Solitário - Capítulo 24: Voltando Para Casa

Montei novamente atrás de Cris, deixando que ela se sentisse segura e confiante com o poder de parar ou mudar a direção do cavalo em que estávamos.

Saímos da cidade e encontramos a velha e empoeirada estrada de terra batida que nos levava à fazenda de meus pais. A cada passo que eu ouvia do cavalo, minha insegurança aumentava, meu coração palpitava um forte sentimento de carinho e afeição submergindo do escuro e sombrio fundo onde estavam velados.

O próprio ar estava estranhamente pesado, difícil de ser respirado. Cris, instantaneamente, se tornou impaciente – creio que ela estava ansiosa pela nova família.

“Tudo bem Cris?”

“Sim, Jasper.”

“Nervosa?”

“Não.”

“Ansiosa?”

“Um pouco.”

“Pelo quê mais especificamente?”

“Por conhecer sua família, eles devem ser boas pessoas...”

“Sim, eles são.” Não tive coragem de continuar os elogiando, pois a estrada me trazia más lembranças, realmente más lembranças – essencialmente as que eu mais queria e tentava sem sucesso esquecer.

“E você?”

“Hãn?” ela cortou meus pensamentos, as lembranças estavam invadindo minha mente novamente.

“Você está bem?”

O que falar para ela? Eu tinha de soar sincero, melhor, eu tinha de ser sincero, ou apenas eu teria de ser divertido, alegre para ela, afinal, ela sempre fica alegre se eu assim o fico – somos tão parecidos e unidos um ao outro, compartilhávamos até o nosso sentimento.

“Sabe de uma coisa? Você vai adorar a vista do meu antigo quarto, nele dava para ver todos os que passavam por esta estrada a quilômetros. Lá eu via todos os tipos de animais que passeavam, todos os tipos de vegetação que crescia e frutos que eles proporcionavam, via o maravilhoso e incandescente pôr do sol... eu podia ver tudo com todas as cores lá, era o meu mundo particular que ninguém poderia interferir e muito menos me influenciar em minhas imaginações... era magnífico, eu podia passar o dia inteiro lá e nem ao menos me lembrar que eu tinha fome e tinha de tomar banho.”

Eu estava feliz pelas boas lembranças, e por me permitir dizer isto tudo em voz alta. Era tão confortante ter alguém pela qual você poderia compartilhar tudo o que você sente, pensa, sente... era ótimo ter a companhia de Cris comigo.

“Então... gosta? Eu aposto que você adoraria passar dias e horas lá” lhe disse, e percebi o quão feliz ela estava me ouvindo falar do que acontecia ou do que poderia deixar de acontecer por lá, e ela estava tão mais feliz do que eu estava.

“Sim, eu gosto, e também adoraria que você passasse alguns minutos comigo lá. Você poderia?” ela me questionou angelicalmente.

“Bom, creio que eu tenha um tempo para isto.” Olhei para ela e vi o quanto seu rosto se iluminou com a imagem de nós dois, praticamente dois irmãos, sentados amigavelmente saboreando a imensidão azul da noite. “Hmmm... Uma coisa: de noite dá para se ver todas as estrelas e nuvens do céu. Quando eu era pequeno, minha mãe dizia na noite de Halloween para não ficar na janela, pois alguma bruxa poderia e ver e vir me pegaaar...” lhe disse brincando com as últimas palavras, tentei soar assustador, mas não consegui logicamente – apenas consegui retirar algumas gargalhadas da pequena à minha frente.

Continuamos nossa viagem, e então paramos a frente de uma grande casa de aspecto confortável e familiar. A casa de meus pais.

Hesitei onde estava, agora, face a face com a casa, já não sentia mais a mesma confiança de que alguns instantes anteriores. Senti a fraqueza tomar conta de todo meu corpo, cada minúscula parte sentindo-se velha, cansada. Eu odiava esta sensação de inutilidade crescente em mim, este sentimento de pequeno frente a um gigantesco problema. Mas, mesmo assim, eu não sabia se eu ainda podia continuar...

“Jasper? Tudo bem?” Cris me perguntou preocupada, parecendo um pouco cansada também, mas eu deveria continuar, ela precisava disso.

