Solitário - Capítulo 42: À Caça

1866

Sabe quando você pensa que tudo o que tinha que dar já lhe aconteceu? Mas então, por uma força superior, tudo ainda continua acontecendo, mesmo você amaldiçoando céu e inferno?

Pois é... estou tendo um dia como esses.

Antes de explicar por completo o motivo disso, eu tenho que fazer uma ressalva antes.

Nestes últimos anos, preferi esquecer algumas coisas. Maria está ficando mais consciente de seus atos, portanto já se esqueceu da loucura de sair por aí conquistando as cidades. Nettie e Lucy estão por aí... nunca mais as vi depois de nos separarmos anos atrás.

Tive esperanças de encontrá-las por aí. Procurei, procurei e nada! O mundo é grande demais para que apenas eu as procure.

Percorremos várias cidades do Norte do México, mas a visita era só para ver se tinham vampiros novos na área. Nada de novo. Nunca. Somente às vezes, muuuito raramente encontrávamos um ou outro recém transformado por um viajante.

Às vezes também encontrávamos outro vampiro que vinha batalhar conosco, mas não era mais por disputa de território. A ideia de conquista esmorecia. O poder e a ganância já não interessavam mais a ninguém, pelo menos não em nosso grupo e nos que vinham até nós.

Agora os que vinham até nós eram por outra causa: vingança. Vingança e inimizade, pois muitos não gostavam do jeito que Maria se comportava quando outros vampiros ficavam nas cidades ao redor de Monterrey.

Pois, apesar de apenas Monterrey ser nossa, Maria não gostava da ideia de ter outros vampiros nas cidades da região. Ela se sentia ameaçada, e eu não podia fazer nada nessas horas. Apenas acontecia.

Ela simplesmente entrava nas cidades, encontrava alguém e o matava. Ela, na verdade, tinha medo que eles viessem futuramente a conquistar, ou tentar, Monterrey.

Agora as brigas eram pelo fato de que muitos tinham perdido seus parceiros. E isso é algo que nossa espécie não perdoa.

Um vampiro não esquece fácil das coisas, a não ser que ele realmente queira. Esquecer de alguém de sua mesma espécie, com destaque aos companheiros, que foi morto brutalmente não é algo que costumamos deixar passar pacificamente a nossa frente. E quem briga por isso, por justiça, geralmente não é alguém dócil ou calmo.

Enfim, Maria e eu estamos nos dando bem em manter Monterrey sob nossa proteção. Algumas batalhas aqui e ali, mas nunca muito grandes.

Mantemos conosco cerca de uma dúzia de recém criados, que são descartados assim que completam um ano de espécie. Pois, nesta data, sua “forcinha extra” se esvai. Apenas Lloyd, Francisco e Gerardo continuam conosco dos antigos tempos.

Os que ficavam em nosso grupo eram os peões, aqueles que encontrávamos cavalgando livres por aí, às vezes em viagens de negócios ou apenas curiosidade. Mas, no fim, era tudo a mesma coisa, quando não eram mais úteis – sempre gostei desta palavra, não sei por que – eu mesmo me encarregava de pôr um fim neles e arranjar novos para nós.

Em outras palavras, a nossa vida vampiresca aqui continuou com o mesmo padrão violento que sempre foi, apesar do nível estar pouco mais suave.

Com o mesmo padrão em tudo, a propósito. Eu já estava me cansando de tudo. Antes mesmo de alguma mudança. Vampiros se cansam rápido!

Mas... vocês devem estar pensando: e soldados? Nem pensar, só se for ex-soldados. Uma péssima notícia: a guerra acabou. A Guerra Civil acabou, mas foi há pouco mais de um ano, então... sem soldados.

Então, sem mais soldados da Confederação para se unir a nós.

Outra notícia pior ainda: sem soldados da União para nos alimentar.

Droga! Eu gostava de capturar os inimigos, e transformar os Sulistas. Eles eram boas pessoas.

Aliás, após tanto tempo sem escrever, muita coisa mudou. Os negros tinham liberdade agora, não eram tidos mais como escravos – apesar de eu achar que isso, na realidade, foi tudo armação, pois: primeiro, eles não pediram nada; segundo, livres, eles não tinham aonde ir; e terceiro, muitos não estavam os aceitando nas moradas ou em trabalhos nas cidades.

Ou seja, eles continuavam no mesmo inferno de vida que estavam antes, só que agora tinham a mínima diferença de receber um pagamento. O que também dava na mesma, pois poucou mercadores vendiam para os negros.

Ok, esquecendo esse assunto e voltando à nossa quase pacata vida, em pouco tempo iremos, Maria, Lloyd e eu, arrebanhar mais alguns para o nosso grupo – os cinco criados nossos tiveram sua data de validade vencida ontem pela noite.

Novos tinham de entrar no grupo. Eu só esperava que eles fossem boas pessoas, não irritantes como os anteriores.

“Está pronto, querido Jasper?” Maria me perguntou encostada no batente da porta – da mesma casa de antes, diga-se de passagem...

