1870
Lloyd continuava conosco, assim como Francisco e Frankie, o remédio e o veneno, ou vice-versa – Gerardo foi morto em uma batalha. O resto... é resto. A cada ano, temos novos integrantes.
Mas o que importa é que toda esta “tranquilidade” estava para acabar em breve...
Em uma linda manhã – como todas as outras, devo acrescentar – Maria e eu tínhamos ido a uma cidade vizinha para nos alimentar, já que ela disse que não queria mais caçar em Monterrey.
Fomos para Torreón.
Aconteceu o mesmo de sempre. Pegamos os desconcentrados e, geralmente, os que tinham bom cheiro. Não adiantava nada pegar os que cheiravam mal, pois estes deveriam ter alguma doença ou estar tomando algo para o tratamento.
E isso me cansava. Eu já estava totalmente exausto desta vida, mas que outra forma conhecia? Que outra maneira existia? Não havia nenhuma! Maria sabia das respostas, e foi ela quem me ensinou tudo sobre os vampiros. Como ela poderia não conhecer outra forma?
Fato é que, às vezes, eu me encontrava prestes a desistir de tudo. Mas aí está outro problema: um vampiro não consegue dar um fim a si mesmo sozinho. Eu precisaria de outro! Mas quem? Maria e Lloyd não fariam nada contra mim. Os outros dois “controles de mentes” também estão fora do caso.
Minhas únicas chances eram: ou eu arranjava briga com um novato ou eu arranjava briga com os Volturi. Eles não aceitariam que eu ficasse me expondo aos olhos humanos. São poucas as leis para com os vampiros, mas as que existem, são seguidas fielmente.
E uma delas é não se expor aos humanos – não pelo menos de modo que eles fiquem sabendo de sua existência.
Ok, voltando. Alimentamos-nos pausadamente, nos debutando com cada gota de sangue. Maria se esbanjava, enquanto eu apenas fingia o mesmo.
Voltamos reabastecidos, mas então encontramos uma grande briga entre vampiros em nossa casa. E o pior de tudo: não eram os inimigos.
Raúl e Ricardo, nossos novos vampiros, estavam discutindo.
“Não te intrometas em meus assuntos!”
“Quem disse que fui eu que me intrometi? Foi você quem veio para cima de mim!”
“Porque você fez algo que não deveria!”
“Não fui eu! Foi você!”
“Mas que inferno! O que vocês fizeram, afinal de contas?” Maria os bombardeou. Eles apenas se entreolharam agora.
Ainda assim, os ânimos estavam exaltados. Os anos vividos entre vampiros não negava o que estava a acontecer: um dos dois estava para morrer se ninguém interferisse – isso se os dois não morressem porque Maria já tinha entrado na discussão.
Ok, mais um serviço para mim.
“Ok, já chega! Acabou!” disse já manipulando todos. “Todos vão descansar agora, um bem longe do outro!”
Eles se separaram igual água e óleo.
“O que aconteceu?” perguntei a Frankie. “Eu ouvi briga! Quero respostas!”
Ele paralisou. Não queria falar, então o instiguei a falar.
“Raúl esbarrou sem querer em Ricardo...”
“Nenhum vampiro esbarra sem querer!”
“Mas parece que foi realmente sem querer, pois eu estava jogando com ele, e então ele se levantou porque tinha ganhado a jogada e foi comemorar. Aí aconteceu que quando se levantou rápido, bateu em Ricardo!”
“E...?”
“E então Ricardo ficou bravo e começou a brigar com Raúl!”
“E Lloyd e Francisco?”
Creio que esta foi a pergunta que eles esperavam que eu não a fizesse. Se eu não soubesse que eram vampiros e que estavam respirando – mesmo que levemente –, eu diria que eles não passavam de estátuas rígidas de mármore. Perfeitas estátuas. Cada traço fiel à realidade.
“Vocês vão ficar apenas olhando ou vão responder?” Maria começou a se irritar.
“Bem, quando eles começaram a brigar mesmo, Raúl e Ricardo, eles perderam o controle. Lloyd tentou fazer alguma coisa, mas acabou ferido. Francisco ficou nervoso e tentou manipular as lembranças de cada um deles, mas seu dom não surtiu efeito, então se enfiou na briga também.”
“E onde estão eles?”
Outra pergunta sem resposta. Controlei o sentimento de todos forte o suficiente para que cada um deles se entregassem até pelos mais cruéis crimes que já praticaram...
Raquel, a única mulher no grupo, com exceção de Maria, resolveu falar.
“Estão mortos!”
Certo, agora eu entendi o motivo de tanto motivo para esconder os fatos. Por esta eu não esperava! Eu ainda tinha tanto que conversar sobre meu passado com Francisco!
“Como é que é?” Maria se espantou. “Repete, por favor!”
“Eles... os dois... Raúl e Ricardo... eles... mataram... arrancaram os membros de Lloyd e Francisco...” ela respondeu incerta.
“Ótimo, o que faremos agora Jasper?” – seu tom era de ironia.