“Claro. Vamos” conclui – seria melhor assim, com ela me perguntando, assim eu seria obrigado a ir em frente e não recuar.

Desmontei do cavalo e então abria a porteira da fazenda, segurei as rédeas do cavalo e o fiz entrar calmamente – eu não queria que ele se assustasse, afinal, Cris estava lá em cima ainda, e se ele se assustasse, ela poderia cair e iria se machucar. Fechei a porteira após passarmos, e então montei novamente.

Seguimos pela antiga e conhecida estrada de terra batida em frente à fazenda. Desci novamente, e então apoiei Cris na descida. Amarrei o cavalo em um corpulento tronco de uma árvore perto da casa, e depois caminhamos até a entrada da porta da fazenda – aquela que eu tinha saído deixando-a aberta para que toda a tristeza fosse embora comigo.

Bati três vezes na porta, esperando respeitosamente que alguém nos fizesse a gentileza de nos atender. Não demorou para alguém vir, pois pelas janelas pudemos ver que havia pessoas na sala – a luz de várias lamparinas nos indicavam que havia alguém lá, só não sabíamos quem ou quantos.

Assim que a porta se abriu, a senhora se congelou ao ver seus visitantes. Ela estava linda em seu vestido de linho azul-marinho – a mesma tonalidade de minha farda – adornado apenas com algumas fitas brancas e caramelo perto dos pulsos e do colo. Ela estava divina, angelicamente divina, se é que eu poderia dizer isto dela. Ela estava perfeita, como nunca a vi antes. Seu cabelo preso permitia que algumas pequenas e fichas mechas a tornasse numa modelo de quadros artísticos do mais alto padrão, da mais bela das pinturas.

Não percebi quanto tempo demoramos olhando um para a face do outro, e muito menos percebi no que Cris estava fazendo ou sentindo. Apenas fiquei sem saber o que fazer. Assim que se permitiu algum movimento, ela finalmente falou.

“Jasper? Você... você, meu filho... voltou?” e quando conseguiu terminar, seus olhos transbordavam em furtivas lágrimas.

“Não, mãe, eu... eu apenas vim trazer algo para a senhora, alguém, para falar a verdade. Creio que lhe deixará feliz” a respondi, me contentando em apenas vir e não ficar, me contendo para não cair aos pés dela pedindo a liberdade para voltar – eu sabia que voltar para Houston seria minha ruína, minha fraqueza maior.

“Mas... está bem, venha, entre...” ela me disse já abrindo espaço para entrarmos.

Entramos na sala e então percebi que tudo, absolutamente tudo, ainda estava do mesmo jeito de quando eu havia deixado a casa. O sofá estava no mesmo lugar; a mesa de centro ainda estava com aquele pequeno vaso de flores com margaridas; a lareira estava cheia de madeiras, mesmo que não estivesse fazendo frio ou fosse Natal... Havia passado tanto tempo que saí daqui, nem sinto como se eu pertencesse aqui. Fomos até o lado do sofá esperando para que Mary nos convidasse a sentar.

“Sentem-se, por favor” ela nos disse carinhosamente.

Sentamos e então percebi que Noah, a minha antiga e eterna amiga, estava na sala também. Assim que me viu, o mesmo que passou com minha mãe, aconteceu com ela: admiração, susto... não sei. Ela, entretanto, não se contentou e veio me abraçar, o que retribui.

“Senhor Jasper, o senhor voltou. Mas que maravilha!”

“Desculpe Noah, não voltei para ficar, tenho muito que fazer ainda, tenho muitas pessoas para salvar ainda” lhe respondi, e percebi que, mesmo falando que eu iria salvar pessoas, ela trocou sua expressão de alegre para uma triste, “mas não se preocupe, sempre que eu puder irei voltar para cá. Verei vocês sempre. Estou no comando da operação de refúgio de mulheres e crianças que estão correndo perigo em Galveston, trouxe apenas uma parte, ainda há mais para trazer, então não posso ficar nem demorar por aqui.”

Assim que ambas pareceram entender minha situação, retornei a falar.

