mim, ele virou e disse: “Tenho orgulho de você, mesmo me desobedecendo, soldado Jasper Whitlock.”

E eu teria de honrar todo este orgulho. Saí correndo chamando por todos os novatos e mais alguns da minha turma. Todos vieram até mim, e então lhes repassei as informações assim que todos estavam reunidos a minha frente.

“A situação é a seguinte: estamos no meio de um confronto, e tenho ordem para que pegamos algumas armas para que possamos nos defender por tempo o suficiente até chegarmos a Galveston. Lá estaremos mais seguros, e sairemos agora mesmo de jipe. Pegaremos os dois jipes que estão perto da porta da frente do galpão, e sairemos em direção ao Sul com a máxima velocidade que pudermos correr. Alguém tem alguma dúvida?” – preferi dizer assim, tudo de uma vez, eu só esperava que todos acreditassem em mim e não ficassem me fazendo perguntas.

Todos me olharam, assustados ainda com o ataque inesperado, mas apenas um deles me fez uma pergunta: Julio.

“Quantas armas e de munição podemos pegar?”

“O quanto acharmos necessário. Creio que nossos armamentos de treinamento de todos os dias e várias caixas de munição. Se acontecer de acabar, teremos de arranjar um jeito de encontrar mais para nos proteger, e se for preciso, em última opção roubaremos dos comerciantes e cowboys” – pelo menos, se roubarmos dos cowboys, não seria injusto, visto que a maioria deles arranjam munição roubando também.

Todos correram para pegar o máximo de armas e munição que podíamos carregar em mãos, ou roupas. Fiz sinal para que parassem e saímos correndo em direção aos jipes. Todos subiram, exceto eu e Julio que ficamos fora para abrir os portões. Ouvíamos os tiros e as explosões das bombas cada vez mais perto de nós, provavelmente eles estavam ou entrando no galpão para se protegerem, ou os nortistas estavam fechando o cerco contra nós.

Assim que o portão estava aberto, os jipes saíram e subimos quando eles estavam fora do galpão. Saímos em disparada para qualquer lugar que fosse, menos a cidade, pois todos já deveriam estar assustados demais para saber que soldados estavam fugindo da batalha, mesmo que fosse por ordem superior.

Meus conhecimentos de localização adquiridos graças aos treinamentos deu nos a posição em que deveríamos seguir, e então fomos dirigindo perigosamente no limite máximo da velocidade dos jipes.

Fiquei atento a todos os nossos lados, eu não queria receber um ataque surpresa assim como recebemos no galpão. Se eles tivessem nos visto fugir, eu poderia jurar por minha alma que viriam atrás de nós.

O exército Confederado não era grande, e muito menos organizado. Percebi, olhando para os soldados que me acompanhavam na fuga, que todos eram homens que tinham pacatas vidas em cada uma de suas famílias, vivendo em cada uma de suas pacatas cidades. Todos haviam deixado tudo para trás para lutar por um bem maior, pelo bem do nosso Estado.

Muitos deles nunca nem tinham saído de sua cidade, ou de sua região. Agora eles estão num lugar tão distante, tão surreal quantos os sonhos que todos tinham de um dia poder fazer algo grande, poder ir a um outro local para conhecer outras pessoas. Mas creio que este sonho tornou-se um pouco distorcido, o sonho se tornou pesadelo, e ele, realidade.

Estávamos fugindo da guerra pela qual tínhamos nos alistados voluntariamente. A benevolência de meus superiores fez com que eu levasse as boas almas mais para o Sul, para que eu pudesse salvar alguns inocentes pela quantia de tempo mais longo que eu pudesse conter.

Eu soube que muitos estavam se misturando com a guerra. Muitas famílias estavam sendo despedaçadas pela política, economia, futuro... por tantas coisas acima de nós, e que, se não fizéssemos a coisa certa, por mais pequena que ela fosse, todo o resto poderia ser prejudicado.

Eu soube que mulheres, sejam elas donas de família ou apenas senhoritas, estavam deixando o aconchegante lar para atuar ao lado dos enfermeiros. Precisávamos do máximo de homens que pudéssemos arranjar, e nossas mulheres, nossas genitoras escolheram largar tudo o que vivem, deixar toda a sua delicadeza em casa para ajudar os que precisam nos hospitais.

Eu sentia dor com este pensamento: mulheres deixando tudo para trás para cuidar dos feridos, fazer algo que elas nunca aprenderam ou foram obrigadas a fazer. Eu odiava a mim mesmo por saber que eu tinha deixado mulheres para trás, e que, quem sabe, elas poderiam estar entre tantas as outras que estavam indo para os hospitais. Eu me odiava por não ter deixado aviso algum para que elas não se envolvessem com a guerra, me ter dentro disso já estava me deixando depressivo o bastante para ter que agüentar a culpa de tirar minha mãe e Noah do conforto da casa de meu pai. O equilíbrio já estava abalado sem mim lá dentro, eu prefiro não imaginar como seria entrar naquela casa e não encontrar as fontes de alegria daquele lugar: Mary e Noah.

Uma onda de raiva e culpa passou por mim, mas eu me odiaria depois. Eu ainda tinha o dever de cuidar destes homens.

2 comentários:

Marcela disse...

Acho q ainda ñ existiam jipes em 1861... mas a fi tá ótima!

Marcela disse...

*fic

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