“Vocês quatro vão atrás de Ricardo, enquanto Maria e o resto de nós vamos atrás de Raúl, que é mais rápido! Tragam-no e prendam-no aqui. Se ele escapar, vocês pagarão com suas vidas” – mais cedo ou mais tarde iriam mesmo, de qualquer forma... “O quero vivo! Temos negócios a acertar com ele!”
“Concordo! Vamos!”
Saímos em disparada, Raquel, Roberto, Teodoro, Lenn, Maria e eu. Tínhamos dois rastreadores em nosso grupo, sendo que cada um deles ficou em um grupo.
“Raquel, para onde?”
“Para o Norte!” ela respondeu após buscar um pouco mais de ar.
Retomamos a corrida.
Assim fomos correndo e fazendo com que Raquel descobrisse qual rumo Raúl tinha tomado. Por fim, chegamos a Snyder, Texas. Lá, seu rastro acabava. Não tínhamos outra resposta: ele estava lá! Tinha feito uma pausa.
“Vamos nos dispersar! Juntem-se em duplas e procurarem por ele em tudo quanto é canto desta cidade! Se alguém achar, mande que o mais forte do grupo o segure enquanto o outro vem nos avisar!” – todos compreenderam e se juntaram em dupla. – “Eu irei com Maria procurar, e se, por acaso, nós dois o acharmos primeiro, não se preocupem em vir assistir o seu fim! Aqui ou em Monterrey, tanto faz, ele não continuará vivendo, assim como Ricardo.”
Olhei para Maria, que compreendeu ser o sinal para que fôssemos em busca do nosso fugitivo.
O procuramos em todos os lugares imagináveis em uma cidade. Nas casas, hotéis, saloons, bares, restaurantes, parques... Tudo! E nada dele!
Resolvemos voltar para o local onde estávamos antes, e encontramos Raquel.
“Olá, encontramos ele, olhe!” ela disse apontando para Roberto que o estava segurando rigidamente.
“Ah sim, minha querida, fez um bom trabalho! Vocês dois!” Maria a recompensou.
“Que maravilha, não?! Um fugitivo em nosso grupo! Isto é magnífico!” comecei ironicamente, mas Maria não estava para brincadeiras, então lhe dei espaço.
“Obrigada, Jasper!” ela disse controlando a si mesma. “E agora? Que farei com você meu pequenino Raúl?” – ela fez uma pergunta retórica. – “Por que fez isso? Por que atacou nossos próprios colegas?”
“É que foi sem querer... eu não quis, sabe... desculpe!” ele tentou implorar.
“Sem querer, meu querido? Como é que um vampiro consegue fazer as coisas sem querer? Me diz!”
“Bem, eu não sei... mas podem acontecer, raramente... quem sabe...”
“Tudo bem, algumas coisas acontecem desta forma, mas nem todas!” ela tentou ser paciente – pelo menos estava tentando. – “Mas como conseguiu matar sem querer?”
“Eu... eu... não... me desculpe, por favor!”
Maria não respondeu, apenas foi ao seu lado e começou a acariciar-lhe a face, depois o cabelo que ficou emaranhado em seus finos dedos. O procedimento de novo. Ela não disse nada, mas eu sabia que ele não seria aceito novamente em nosso grupo. Ele teria um fim, por minhas mãos ou pelas delas mesmo!
“Acendam uma fogueira com aqueles pedaços de madeira” Maria ordenou aos dois à nossa frente, que rapidamente largaram-no ali mesmo no chão e correram pegar. Eu fui segurar o corpo para que pudéssemos terminar com a matança.
Os pedaços foram jogados ao fogo.
Com a claridade e o barulho trepidando ali no canto da cidade, os outros voltaram.
“O trabalho está terminado aqui. Agora temos de voltar a Monterrey e encontrar Ricardo!” Maria encorajou.
Voltamos para Monterrey, nossa cidade, e então encontramos Ricardo em um forte abraço de três vampiros. Se eles segurassem mais forte, tenho certeza de que seus membros seriam arrancados.
Preferi não falar nada a respeito da cena – Maria não tinha gostado de quando comecei com meu sarcasmo da outra vez...
“Olhem só o meu segundo fugitivo!” ela disse caminhando tranquilamente em sua direção. Ele não gostou de seu tom, e começou a se irritar, mas... pela situação, creio que preferiu ficar quieto mesmo. “Tem algo a me dizer Ricardo?”
“Se eu pedir piedade, você vai me absolver?”
“Não!”
“Então não tenho nada!”
“Por que não me diz o motivo de toda esta euforia? Por que a briga?” ela tentou arrancar algo dele.
“Não tenho nada a dizer!”
“Por que matou nossos colegas? Por que aniquilou pessoas do próprio grupo? Por que justamente as pessoas que te auxiliaram nos primeiros dias até hoje?”
“Não tenho nada a dizer!”
“Por que não tem nada a dizer? Por que não quer se defender?”
“Já disse e repito, não tenho nada a dizer!”