“Mãe, está é a Cristina Valle, ela perdeu sua família toda devido a confrontos o Norte de Galveston. Ela não tem para onde ir, e nós dois nos demos muito bem, somos grandes amigos, grandes irmãos.” Esperei para ver se ela já sabia onde eu estava querendo chegar, por enquanto, eu tinha a possibilidade de continuar naquele ritmo. “Me lembro de quando você me dizia que sempre quis ter uma filha, e está é a sua oportunidade. Você... você gostaria de ficar com Cris? Não há com o que se preocupar com sua estadia por aqui, pois todos de sua família se foram e ela realmente não tem onde ficar e sua saúde está em perfeito estado.”

Olhei para sua cara esperando pela pior das reações, mas então percebi quanto amor havia em seu rosto. Ela estava feliz, muito feliz. Estava radiante.

“Tudo bem se ela ficar?”

“Claro, meu filho, será maravilhoso que ela fique conosco. Ela é tão bonita... parece uma anjinha...” e então ela apenas se levantou e veio se sentar ao lado de Cris, que sorriu com sua nova mãe, “você tem quantos anos?”

“Nove anos, senhora.”

“Ah, por favor querida, me chame apenas de Mary, está bem!?”

“Sim, é também o nome de minha boneca” ela disse mostrando orgulhosamente sua boneca de espiga de milho, “e foi o Jasper que fez ela para mim. E como eu achei que ela era muito bonita, ele me disse para pôr o seu nome, por que você também era bonita.”

Mary olhou para mim, indubitavelmente feliz e emocionada com o que estava ouvindo dela. Ambas pareciam estar felizes na companhia uma da outra, e minha mãe apenas parecia estar realizando um sonho há muito tempo desejado.

“O que foi? Algum problema?” lhe perguntei, pois ela estava apenas olhando para Cris e para mim.

“Não, é só que você está bonito nesta farda. Seu pai adoraria te ver assim...”

“Sou Major, e, falando nele, onde ele está?”

“Está na casa de sua avó concertando alguns móveis e lamparinas, ele ficou de voltar cedo, mas já está tarde e até agora nada dele. Creio que logo ele aparecerá...”

“Não, não se preocupe, tenho de voltar logo, irei agora mesmo, aliás. Tenho de voltar ao galpão e a base em Galveston, tenho muito que fazer ainda. Sou um homem ocupado, mãe...” lhe disse, pois a imagem de seu rosto com tristeza crescendo gradativamente estava me matando aos poucos.

Ela riu. “Sinto que você sempre foi um homem maravilhoso, e agora, mais do que nunca, é um homem também ocupado. Sinto orgulho de você, meu filho. E se vai agora, então me deixe expressar o meu carinho pelo meu querido filho...” e então ela se levantou e veio até minha frente. Me levantei e ela me abraçou forte, estava com saudades, e retornou a chorar. A larguei e me agachei frente à Cris, que estava sentada muito contente com sua nova casa.

“Você ficará muito bem aqui, minha mãe já te adora, e pelo que percebi, aquela senhora, a Noah, também já te adora muito tanto quanto a mim...” olhei para ela e ela confirmou com a cabeça – todos estavam contentes por ter um novo membro na família –, “e tenho certeza de que meu pai também irá adorar sua companhia. Você é tão doce, querida, impossível não gostarem de você. E também sei que você irá gostar daqui, terá o meu quarto com a vista mais bonita da região, terá acesso livre à cozinha para roubar todos os doces quase prontos de Noah, poderá brincar, se quiser, com os meus antigos brinquedos e brincar lá fora. Eu sei que não deu para ver muito por ser noite, mas o quintal daqui é imenso, e tem até bois e cavalos para você brincar quando quiser. O que me diz de tudo?”

“É tudo muito bom, realmente muito bom. É tudo o que eu nunca tive, e eu já gostei de tudo. Fico feliz por saber que elas também gostaram de mim, por que eu também gostei muito delas.” Agora eu estava feliz, absolutamente feliz. “Só tem uma coisa...” ela continuou triste.

“O que foi?” lhe perguntei preocupado.

“Você prometeu ver um pouco do céu da sua janela, se lembra?”

“Ah sim, eu havia lhe prometido” lhe respondi respirando aliviadamente, “a senhora se incomoda se eu for até meu antigo quarto, Mary?”

