Solitário - Capítulo 16: Sobrevivendo

Continuamos nossa viagem por todas as pequenas estradas. Não queríamos chamar a atenção, mas nossos uniformes já eram conhecidos pela população sulista, eles saberiam reconhecer a milhas que éramos soldados.

A noite já estava em seu fim, e estávamos começando mais um dia. E que dia...

Mesmo chegando perto do litoral, ainda tínhamos algumas visões da vegetação local que era muito seca. Creio que todo o nosso Estado tinha esta vegetação, então. Não posso afirmar isso, logicamente, pois eu não tinha viajado por todo o Estado para saber se era verdade ou não, mas por enquanto, por todos os locais por onde passamos, era sempre a mesma vegetação.

Parecíamos estar num deserto. Num deserto extremamente seco e quente, e sem direito a Oásis, aliás.

Todos pareciam estar cansados, então demos uma parada entre a vegetação, assim, se houvesse tropas inimigas por perto, não conseguiriam nos enxergar.

“Calma pessoal, nós vamos sair deste deserto, ok!?” disse para todos assim que desceram dos jipes.

“Claro que vamos uma hora, mas até não sairmos, eu vou passar muita sede” Julio me disse, rindo um pouco com nossa situação.

“É verdade, não temos muita água. Eu tenho um pouco em meu cantil ainda. Quer?”

“Não, obrigado. Fique para si mesmo, já tomei todo o meu, e não é justo eu acabar com o seu também... Se eu tenho boca de terra seca o problema é meu, não seu...” – eu adorava o humor de Julio, ele era uma boa pessoa para se ter como companhia.

De repente, um dos novatos deu um sinal de aviso. “Vem alguém aí.” Fomos todos para trás dos jipes nos esconder, todos com suas armas carregadas em mãos – pedi para que todos as carregassem caso fosse necessário.

Fui vagarosamente até o canto do jipe, e dei uma espiadela para ver quem estava vindo. Se fossem os nortistas, eu abriria fogo mais rápido do que num piscar de olhos. Mas, então, houve um inesperado. Um senhor de idade veio mancando em direção a nós, provavelmente deve ter nos visto passar.

“Alarme falso pessoal, é apenas um velho.” Eu só esperava que este velho, justo este que parecia ser tão inofensivo, não nos atacasse – eu estava esperando por tudo, até pela volta dos dinossauros.

Me levantei, ainda com o Calibre em minhas mãos apontado para o senhor. Ele pôs a mão na frente de si mesmo, e apenas disse muito cansado: “Por favor, ajuda!” e caiu de frente ao chão. Ele não havia tropeçado, ainda mais por seu estado físico.

Ele me lembrava meu avô, meu falecido avô que eu sentia tanta saudade.

“Temos que ajudá-lo!”

“Ele veio de fininho até nós, e pegadas de fininho não vale. Pega a gente de surpresa...” Julio tentou argumentar, o que não me interrompeu de fazer o que estava prestes a fazer.

Logicamente que corri para socorrê-lo, eu não poderia deixar um cidadão perdido no meio da vegetação no estado em que ele se encontrava, tão cansado, exausto. O peguei em meus braços e o carreguei até onde os demais estavam, atrás dos jipes. Tirei meu cantil que estava preso ao meu cinto, o abri e abri sua boca para que ele bebesse um pouco de água – isto já seria alguma ajuda levando em consideração seu estado.

“E se ele representar perigo para nós?” Cristiano, outro de minha turma, me perguntou.

“Como ele pode representar perigo desta forma? Neste estado físico de extremo cansaço? Ele deve ter fugido de algum ataque que estava perto de sua casa, ou deve ter sido arrastado, não sei.”

Assim que ele terminou de engolir o resto de minha água, me virei para o Julio para lhe pedir que me ajudasse a levantar o senhor, mas ele foi mais rápido do que eu.

“Que bom que você foi egoísta e recusou a água para mim, ele precisava desta água mais do que eu.”

“Eu? Egoísta? Pensei que o problema de sua boca ser como uma terra seca era problema seu e não meu!” lhe respondi, todos rindo agora.

“Me desculpe, estou tentando fazer o possível pra sobreviver a este deserto! Mesmo que seja com risadas...” Julio me respondeu – não tinha como eu ficar bravo com esta pessoa. Não mesmo!

Lhe pedi auxílio e ele me ajudou a carregar o senhor até a parte de trás de um jipe. Subimos todos e retomamos a viagem: precisávamos agora não só não ser visto pelos inimigos, mas como dar um jeito de ajudar este homem.