“Sim” afirmei. “Já avisou Gerardo que estamos indo?”

“Sim, ele sabe de tudo!”

Levantei, procurei uma camiseta e a vesti. Me encontrei com Maria e Lloyd que me esperavam na varanda.

“Alguma preferência, Maria?” Lloyd perguntou ansioso.

“Bem, eu estava pensando... hmmm... não sei” Maria respondeu por fim.

“Qualquer lugar, creio eu, desde que não tenha vampiros irritantes novamente... Qualquer lugar que não tenha irritantes está excelente para mim, aliás!” dei meu veredicto.

“Os irritantes eram daqui de Monterrey!” Lloyd disse zombeteiro. Entendi rapidamente onde ele queria chegar.

“Ah sim, claro, disso não há dúvida! Eu tenho certeza absoluta que eram daqui!” provoquei. Mas no instante seguinte, me arrependi – e vi que Lloyd também após o seu sonoro “ai!” – pois ambos recebemos um forte soco no braço.

“Nem todos de Monterrey são irritantes!” – ela só tirou esta conclusão porque tirou a si própria da análise local, – “todos daqui são boas pessoas!”

Fiz careta com sua afirmação. Lloyd me ajudou com uma um pouco pior que a minha.

“Ah, por que estas caras?”

Outra careta.

“Não acredito que vocês vão ficar agindo desta forma. Vocês não vão falar, não?!”

Abaixei a cabeça e depois olhei para o lado oposto de Maria. Lloyd fez o mesmo, só que adicionou um gozado assobiar.

Outro soco.

Caímos na gargalhada.

“Ok, é que aqui tem muitos mexicanos, e estes mexicanos já estão me dando nos nervos, Maria! Os que eliminamos ontem eram completamente irritantes, eu tinha de controlá-los sempre, todo maldito dia.”

“Ah, coitadinho do Jasper. Está cansadinho, está?!” ela disse gozando de mim.

“É fácil falar essas coisas, não?! Difícil é ter de aguentar eles.” Eles fizeram uma cara de quem estava achando balela minha conversa. Decidi dramatizar um pouco mais. “Pior. Difícil é ter de aguentar pessoas que não são irritantes, mas se tornam irritantes apenas para acabar com a sua felicidade!” – essa deu certo. Ambos pararam e olharam assustados para mim.

“Jasper, olhe, me desculpe!” Maria começou.

“É, não foi nossa intenção!” Lloyd completou.

“Não queríamos fazer isso...” Maria disse.

“Não mesmo!”

“Não queríamos ser chatos assim...”

“Não mesmo!”

“Não fique chateado por termos agido sem pensar...”

“Não mesmo, não fique!”

“Lloyd, você vai ficar falando para sempre assim?” Maria começou a se irritar, mas eu não fiz nada.

“Não, é que... desculpe também...”

“Está vendo como é chato ter pessoas irritantes por perto?” disse concluindo a conversinha deles. Eles balançaram a cabeça afirmativamente, então não esperei mais. “Ok, não façam mais isso comigo, caso contrário, da próxima eu interfiro de novo!”

“Como assim interfiro de novo?” Maria quis saber. Oops...

“Errr... então, para onde vamos mesmo?” tentei esquivar.

“Não, não, não se faça de desconhecido!”

“Lloyd, tem alguma opinião aonde devemos ir?” mudei o rumo da conversa – pelo menos, mudei o receptor da conversa.

“Bom, por que não vamos para o Texas então? Já que você não quer a população daqui por enquanto!” ele tentou.

“Ok, ótimo!” conclui.

“Jasper, não me deixe falando aos ventos!” Maria estava brava.

“Você não está falando aos ventos, Maria. Estamos aqui e te escutamos...”

“Então por que não me responde?”

“Porque... porque o Texas é mais importante!”

“Ahhh, o Texas é mais importante agora?”

“Ok, Maria, sem ciúmes, ok?!” lhe disse já manipulando, “e seja boazinha, não nos incomode!”

“Ok, Jasper. Vamos meninos?” ela disse completamente alegre já se virando para sair.

“Nossa, que mudança!” Lloyd se espantou.

“É o carisma, Lloyd. Meu pai sempre me dizia isso!” lhe respondi rindo, e então saímos correndo todos juntos.

Fomos percorrendo todo o Norte do México até chegar à barreira com o Texas. Agora havia uma pequena barreira que fora construída há poucos anos. Ok, nada difícil de ultrapassar para um vampiro.

Continuamos correndo sem prestar atenção aonde iríamos parar. Não irei entrar em detalhes dos ambientes, pois descobri que sou péssimo. Mas a única coisa que posso dizer é: não importa quantas pessoas moram em tal cidade, ela sempre é pequena para um vampiro.

E foi isso o que fomos reparando pelo caminho.

Primeira parada: Uvalde, uma pequenina cidade no meio do nada. Perfeito!