“Bom, se não tem mesmo...” ela disse se aproximando, “não tenho também motivos para deixá-lo vivo...”
“Não, por favor...” ele começou a implorar.
“Como você já me disse, eu repito, não tenho motivos para deixá-lo vivo, e assim permanecerá a minha palavra!”
“Mas... por favor...”
“Não sou flexível nestes momentos, meu querido. A situação é simples: você, além de brigar, matou pessoas de nosso grupo. Você não mudou seu tom comigo, pois eu também não mudarei! Se você não é capaz de cumprir o que diz, o problema é todo... seu!” – ela disse a última palavra já o decepando. “Limpem a bagunça, meninos!” Maria concluiu a cena.
“Ok, façam o de sempre! Frankie, você pode vir comigo enquanto isso?”
“Claro” ele disse encabulado e confuso. “Algum... problema?”
“Mais ou menos” assumi.
“Ok, aonde vamos?”
“Para a montanha, pode ser?”
“Claro.”
E então fomos correndo até lá para resolver o “problema”.
Chegando lá, não quis perder tempo.
“Frankie...” eu ia começando, mas ele me interrompeu.
“Eu fiz algo errado, Jasper?”
“Não, por que está preocupado?”
“Bem, porque Maria acabou de matar um hoje...”
“Dois, na verdade, pois foi ela quem acabou com Raúl também!”
“Ok, dois... e não quero que você também me mate!”
“Você não tem motivos para pensar isso... ou tem?”
“Não, motivos não tenho, mas... sabe... fico pensando se algum dia fiz algo errado para que acabem comigo!”
“Relaxe” – controle de emoções ligado, – “não se preocupe com isto. Se tivesse nos atrapalhado teria sido descartado assim como os demais nos anos anteriores!”
“Ah, ok. Obrigado!”
“De nada.”
“Então... sobre o que você queria conversar?”
“Na verdade, eu preciso de um favor seu!”
“Sim, o que estiver ao meu alcance... Qual?”
“Eu quero que você me faça esquecer todo meu passado!”
“Olhe, isto é perigoso, Jasper! E se eu não conseguir me controlar e apagar por completo sua memória, como já fiz com os inimigos? Maria vai me matar sem nem dar a chance de falar ‘cucaracha’!”
“Você consegue! Eu preciso disto!”
“Mas... não sei...” ele começou a desistir – o manipulei para mais ânimo e coragem. “e não adianta me manipular...” – ok, controle de sentimentos retirado, – “é que você é um bom camarada. E o que você está me pedindo é coisa demais. Pode demorar muito.”
“Não ligue para o tempo. Maria não notará que estamos desaparecidos. Ela deve estar tomando seu banho para relaxar ou coisa parecida! Ela nem sequer notará que sumimos!”
“Será?”
“Sim.”
“Tem certeza?”
“Absoluta!”
“Então está bem. O que quer apagar?”
“O que me lembro de minha infância... e... o que acho que é minha família!”
“Mas... Jasper...”
“Você prometeu!”
“Ok, então se lembre pela última vez dessas coisas!”
“Ok” e então me permiti lembrar de tudo.
Deixei que minha mente vagasse pelos cantos mais densos e negros. Liberei a corrente de pensamentos como se abrisse a comporta de um grande rio. Tudo veio abaixo. A mulher carinhosa e bonita; o senhor bondoso, mas às vezes rígido; a negra amável; o pequeno menino travesso. Tudo relacionado a minha família.
Um segundo mais tarde, nada! Abri os olhos.
“Obrigado Frankie. É só!”
“Ok, o resto ainda continua aí?”
Busquei pelo “resto” e os encontrei: fugindo de casa após deixar uma carta; encontrando várias pessoas pelo caminho até me alistar na Confederação; treinamento com o escalão; sendo promovido a Major; formando estratégias e discutindo atitudes com os superiores; voltando a Houston para levar as mulheres, crianças e alguns idosos, e; por fim, encontrando Maria, Nettie e Lucy naquela estrada empoeirada e abandonada. Daí para frente, tudo estava em perfeita sintonia.
“Sim, continua tudo aqui o resto! Obrigado”
“De nada. Mas... posso saber o motivo para querer esquecer tudo tão repentinamente?”
“Bem... é que...” isso seria difícil de explicar, “eu não quero mais ficar preso a este tipo de passado. Se sou um vampiro, de que me serve saber de meu passado? De que me serve saber que magoei pessoas ao deixá-las? Eu não queria conviver mais com esta dor...”
“Mas só me pediu isso agora por que?”
“Porque Francisco não está mais aqui para trazê-las de volta!”
“Ah... Ok.”
“Vem, vamos voltar... Viu? Nem demoramos tanto assim?” lhe disse animado com a nova perspectiva de vida.
Voltamos e encontramos Maria batendo os pés irritados na entrada de nossa casa.
“Jasper, onde você pensa que foi? Fiquei te esperando!”
Oh ow, não pude fazer nada... Apenas olhei para Frankie que me deu aquele olhar “o que foi que eu te disse?”
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