Chegamos a Dickinson, uma pequena cidade assim como todas as outras da região. Apenas o entregamos – sim, como se fosse um pacote de presente – em um local que parecia estar no centro da cidade. Era um lugar bonito, e creio que era um hotel. Não havia pessoas de má índole por aqui, todos estavam muito bem vestidos e nos cumprimentavam.

Aproveitei e, ao conversar com um senhor que estava dentro do hotel, pedi para que, se ele pudesse fazer a maravilhosa boa ação, de deixarmos encher nossos cantis. Ele, mais bondoso ainda do que poderíamos prever, nos ofereceu não apenas água, mas como um pouco de comida. Não aquela maravilhosa de que me lembro que recebia na casa de meu pai, mas estava maravilhosa o bastante para um esfomeado.

Todos nos perguntavam para onde tantos soldados estavam indo e o por que estávamos aqui. Sempre os respondia com a mesma resposta: recebemos ordens de ir defender o litoral, mais especificamente Galveston, e que paramos por termos encontrado um senhor que precisava de ajuda. Todos se maravilhavam com a história, ficavam encantados e diziam que éramos corajosos, destemidos soldados. Todos estavam orgulhosos por saber que tinham alguém que estava disposto a defender o estilo de vida que todos estavam acostumados a viver.

Por fim, pouco antes de retornamos o caminho lá pelas seis da manhã, muitos moradores vieram até nós e nos ofereceram mais água em dois barris e muita comida para que pudéssemos comer no caminho. Afinal, como soldados poderiam defender o Estado se estavam em condições parecidas como sacos vazios?

Retomamos a viagem rumo ao Sul.

No caminho a Galveston, brincávamos um pouco para descontrair o grau de seriedade e nervosismo em nossa situação.

“Hmmm... estão sentindo este cheiro?” um novato perguntou.

“Não... que cheiro?” Julio perguntou – sempre o inocente, coitado...

“Calma Julio, ele não quis te ofender. Eu sei que sempre que dá, você toma banho, ok!?” lhe respondi. Mais uma vez, todos, inclusive Julio, caíram na gargalhada.

“Ah seu safado, até parece que você toma mais banho do que eu, não!?” Julio retrucou.

“Usei as palavras erradas? Você realmente fede mal, mais do qualquer um aqui...” lhe disse. Todos continuaram a rir, parecia ser o nosso passatempo favorito.

Tempo depois, Julio retornou a falar quebrando o silêncio que havia se fixado, agora com o novato que tinha falado do cheiro. “Hey, do que era o cheiro?”

“Hmmm... sei lá, não sei, realmente não sei... apenas me lembrava chuva, que por acaso, é a última coisa que está por vir...” e terminou dizendo olhando para o céu.

Continuei sentado no banco traseiro do primeiro jipe, apesar dos dois estarem na estrada lado a lado, com meus pensamentos vagando por todo o tipo de lugar, menos na guerra. Eu estava curioso, me ocorreu que uma vez minha mãe havia me dito que ela faria tudo o que fosse preciso para que me visse em paz. Será que ela largaria todo o conforto de nossa antiga fazenda para ir trabalhar em meio aos mortos e feridos do hospital? Meu coração doía quando a imagem de minha mãe trabalhando socorrendo os feridos da guerra se formavam em minha mente, era como se meu coração estivesse sendo baleado continuamente, tiro após tiro, até que ele estivesse tão despedaçado que eu não pudesse nem chorar, não pudesse sequer derramar uma pequena lágrima.

Doía saber que o mundo era diferente do que eu pensava que era. Doía saber que eu estava errado desde o começo. Doía saber que eu me iludi por tanto tempo sobre a vida. Doía saber que eu havia magoado mais ainda as pessoas que me amavam, e que a única coisa que eles queriam, é que eu não estivesse onde eu estou hoje.

Mas já os fiz sofrer demais, por tempo demais. Não os faria sofrer nunca mais, não retornaria nunca mais para a casa de meus pais.

Acordei de meu transe mental, olhei para o soldado que estava dirigindo nosso jipe.

“Gabriel, em que rota estamos? Qual sua estimativa para nossa chegada?”

“Jasper, estamos em rota de Galveston ainda, sem sequer mudarmos um metro de sua linha.” Concordei silenciosamente.

Tempo depois: “Mas... Jasper, agora estamos em rota de mais alguma coisa...” Havia fumaça, muita fumaça em nossa rota, bem a nossa frente. Não havíamos percebido isto antes, pois estávamos em algumas curvas e a vegetação estava alta, não tínhamos uma visão tão ampla como o campo limpo sem vegetação em que havíamos entrado.