Entramos e de cara já encontramos dois peões encostados em uma parede – que era algum tipo de balcão muito grande e que fedia a peixe podre.

Era noite e não precisávamos ter muito cuidado. Os atacamos pela retaguarda para que não percebessem quem os atacou. Dois. Melhor que nada!

“O que fazemos com estes?” questionei-os.

“Vamos deixá-los aqui perto da estrada, perto daquela grande árvore” Maria ordenou. Levamos os corpos e os depositamos no pé da grande árvore de forma que aparentasse que estivessem apenas dormindo. Enganaria qualquer um.

Qualquer um desde que não fosse vampiro!

Fomos para a próxima cidade. San Antonio.

Encontramos um homem, até que forte, a levar alguns cavalos para dentro do estábulo. Eles estavam assustados e o homem tentava os acalmar, sem sucesso – óbvio, nós, vampiros, estávamos ali. Os animais são bons em perceber a nossa presença, enquanto os humanos apenas sentem por instinto que devem correr para longe dali. O instinto animal é muito eficaz neles, mas apenas neles...

Assim que ele conseguiu trancar a porta, Maria já estava ao seu lado cintilando lindamente com a claridade da Lua. Em um piscar de olhos, ele já estava no chão.

“Lloyd e Jasper, carreguem este!”

Fomos até lá e eu o peguei, e o coloquei sob meu ombro direito. Suas roupas não eram novas, muito menos limpas, o que lhe dava um aspecto de um grande saco de batata, olhando desta forma que estava comigo.

“O leve até Uvalde junto dos outros dois!”

Voltei a Uvalde, e o deixei pouco mais ao lado dos dois primeiros. Mas, quando me virei para voltar a San Antonio, vi algo brilhando no chão, embaixo de uma escada. Fui ver o que era, e vi que era uma garrafa de uísque pela metade.

Pronto! O cenário perfeito. Se alguém os visse, diria que eram apenas bêbados.

Voltei para San Antonio, finalmente.

“Precisamos de mais!” Maria afirmou.

“Qual cidade?” Lloyd disse.

“Não sei, qual a mais próxima?”

“New Braunfels.”

“Posição?”

“Nordeste.”

“Adorável” Maria disse ansiosa, e então a seguimos.

Chegamos lá em poucos minutos – arrisco dizer que em menos de três minutos, não contei – e encontramos mais dois. Mais dois para nós.

“Precisamos de mais?” perguntei à Maria – aqueles cinco já me dariam muito trabalho.

“Mais um, talvez!”

“Ok, qual a próxima cidade, Lloyd?”

“San Marcos.”

“Posição?”

“Nordeste.”

“Então vamos” Maria finalizou – estes dois, Lloyd e eu estávamos carregando. O próximo eu carregaria para que Maria não se esforçasse.

Chegamos lá, mas não entramos na cidade, Lloyd e eu. Ficamos ali parados na entrada de um rancho. Segundos depois, ela voltou com um homem alto. E ela estava realmente feliz, não sei o motivo. Caçar não a deixava feliz, na maioria das vezes...

“Por que está assim ofegante?” lhe questionei.

“Porque este é importante!” – olhei para Lloyd, ambos transbordando em curiosidade.

“E o que ele tem de tão importante assim?” Lloyd tirou as palavras de minha boca.

“Temos Francisco que faz lembrar o passado, não?!”

“Sim, temos!” lhe respondi em tom de quem não gostava de assumir isso – e eu tinha ótimos motivos para não gostar. Meu passado vivia vindo à tona, e isso me atrapalhava. Me irritava. E eu estava com a sensação de que sabia que algo pior ainda havia de vir à tona.

“Pois agora temos um que faz algo parecido!” – EU SABIA!!! Sabia que havia algo ruim a ser contado ainda. Eu sabia!

“Ahhh não, Maria! Um já é o suficiente para me irritar. Dois agora?” me irritei.

“Mas não são iguais!”

“Ah não?! E este faz o quê? Dança?”

“Não seja sarcástico. É óbvio que ele é diferente de Francisco, caso contrário eu não o teria pego!”

“Mas você disse que ele era parecido com Francisco!” Lloyd estava confuso – muito confuso. HA!

“Parecido não é a mesma coisa que igual, sabiam?!” ela em tom de sabe-tudo. Fiz careta com aquilo. “Ele deve fazer alguma coisa parecida, mas não é exatamente a mesma coisa! Eu só vou saber o que ele faz ao certo quando acordar...” ela disse como se tivesse falando consigo mesma, não conosco.

“Ok, é um lindo discurso. Mas agora temos de ir antes que amanheça!” tentei me acalmar.

“Mas ainda falta muito para amanhecer!” ela tentou ser teimosa – mas comigo não, baby! Não quando eu não quero! “Ai ai, estou ficando cansada. Acho melhor irmos mesmo” ela se permitiu.

“Sim, vamos!” sorri vitorioso. Eu estava ficando bom nisso, muito bom mesmo. Ela sequer percebeu! Lloyd sorriu também – ele sabia.

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