“Claro que não, está tudo lá, e é bom você já o chamar de antigo, pois ele já é da Cris, se ela gostar dele, é claro” Mary disse extremamente radiante com a ideia de uma filha.

Fiz sinal para que ela se levantasse e então subimos os degraus até meu quarto. Entramos e percebi que tudo estava exatamente do modo que havia deixado quando saí, com exceção da cama que não estava mais bagunçada. Abri a janela, e ficamos cerca de dez minutos nos maravilhando com o esplendor da cena que tínhamos de lá: o amplo céu escuro inundando os pequenos brilhos brancos das estrelas, as estradas que se pintavam de um azul mais claro do que vegetação se tornando de vista fácil, podíamos ver algumas árvores e até algumas corujas que brindavam a chegada de Cris com seus voos imponentes.

Logo após, descemos e me despi de todas estas mulheres. Noah me deu um abraço muito apertado, ainda banhado em saudades e tristeza, mas a tranquilizei novamente, o que me deu a oportunidade de enxergar aquele amplo sorriso. Minha mãe, Mary, me abraçou e me deu um pequeno beijo na maçã do rosto, e lhe retribui o gesto. Cris, minha nova e pequena irmã, me abraçou mais forte do que todas, me disse que sentiria saudade, mas que também estava feliz por ter um irmão como eu. Não disse nada para que elas entregassem o recado ao meu pai e desamarrei o cavalo da árvore, montando-o em seguida e partindo.

Uma vez na estrada, olhei para trás, e elas ainda estavam abandonando suas mãos me fazendo sentir amado, querido de alguém. Elas estavam felizes, e é minha obrigação fazer com que elas continuassem a sentir assim, eu devia isto a elas, a todas elas.

Em poucos minutos cheguei onde todos estavam, e Julio ainda estava de pé auxiliando com os papéis. O chamei apenas me mostrando pegando outro cavalo descansado, e fiz sinal que eu iria embora naquele momento. Ele apenas concordou e fez sinal para que eu fosse com “Dios”, como este hispânico sempre fala.

Montei no cavalo descansado e parti rumo a Galveston com um mapa e uma bússola, em que eu acreditava firmemente que fossem capazes de me auxiliar no caminho de volta para a Ilha.

Cavalguei pela escuridão na máxima velocidade que o pobre de meu cavalo aguentava, mas então, em uma estreita e pequena estrada de terra, avistei três belas e jovens mulheres caminhando – flutuando seria a palavra ideal – solitariamente. Diminuí a velocidade do cavalo para um leve caminhar. Elas eram realmente lindas, como se fossem bonecas de porcelanas ou fantasmas, já que a tonalidade clara em suas peles era imensuravelmente intensa, mas... apesar de estarem nesta estrada, elas não poderiam ser membros que ficaram para trás no caminho – e se fossem, e estão assim por adoecerem, eu odiaria Julio por perder nossas viajantes tão voluntariamente.

Mas eu não as reconhecia do grupo, elas não aparentavam pertencer a qualquer outro grupo de pessoas a não ser o trio em que andavam.

Chegando mais perto ainda, percebi que suas feições não me lembravam a ninguém que já havia visto em toda a minha vida. Provavelmente deveriam ser senhoritas perdidas, ou então, elas nos viram passar e nos seguiram.

Realmente, não sei.

Por fim, fui descobrir por mim mesmo o motivo da noturna caminhada das três donzelas.

* * *

Atenção:

Esse capítulo é um divisor na vida de Jasper. Daqui pra frente, você terá duas opções de leitura.

• Para ver Jasper se transformar em vampiro, clique na capa a seguir:


• Para ver Jasper continuar sendo humano, clique na capa a seguir:

2 comentários:

Vivisrolling disse...

oO
É agora, é agora, é agora, é agora, é agora, é agora, é agora!!!!!!!!!!
Aaaaaai mamãe!!!

Yasmin disse...

Eu ja li 'e se Jasper não se transformasse " o fik é bom ele tem uma vida feliz mas é estranho não ter a nossa pequena e alegre Alice pois eu li no foforks a continuação de Singularity Coalecece E É LIDA POR SINAL mas os dois fiks são otimos

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