“Reduza a velocidade Gabriel. Você também Marcos” disse aos motoristas.

“Jasper, ainda estamos em rota... em rota de... em rota de colisão!” Gabriel disse assustado.

Havia uma charrete caída num canto pegando fogo, e dois cavalos desgovernados, totalmente assustados com o fogo logo atrás deles. Eles ainda estavam presos, e totalmente desesperados. Por pouco não atingimos um dos cavalos. Paramos pouco após nossa passagem por eles. Desci correndo e tentei libertar os cavalos. Os outros correram para me ajudar, e então, todos juntos, conseguimos por soltar os dois cavalos, que saíram em disparada para algum lugar além do nada ali presente.

Tentei olhar dentro da charrete se havia alguém por lá mesmo com as ameaçadoras chamas e a fumaça, mas não havia ninguém. Um novato me chamou e me mostrou algumas pegadas de um homem, e então liguei os pontos: deveria ser aquele senhor que atendemos de manhã. Ele estava tão cansado, deveria ter caminhado por tudo quanto é lugar sem encontrar nada, e então nos encontrou. Podia muito bem ter sido isto, ele apenas fez toda a volta da cidade. Não teve muita sorte a princípio.

“Deve ter sido aquele homem que atendemos hoje pela manhã, tudo isto devia pertencer a ele” disse aos demais companheiros.

“Mas o que você quer que nós façamos agora? Que saiamos correndo atrás dos cavalos para capturá-los e levar de volta até o senhor?” Gabriel me perguntou.

“Não, mas isto tudo deve ter sido trágico, já que pegou fogo. Só me pergunto o que foi que aconteceu para que tenha pegado fogo...” o respondi.

“Ele deveria estar fumando e então seus cavalos se assustaram com algo, fazendo com que ele perdesse o equilíbrio e caísse...” Julio estava tentando solucionar o problema... até parecia ser um detetive.

“... e se caiu por ter se desequilibrado, o seu fumo deve ter caído e ficado dentro da charrete até que os cavalos por fim parassem aqui” Rafael completou o problema do Julio.

“Pode ser. Mas o velho andou, heim!?” Marcos concluiu.

“E como... mas andem, vamos retornar nosso caminho. Quanto antes chegarmos a Galveston, melhor...” disse a todos, sendo que todos obedeceram como se eu fosse o tenente da operação – apesar de que não havia lhes dito ainda do detalhe que apenas eu sabia: Galveston seria palco de uma batalha em breve, apenas não sabia quando, mas seria...

“Retornando o nosso caminho” disse Gabriel ao subir e ligar o nosso jipe.

“E retornando ao nosso deserto, não!?” um novato disse, esse aparentava ser o mais jovem de todos os novatos – e não sei por que, mas eu não tinha me familiarizado com nenhum dos novatos. Você pode perceber isto por que eu não sei o nome de nenhum deles.

“Tente lembrar-se dos desafios. O quão gratificantes estamos no fim deles...” tentei animar não só a ele, mas a todos. Todos riram... Julio respondeu.

“Claro, e receberemos um troféu de ouro? Se não eu não quero... e não aceito por menos, han...”

“Claro, um troféu para o mais metido e exibicionista soldado entre nós. Você realmente merece um prêmio por conseguir ser mais o mais folgado dentre todos os folgado que eu já conheci em minha vida.”

Rimos mais ainda, gargalhando, todos descontraídos. Uma parte de nós ria incessantemente, e creio que a outra estava pensando no que ainda teríamos que enfrentar. Tudo ainda era um grande mistério, e eu sempre odiei mistério, surpresa, tudo o que eu não poderia saber ou exercer influência.

Pois nesta eu perderia. Eu teria de me acostumar a ser flexível aos acasos. Pelo menos com as pessoas certas eu poderia nos manter protegidos, pelo menos.

3 comentários:

Vivi disse...

Cara
vai demorar pra ele virar vampiro...
é tipo, lá pros capitulos 26 ou 30 num é??
até lá, tem muuuuuuita históia... alias... a historia que é contada na fic deu certinho com a verdadeira né... eu tava pesquisando pro meu primo sobre a guerra civil americana, e num é que tava certinho o da fic... quase coloquei a fic lá no trabalho... ahahaha

Lucas' disse...

Essa fanfic é super legaal, ainda mais quando o Jasper se torna vamp! :D

Marcela disse...

"Tudo ainda era um grande mistério, e eu sempre odiei mistério, surpresa, tudo o que eu não poderia saber ou exercer influência."
Aí a pessoa vai e se paixona pela Alice, o mistério e a surpresa em pessoa....... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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